quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os tais caquinhos do velho mundo

Uma charge de um cartunista holandês, publicada no jornal Landsmeer e reproduzida pelo diário português Público, foi o que mais me chamou a atenção numa breve passagem de nove dias por Portugal. Nela, representantes da União Européia fazem empréstimos uns aos outros, mas a sombra de seus movimentos revela punhaladas entre eles.


A charge cumpre perfeitamente seu papel crítico de mostrar que a ajuda das instituições européias da zona do euro aos países periféricos, como o próprio Portugal, Grécia e Irlanda, não se deve a nenhum instinto de solidariedade continental e sim ao temor de um contágio fatal, capaz de derrubar a própria União Européia e de ameaçar a paz naquela parte do mundo envolvida em uma história de guerras.


O "auxílio" europeu aos países em crise começou com medidas draconianas e humilhantes, que tinham muito mais um caráter de retaliação do que de ajuda. O historiador português José Pacheco Ferreira, em artigo no Público, afirmou que se não fosse o medo do alastramento da crise grega, "seria com algum prazer que alguns países veriam a Grécia (e Portugal) chegar à bancarrota", porque as medidas tomadas continham "uma clara sanha punitiva contra os mentirosos, preguiçosos e corruptos gregos".


É neste clima de diferenças e desconfiança mútua que se processa a tentativa de solução da crise européia, cujo desfecho ainda é imprevisível. A beleza de Portugal no verão é afetada pela sombra do futuro incerto e pela sucessão de anúncios de medidas impostas pela troika (FMI, Banco Central Europeu e Comissão Européia), que punem a população.


O mais grave é que o esforço gigantesco que o país faz para honrar os empréstimos e condicionamentos da troika não garante que poderá ir ao mercado se financiar depois de cumprir suas obrigações. O mesmo mercado que levou Portugal e o mundo a um grande impasse ainda asfixia o país com taxas de juros astronômicas, que inviabilizam as negociações.


Foi diante dessa incerteza que a reunião de emergência dos chefes de Estado e de governo da zona do euro concordou em ampliar a assistência do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, antes recusada, e a rebaixar as taxas de juros e a elevar os prazos de pagamentos dos empréstimos que castigavam os países periféricos. Portugal, Grécia e Irlanda (e talvez Espanha e Itália, em breve) poderão se financiar às mesmas taxas que a Alemanha se financia no mercado e terão um prazo maior de amortização dos empréstimos.


O fundo de estabilidade europeu passa a atuar de maneira preventiva para ajudar com linhas de crédito os países que cumprem suas metas orçamentárias, mas são vítimas da especulação do mercado. Não se sabe se essas medidas chegaram a tempo e se vão resolver o problema, mas ao menos mudaram ligeiramente a relação credores/endividados.


Estar em Portugal nesse momento causa certa dor de ver um país refém de mandamentos impostos de fora e que tantos males já provocaram pelo mundo durante a hegemonia neoliberal. O processo de privatização imposto pela troika reduz significativamente o papel do Estado na economia e o leva a perder seus principais mecanismos de intervenção.


Depois de ver o Brasil enfrentar a crise mundial graças ao controle dos bancos públicos e sua utilização na garantia de créditos, é triste ver Portugal abrindo mão de empresas estratégicas e debatendo até a privatização da Caixa Geral de Depósitos, seu maior banco e principal financiador das pequena e médias empresas, grandes geradoras de emprego no país.

Mair Pena NetoJornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política.Direto da Redação

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