terça-feira, 6 de outubro de 2009

Contra “AI-5 digital” de Azeredo, governo prepara estatuto para a internet


Diante da atual ausência de uma regulação da internet no Brasil, o governo Lula planeja criar um marco regulatório civil para a rede. Mas, diferentemente do autoritário projeto de lei apresentado pelo senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), a proposta governamental é marcada por princípios democratizantes e progressistas.

Essa proposta trará questões como a responsabilidade civil de provedores e usuários, a privacidade dos dados, a neutralidade da rede (vedação de discriminação ou filtragem de conteúdo — seja política, seja econômica, seja jurídica) e os direitos fundamentais do internauta, como a liberdade de expressão.

O plano, trabalhado pelo Ministério da Justiça, é lançar um blog adaptado com esses temas no fim do mês, abrindo 45 dias para que pessoas interessadas se manifestem e troquem argumentos sobre o que deveria ser regulado e como. Após o prazo, a pasta vai recolher as contribuições e redigir um projeto de lei, que será, então, levado ao blog para mais 45 dias de comentários. A previsão é que a proposta chegue fechada ao Congresso Nacional no início do ano que vem.

O texto que será entregue aos deputados trará um conjunto de regras mínimas, segundo o Ministério da Justiça. A intenção é manter a dinâmica da rede, como prevê um dos princípios estabelecidos pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Não fazer a regulação seria “deixar do jeito que está, e do jeito que está é complicado", afirma Pedro Abramovay, secretário de assuntos legislativos do ministério.

Tópicos

Uma das questões levantadas pelo ministério e por especialistas como de regulação necessária é a polêmica dos logs (registros de acesso), até aqui discutida como algo a ser definido sob uma lei criminal. O que será preciso definir: as informações sobre quais sites os usuários acessaram, quando e o que fizeram devem ser armazenadas? Por quanto tempo: três anos, como querem alguns? Esses dados podem ser vendidos? Passados à polícia? Em que situação? Podem ser requisitados pela Justiça? Com base em quais critérios?

Estabelecer isso em lei terá "impacto imediato para o usuário", afirma Ronaldo Lemos, coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio, que está desenvolvendo a proposta em conjunto com o Ministério da Justiça. "Ele vai saber que, ao entrar num site, não vai ter o dado exposto de forma diferente como está na lei. Hoje, juízes tendem a conceder a abertura dos dados. A intimidade é facilmente devassável."

Segundo Lemos, a proteção à privacidade dos dados incluirá a discussão sobre o spam. Outro ponto será a responsabilidade civil dos diversos provedores e suas garantias. Em que momento o provedor passa a responder pelo conteúdo? Nos Estados Unidos, os provedores não são responsáveis pelo conteúdo disponibilizado pelos usuários — a não ser que sejam alertados de alguma ilegalidade e não tomem providências imediatas, explica Lemos. Também não há guarda prévia de logs. Na Europa, segundo diretiva do Parlamento Europeu, os registros são armazenados por dois anos.

No Brasil, a lei deveria garantir que os dados do usuário não sejam vendidos e que fiquem guardados por pouco tempo, diz Sérgio Amadeu da Silveira, sociólogo, ativista da liberdade na rede e professor da Faculdade Cásper Líbero. "O rastro digital plenamente identificado é inaceitável. A navegação sem identificação é que garante a liberdade na rede", afirma.

Para Marcelo Branco, coordenador da Associação Software Livre, será "necessário estabelecer mecanismos para evitar que, quando a gente estiver navegando, não possa ser investigado no Brasil", o que não é claro hoje. Questões pontuais, como e-mail corporativo e tributação do comércio on-line, deverão ficar de fora do marco regulatório.

Não ao “AI-5 Digital”

Enquanto tenta estabelecer o marco civil para a internet, o governo trabalha também para desidratar o “AI-5 Digital”, como ficou conhecido nefasto o projeto que criminaliza várias práticas democráticas na rede. Também conhecido como Lei Azeredo, a iniciativa

O projeto que leva o nome do tucano Eduardo Azeredo é, na origem, do deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE). Mas, quando chegou ao Senado, foi drasticamente alterado por Azeredo, de tal modo que seus postulados ferem a liberdade e a privacidade dos usuários. O texto chegava a abrir brechas que poderiam levar à prisão quem baixasse músicas ou desbloqueasse um celular.

Agora, a intenção do governo Lula é que um novo projeto seja apresentado, tipificando poucos crimes diretamente envolvidos com a rede — como acesso indevido a sistemas informatizados e inserção ou difusão de código malicioso. Os deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Julio Semeghini (PSDB-SP) fecharão a proposta, com apoio do Ministério da Justiça.

Semeghini diz ainda não saber se o projeto de Piauhylino será mantido com alguns artigos ou se estes serão incorporados à nova proposta. Na segunda opção, o Ai-5 Digital seria abandonado. Para Semeghini, há pontos no texto do Senado que devem ser aproveitados, como a criminalização da falsificação de documentos eletrônicos.

Na opinião de Ronaldo Lemos, toda essa discussão criminal deveria ter sido feita depois da definição de um marco regulatório civil. O coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV Direito Rio acredita que a inversão dessa ordem prejudica a inovação. "Quem vai inventar um serviço de internet se o risco é criminal?"


Da Redação, com informações da Folha de S.Paulo

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