Enfim, um negro chega lá
Ao indicar
ministro negro parao STF, Lula manda
mensagem
emblemática à sociedade
emblemática à sociedade
Policarpo Junior
Fotos acervo STF |
acervo STF |
Hermenegildo de Barros (à esq.) e Pedro Lessa: mulatos no Supremo |
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva tem tomado iniciativas que misturam ineditismo e forte
conteúdo simbólico. Depois de tomar posse, levou uma caravana de ministros a uma
favela em Pernambuco. Dias atrás, saiu do Palácio do Planalto à frente de 27
governadores para entregar ao Congresso Nacional as propostas das reformas
previdenciária e tributária. Na semana passada, ao anunciar o nome dos três
novos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula também aproveitou a
oportunidade para mandar uma mensagem à sociedade que o elegeu presidente. Entre
os escolhidos, está o procurador da República Joaquim Benedito Barbosa Gomes, 48
anos, o primeiro negro indicado para compor a mais alta corte do país desde sua
criação, em 1829. Nascido em Minas Gerais, diplomado em Brasília, com doutorado
em Paris e trabalhando no Rio de Janeiro, Barbosa Gomes construiu sua carreira a
partir de uma origem humilde. Filho de pedreiro, sempre estudou em escola
pública, morou em pensionato enquanto cursava a Universidade de Brasília e, para
se sustentar, trabalhava, de madrugada, como digitador.
Festejando sua
indicação, Barbosa Gomes foi o primeiro a reconhecer o simbolismo de sua
ascensão. "Vejo como um ato de grande significação que sinaliza para a sociedade
o fim de certas barreiras visíveis e invisíveis", disse. "Posso vir a ser o
primeiro ministro reconhecidamente negro", completou. Isso porque, na história
do STF, já houve dois negros – um mulato escuro, Hermenegildo de Barros,
ministro de 1919 até a aposentadoria, em 1937, e outro mulato claro, Pedro
Lessa, ministro de 1907 até sua morte, em 1921. Ambos nasceram no interior de
Minas Gerais, como Barbosa Gomes, mas nenhum era "reconhecidamente negro" nem de
origem tão humilde – o que empresta à indicação de agora um simbolismo ao mesmo
tempo étnico e social. Na juventude, Barbosa Gomes trabalhava de madrugada,
estudava de manhã e dormia à tarde. Na universidade, sustentou-se como
funcionário da gráfica do Senado e, antes de se formar, prestou concurso para o
Itamaraty. Como oficial de chancelaria, serviu na Finlândia. Mais tarde, fez
doutorado em Paris e tornou-se professor visitante de duas universidades
americanas – Columbia, em Nova York, e Ucla, em Los Angeles. É fluente em
inglês, francês e alemão. Tem dois livros publicados. Um em francês, sobre o
Supremo no sistema político brasileiro, e outro em português, a respeito da
questão legal das ações afirmativas em favor dos negros.
Desde o início,
Lula queria nomear um paulista, um nordestino e um negro. O nordestino escolhido
é Carlos Ayres Britto, de Sergipe. Com posições de esquerda, já foi candidato a
deputado federal pelo PT e assinou, há pouco tempo, um manifesto de juristas
contra os acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O paulista é o
desembargador Antonio Cezar Peluso, cujo perfil levemente conservador despertou
resistência no ministro da Casa Civil, José Dirceu, para quem o ministro ideal
era Eros Grau, jurista de formação à esquerda. Com sua indicação patrocinada
pelo ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que insistiu em seu nome até o
último minuto, Peluso acabou ganhando a parada. Antes, ele teve uma longa
conversa com um velho amigo de Lula, o deputado Sigmaringa Seixas. Na conversa,
Seixas quis sondar as posições do futuro ministro a respeito das reformas
previdenciária e tributária – e não saiu com a impressão de que seu interlocutor
era um jurista de postura conservadora. "Ele tem posições avançadas", comentou o
ministro Thomaz Bastos, no auge das discussões em torno de nomes. O resultado
final satisfez o Palácio do Planalto, pois, pelo menos em princípio e em tese,
os três indicados têm posições simpáticas às reformas, o principal projeto
político em curso do presidente Lula.
A indicação de
Barbosa Gomes, que parecia ser a menos complexa, acabou sendo a mais trabalhosa.
Ele foi um dos primeiros escolhidos, pois sua biografia contemplava à perfeição
os aspectos que Lula queria prestigiar: negro, de origem humilde e com boa
formação acadêmica. No meio do caminho, porém, o ministro Márcio Thomaz Bastos,
a quem coube ouvir os candidatos e apresentar os nomes ao presidente, foi
informado de um episódio constrangedor da biografia de Barbosa Gomes. Muitos
anos atrás, quando ainda morava em Brasília, ele estava se separando de sua
então mulher, Marileuza, e o casal disputava a guarda do único filho – Felipe,
hoje com 18 anos. Na ocasião, Barbosa Gomes descontrolou-se e agrediu
fisicamente Marileuza, que chegou a registrar queixa na delegacia mais próxima.
O governo ficou com receio de que Barbosa Gomes se transformasse num caso como o
de Clarence Thomas, o juiz negro da Suprema Corte americana que, ao ser nomeado
para o cargo, foi acusado de assédio sexual, gerando um desgastante escândalo.
Enquanto o governo
decidia o que fazer, os comentários pipocaram no próprio Supremo. A ministra
Ellen Gracie, a única mulher da corte, no intervalo entre uma sessão e outra,
mostrou-se preocupada. "Vai vir para cá um espancador de mulher?", perguntou ao
colega Carlos Velloso. "Foi uma separação traumática", conciliou Velloso. "Mas
existe alguma separação que não é traumática?", interveio o ministro Gilmar
Mendes. Para desanuviar o ambiente, o ministro Nelson Jobim saiu-se com uma
brincadeira machista, a pretexto de justificar a agressão: "A mulher era dele".
O governo preocupou-se à toa. Indagado sobre o episódio pelo ministro da
Justiça, Barbosa Gomes explicou que fora um desentendimento árduo, mas superado.
Dias depois, Barbosa Gomes encaminhou ao Gabinete Civil da Presidência da
República uma carta, assinada pela ex-mulher, reafirmando que tudo fora
superado. Mais que isso, na carta Marileuza abonou o ex-marido – que não voltou
a se casar e hoje mora com o filho do casal. "Na verdade, houve uma agressão
mútua. Isso aconteceu num dia de ânimos acirrados. Somos amigos até hoje", disse
Marileuza a VEJA. "Foi uma briga de família provocada por ressentimentos
naturais numa separação", explicou Barbosa Gomes à revista. Com isso, o governo
completou a trinca do Supremo sem temor. Agora, falta apenas o Senado aprovar o
nome dos três candidatos.
Um comentário:
A MALEDICÊNCIA NÃO TEM LIMTE. A FALTA DE ARGUMENTO EXTRAPOLA A RAZÃO. RUI BARBOSA, SE VIVESSE, TERIA VERGONHA DA FAMÍLIA PT.
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