domingo, 26 de dezembro de 2010

Passaporte para a prosperidade


Entrevista: Eduardo Nunes


Luciano Pires

Correio Braziliense - 26/12/2010


Quis o destino que o Brasil batesse às portas de 2011 como uma das economias mais pujantes do mundo, dono de um mercado interno vigoroso, ostentando taxas de inflação moderadas, com o emprego em alta e embalado pelos bons ventos que sopram de fora. Com tudo isso, quis o destino também que o país fosse presenteado com um fenômeno populacional único na história de qualquer nação, o bônus demográfico, que, se aproveitado, será uma espécie de passaporte para a prosperidade.

Potencialmente, as condições para o crescimento sustentado estão à mesa. Os saltos rumo ao desenvolvimento pleno — com justiça social e melhor distribuição de renda —, no entanto, serão maiores caso governos e o setor privado saibam extrair as vantagens de uma pirâmide etária em mutação. As projeções oficiais indicam que, em 2022, ao contrário do que ocorre hoje, a população em idade produtiva (15 a 64 anos) será maioria frente a de dependentes (crianças e idosos).

O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Eduardo Nunes, diz que o momento abre uma janela de oportunidades quase infinitas. “A experiência europeia durante o pós-Segunda Guerra Mundial, quando houve uma expansão da economia muito grande e o aumento da população em idade produtiva, proporcionou um avanço formidável”, diz, em referência a países que colheram frutos do bônus demográfico.

Mas tão importante quanto entender as mudanças que estão por vir é reconhecer que há obstáculos a serem superados e que se preparar para o que virá depois da bonança populacional é crucial. Desde já, recomenda o presidente do IBGE, o Brasil precisa pensar em como abrir mais e melhores vagas no mercado de trabalho, em formalizar trabalhadores, qualificar mão de obra e estimular que toda essa massa de pessoas contribua para a Previdência Social. “O futuro também chega. Podemos tomar medidas desde já. Não é justo jogar o ônus sobre uma única geração”, completa. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista de Nunes ao Correio Braziliense.

Que proveito o Brasil pode tirar do bônus demográfico?


Países europeus passaram por isso. O aspecto positivo precisa ser analisado sob o ponto de vista do momento econômico pelo qual o país passa. A experiência europeia durante o pós-Segunda Guerra Mundial, quando houve uma combinação da expansão da economia muito grande com o aumento da população em idade produtiva, mostra que o bônus demográfico proporcionou um avanço formidável. A economia cresceu e contava com mão de obra suficiente. No caso brasileiro, temos uma economia em crescimento, com potencial de continuar crescendo, combinada com essa vantagem populacional. Isso é extremamente importante.

Quais os desafios?


O desafio é aproveitar o potencial que existe para que, uma vez incorporada, a mão de obra contribua para o aumento da produção, para a maior produtividade da economia e, principalmente, para a assimilação de novos conhecimentos e de novas tecnologias.

O principal é abrir espaço no mercado de trabalho, oferecer emprego para tanta gente?


Não apenas isso, apesar de uma economia em crescimento ter grande capacidade de gerar emprego. O importante é aproveitar essa mão de obra em duas direções necessárias para garantir a colheita do bônus no futuro, ou seja, canalisá-la para o aumento da produtividade e a formalização do mercado de trabalho. Essas pessoas que hoje estão em idade ativa produzirão em número suficiente para sustentar aquelas que delas dependem.

E o futuro?


No futuro, esse contingente vai envelhecer e vai depender ou de uma nova geração que a sustente ou de fundos criados para o sustento dessa população envelhecida. Para que esses fundos existam, é importante que as pessoas em idade ativa estejam inseridas formalmente no mercado, contribuindo para a Previdência para que depois tenham a assistência adequada. Esse desafio para o Brasil é peculiar porque temos uma parcela não desprezível que desempenha atividades econômicas informais.

O ideal seria abrir vagas com qualidade e formalizar o mercado?


Exatamente. Se olharmos os dados de geração de emprego nos últimos anos, cresceu de forma expressiva a parcela da população que participa do mercado formal. Está aumentando e tem de permanecer aumentando. Outro pilar é a educação, que precisa continuar avançando, além, é claro, de uma especialização maior dessa nova mão de obra. Economias competitivas demandam profissionais qualificados.

