sexta-feira, 1 de abril de 2011

O cinismo e o medo dos generais

Barack Obama cultiva uma virtude que os generais brasileiros desdenham: a verdade. No domingo (20), num discurso de 20 minutos no palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o presidente dos Estados Unidos reconheceu o que os comandantes militares insistem em negar desde a redemocratização, em 1985: “No Brasil, vocês lutaram durante duas décadas, durante a ditadura, pelo direito de ser ouvido, pelo direito de ser libertado do medo”, elogiou Obama.


Onze dias antes (9), o jornal O Globo revelou um espantoso documento enviado pelos chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica ao passivo ministro da Defesa, Nelson Jobim, bombardeando o projeto do próprio Governo que cria a Comissão Nacional da Verdade, destinada a investigar violações da ditadura aos direitos humanos, como tortura, mortes e desaparecimentos. “Passaram-se quase 30 anos do fim do governo chamado militar”, lamentam-se os oficiais-generais, incapazes de identificar o finado regime de 1964 pela palavra que o define: uma ditadura, nascida do golpe que derrubou o presidente eleito, trocado pelo rodízio no poder de cinco generais, com atos de força que esmagavam a Constituição, um aparato repressivo que prendia, torturava e matava, julgando civis em tribunais militares, e a política sufocada pelo regime que cassava e exilava líderes civis em nome da santa “segurança nacional”.
 
Agora, a legalidade
 
Perfilados com o cinismo e prisioneiros do medo, os generais ainda rotulam tudo aquilo como um “governo chamado militar”. Assustados com o debate no Congresso, os militares se protegem: querem o fim do anonimato para quem entregar documentos, o que sempre constrange a verdade, e exigem que os depoentes sejam convidados, não convocados. Ou seja, só vai lá quem quiser.

Os quartéis que aterrorizaram o país sob o tacão do AI-5 hoje são legalistas, exigindo respeito à decisão de 2010 do STF que negou a revisão da Lei de Anistia. Bloqueou-se assim a punição aos torturadores, como fazem com altivez a Argentina, Uruguai e Chile, onde brotaram ditaduras semelhantes à brasileira. Alegam que nossa anistia foi fruto de um “consenso nacional”, outra mentira conveniente para manter a impunidade. Foi, na verdade, gestada no ventre da ditadura e digerida pela sólida maioria na Câmara de Deputados: 221 cadeiras da ARENA, 186 do MDB. Ainda assim, a anistia passou raspando – 206 votos contra 201. Um dos signatários da lei de agosto de 1979 era o chefe do SNI, general Octávio Medeiros. Em abril de 1981 explodiu antes da hora a bomba do Riocentro, que matou um sargento e feriu um capitão do DOI-CODI. Inquérito do Exército apurou que o ato terrorista foi planejado pelo coronel que chefiava o SNI do general Medeiros no Rio.


Autoanistia complacente

Em dezembro passado, a Corte de Direitos Humanos da OEA condenou o Brasil por unanimidade, exigindo que os agentes do Estado terrorista sejam investigados e, se for o caso, punidos. Ou seja, a gentil anistia brasileira, segundo o juízo internacional, não passa de uma complacente autoanistia. Ou um blefe para sufocar a justiça e ocultar a verdade.
 
Do Rio, Barack Obama viajou a Santiago do Chile, onde prometeu abrir os arquivos americanos sobre o sangrento regime do general Pinochet. É aquele horror que os indulgentes generais brasileiros devem classificar como um “governo chamado militar”.
* Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (Ed. L&PM.)

Fonte:Sul21

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