quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Além de um julgamento


Coisas da Política - Mauro Santayana
Jornal do Brasil - 12/11/2009

A retomada do julgamento, pelo STF, do pedido de extradição de Césare Battisti, deve ser analisada sem emoção, o que não é fácil. Há, no caso, o interesse do Estado italiano, e, a ele se contrapondo, o interesse de nosso país. Se não os houvesse, os juízes atuariam conforme os seus sentimentos naturais de simpatia ou aversão diante do réu, conforme as provas apresentadas e a legislação pertinente. Assim costuma ser, desde o julgamento mitológico de Orestes, matricida que as Fúrias queriam punir e que a proteção de Apolo e da deusa Atena absolveu, ao influir na decisão dos seres humanos que constituem o tribunal, conforme a trilogia de Ésquilo.

Também aquele julgamento poderia ser interpretado como “político”, uma vez que Orestes não estava sendo julgado apenas por ter matado a mãe e seu amante. Ele havia exercido vingança política contra os assassinos de um rei e usurpadores do trono. Em Les mouches, versão de Sartre do mito, essa razão política foi clara, e se associou à situação da França sob ocupação alemã em 1943, quando a peça foi encenada. Orestes encarnava, na metáfora sartreana, a Resistência Francesa. Ao que parece, e felizmente para Sartre, os alemães não entenderam a alegoria.

Deixando de lado a dúvida se o STF devia ou não decidir sobre esse ato do Executivo, uma vez que, ao ser provocado, o alto tribunal, em qualquer situação, é quem diz se é ou não competente, cabe, sim, discutir o problema da intromissão do governo italiano. Se o governo atual da Itália fazia da extradição uma questão de honra nacional, cabia-lhe agir pelos canais diplomáticos, e com discrição. Podemos admitir a sua pretensão de punir, de acordo com suas leis, alguém que considera um subversivo que teria agido como assassino comum. O que não podemos tolerar é a arrogância dos italianos, que se dirigiram aos brasileiros como se fôssemos uma república bananeira ou feitoria do litoral africano.

As ofensas foram intoleráveis. Como se recorda, elas não se limitaram a criticar a decisão do asilo concedido a Battisti: chegaram a insultar o nosso povo. O deputado da Liga Norte, Ettore Pirovano, disse que não éramos um país conhecido por seus juristas mas, sim, pelas suas dançarinas. O governo Lula tem sido paciente com os italianos. Podemos arriscar que Juscelino, em seu lugar, não só teria suspendido as relações diplomáticas, até receber as necessárias desculpas de Roma. E, se estivesse no Planalto alguém da têmpera de Floriano Peixoto, as relações seriam rompidas no ato.

O que está em discussão é mais do que o destino de um homem, seja ele culpado em sua terra ou inocente dos crimes que lhe atribuem. Isso não é o mais importante, quando se trata da soberania do Estado brasileiro e da dignidade de nosso povo. A protérvia dos italianos não pode ficar sem resposta. O governo “exemplar” de Berlusconi cometeu erro crasso, ao reagir, como reagiu, à decisão de nosso ministro da Justiça. Ao fazê-lo, provocou a natural reação de muitos setores da vida brasileira, que seriam indiferentes à sorte de Battisti. E levou esse erro ainda mais longe, ao dirigir-se ao Supremo Tribunal Federal para, nele, contestar uma decisão do Poder Executivo nacional. Se ele recorresse ao Tribunal de Haia, acataríamos, com todo o respeito, o seu direito em fazê-lo. Tanto é assim que o anúncio do governo de fato de Honduras, de que recorreria à Corte de Haia contra o Brasil, não causou qualquer espanto.

Bater às portas da nossa Suprema Corte como fizeram os italianos, é aleivosia sem precedentes em nossas relações externas. E essa atitude não se modificou. Ao enviar ao Brasil seu representante, Ítalo Ormanni, chefe do Departamento de Justiça do Ministério da Justiça Italiana, a fim de assistir ao julgamento de hoje, reafirma a intenção de constranger os ministros do Supremo com a sua presença.

Conforme a interpretação de eminentes juristas, a decisão do STF, nesse caso, não é a final. O presidente da República pode agir conforme lhe facultam a Constituição e as leis, e negar a extradição, sem que isso seja ato de hostilidade contra o Supremo.

É estranho que muitos se sintam preocupados com a Itália. Sob Berlusconi, os governantes de um país que conheceu alguns momentos de esplendor na Historia, não se encontram em condições de dar lições a quem quer que seja.
PS. O ministro fujão, o mesmo que pediu vista no processo de Azeredo, em obediência bovina a Gilmar Mendes, já disse que não vai participar do julgamento de Battisti.Estou achando que Toffoli é um medroso.E um homem medroso não pode fazer parte do Poder Judiciário.Aliás, não pode exercer nenhum cargo público.

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