Qual é o papel do setor privado?


O primeiro passo é criar oportunidades para aumentar a formalização e o número de vagas de qualidade e não procurar baratear o produto, tornando os empregos precários.

O que o Brasil pode aprender com as nações que passaram esse momento histórico?

Canadá, Estados Unidos, Japão, países europeus e Coreia do Sul deram saltos de qualidade em seus processos de desenvolvimento, enriquecimento e distribuição da riqueza nacional. Mas esse momento passa. Hoje, esses países têm populações muito mais envelhecidas, como é o caso da Alemanha, da Espanha.

Como resolver o problema de ter uma população em processo de envelhecimento?


Atraindo mão de obra. Quando a economia está em crescimento, a atração de mão de obra é positiva, mas, quando se está em crise, a entrada de mão de obra passa a ser vista de outra forma. Veja o exemplo de brasileiros que foram barrados na Espanha.

Daí a importância de pensar soluções de longo prazo?


Creio que os resultados do Censo 2010 vão ajudar, vão permitir que tomemos consciência do presente para olhar o futuro. O Brasil tem uma vantagem comparativa: podemos projetar essa nossa população do futuro, daqui a 30, 40 anos, e perceber que o perfil demográfico do país será muito semelhante ao da França. O governo francês enfrentou enormes dificuldades para reformar o sistema previdenciário e evitar maiores desequilíbrios, aumentando a idade de aposentadoria. Isso gerou distúrbios sociais grandes. Nós podemos diluir em 30 anos o que a França fez em um ano. O futuro também chega. Podemos tomar medidas desde já. Não é justo jogar o ônus sobre uma única geração.


Renda per capita de US$ 25 mil

Vicente Nunes

Não será apenas o bônus demográfico que fará a diferença nos próximos 20 anos, quando o Brasil decidirá se será uma nação rica ou um país que ficou na promessa. Na avaliação do Cláudio Porto, presidente da Consultoria Macroplan, dois ativos farão a diferença rumo ao Primeiro Mundo. De um lado estão a diversidade e a abundância de fontes de energia, engrossadas, agora, pela camada de petróleo no pré-sal. De outro, recursos naturais, com água, minérios e a maior área agricultável do mundo. “Não é à toa que o Brasil desponta como uma das melhores opções para investimentos do planeta”, afirma.

Nas projeções de Porto, tudo leva a crer que, entre 2010 e 2030, o Brasil conquistará uma prosperidade sustentável, com a renda per capita chegando a US$ 25 mil ante os atuais US$ 10 mil. “Esse me parece ser o cenário mais provável”, diz. Mas, diante dos gargalos que ainda assombram o setor produtivo, como o baixo nível de escolaridade dos brasileiros, a péssima formação profissional, os elevados níveis de violência nas cidades e a má qualidade dos gastos públicos, há a possibilidade de o Brasil ser um retardatário no esperado protagonismo dos países emergentes na economia mundial. Ou mesmo desperdiçar as melhores oportunidades da história.

Para o presidente da Macroplan, apesar das desconfianças que rondam o governo Dilma Rousseff, diante da falta de uma agenda e de um ministério medíocre, esse é o momento ideal para o Estado liderar as transformações que estão em curso no país. Mas não por meio de intervenções, elegendo setores específicos para receber benefícios ou ressuscitando seu lado empresário. “O protagonismo deve vir por meio da redução de impostos, sobretudo aliviando a folha de salários do setor privado, e do aumento dos investimentos em infraestrutura”, ressalta.

Na opinião do economista Felipe França, do Banco ABC Brasil, as demandas cada vez maiores da classe média emergente por serviços e produtos de qualidade vão empurrar o governo a enfrentar questões prementes, mas politicamente custosas, como a reforma da Previdência Social. “A população, que está em franco processo de envelhecimento, perceberá que não dá para ficar dependente da total tutela do Estado”, ressalta. Também essa classe média emergente — seus integrantes já são maioria da população, somando 103 milhões de brasileiros — exigirá eficiência na educação. Com as principais necessidades básicas de consumo atendidas, ela quer um ensino de qualidade, que lhe permitirá conquistar um posto mais bem remunerado no mercado de trabalho.

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