A estratégia foi genial.
Usaram um grupinho político da USP que tinha uma proposta simpática, a defesa
do passe livre, e, com ajuda da brutalidade da polícia paulista, transformaram
um protesto local no maior delírio coletivo das últimas décadas
Dessa vez eles chegaram bem
perto. A estratégia foi genial. Usaram um grupinho político da USP que tinha
uma proposta simpática, a defesa do passe livre, e, com ajuda da brutalidade da
polícia paulista, transformaram um protesto local no maior delírio coletivo das
últimas décadas.
Ainda vai demorar para
sabermos a extensão da influência dos grupos "anonymous" na
organização virtual das manifestações. Mas as névoas estão começando a se
dissipar. Depois do apoio dos Clubes Militares aos "protestos de
rua", as coisas vão ficando mais claras.
É um fenômeno que vem se
repetindo nos últimos anos, e cada vez emerge mais forte. As novas investidas
da direita tem se dado através da juventude da classe média. Pega-se uma
bandeira ou candidato simpáticos, untados com antigovernismo, agressividade
política, cobertura midiática favorável, um bocado de esquerdismo utópico e
infantil, e pronto, eis uma causa capaz de reunir milhares de jovens. A
estratégia de usar a juventude, e símbolos da esquerda, para lançar uma
candidatura conservadora, é um excelente cavalo de Tróia para dividir e
confundir o eleitorado progressista. Em 2008, fizeram com Gabeira, símbolo de
rebeldia, nas eleições municipais do Rio de Janeiro. Começou como queridinho
dos jovens e terminou, como agora, com apoio do Clube Militar. Dois anos depois,
Gabeira seria o candidato-fantoche do PSDB no estado do Rio, disputando uma
eleição apenas para dar palanque à José Serra, e hoje o ex-guerrilheiro assina
uma coluna udenista no Estadão.
Eu estive no protesto de
Brasília. Observei os jovens segurando cartazes artesanais, individuais, com
todo o tipo de platitude, como: "tanta coisa pra protestar que não cabe
num cartaz".
No dia seguinte, olhando a
capa do Correio Braziliense, todavia, algo me chamou a atenção. A presença de
uma faixa gigantesca. Tão grande que os próprios manifestantes deviam ter
dificuldade de assimilar o conteúdo. Só dava para ser lida do alto do helicóptero
da Rede Globo. A frase dizia: Prisão já para os Mensaleiros.
Num movimento não organizado
por partidos, sindicatos ou movimentos sociais, a característica principal dos
cartazes era a sua simplicidade. Aquela faixa era coisa de profissional. Deve
ter custado uma fortuna, muito longe da realidade dos jovens manifestantes,
apesar da minha impressão, ao observar seus rostos, que nenhum deles jamais
perdeu uma noite de sono por causa de uma dívida. No Rio, também logo se viram
faixas descomunais pedindo prisão de mensaleiros. A oposição, como se vê,
pensou bem rápido e faturou em cima das manifestações.
As madames organizadas que
fracassaram em levar adiante seus protestos contra "tudo o que está
aí" assistiram, emocionadas, seus filhos assumindo seu lugar.
As pesquisas apontam que os
protestos vistos nos últimos dias foram protagonizados principalmente por
jovens universitários de classe média, que logo se viram acompanhados por
elementos do chamado "lúmpem", ou seja, camadas desorganizadas dos estratos
mais pobres. Os elementos radicais de ambos os grupos praticaram um assombroso
vandalismo, fazendo com que os protestos fossem os mais violentos de que se tem
notícia em nossa história recente.
A insistência da mídia em
falar que apenas "uma pequena minoria" praticou vandalismo tornou-se
ridícula. Se os dez mil manifestantes de Brasília se pusessem a depredar o
Itamaraty, aí não era manifestação, nem sequer vandalismo, e sim um ato de
guerra civil antinacional, e eu mesmo iria à capital lutar em defesa do meu
país, distribuindo uns tabefes nos irresponsáveis.
Congresso e Executivo tentam
dar uma resposta política às manifestações, porque é tradição nacional procurar
uma saída pacífica e conciliadora. Mas não podemos nos cegar para a emergência
de um perigoso neofascismo playboy. No Rio, já vimos isso durante a candidatura
de Marcelo Freixo, com o surgimento de uma legião de jovens absolutamente
sectários, com a mesma visão messiânica, voluntarista e impaciente da política.
Mas a coisa é pior. Freixo
ao menos tinha um programa, e pertencia a um partido. As manifestações de hoje
não tem agenda, não tem foco, apenas um sentimento em comum: a impaciência, que
na verdade reflete o voluntarismo arrogante de uma classe, historicamente
favorável a soluções de força. "Queremos mudanças já! Agora! Não temos
paciência para o jogo democrático! Não temos paciência para esperar as eleições
de ano que vem e eleger novos deputados estaduais, novos governadores e um novo
presidente!"
O rechaço à
representatividade política, por sua vez, tão edulcorado pelos pós-modernos, é
na verdade um rechaço à democracia. Porque a democracia não é um governo dos
melhores e sim da maioria. O representante político não chega lá por concurso
público. Não é o mais ético. Ele ganha uma eleição porque soube articular
melhor, se organizar junto a um grupo, arrumar dinheiro para campanha. Os
jovens voluntaristas não aceitam que seus representantes políticos sejam
eleitos pela massa ignara, que não sabe diferenciar corruptos de não-corruptos,
que vota em evangélicos, em fisiológicos, em petistas. Querem ganhar no grito.
As madames, revoltadas com o
súbito aumento no custo das empregadas domésticas, indignadas com a invasão de
pobres nos aeroportos, devem ter cortado a mesada dos filhos, que saíram às
ruas em protesto contra essa situação. O passe livre significa que a patroa não
precisará mais pagar a passagem de sua empregada doméstica. A legislação
brasileira obriga o empregador a pagar o transporte do funcionário. Seu passe
já é livre. Pessoas com mais de 60 anos não pagam passagem. Estudantes pagam
meia em muitas cidades. E o autônomo tem se beneficiado, por sua vez, de uma
forte disparada no preço dos serviços que presta. Os vinte centavos a mais na
passagem, conforme os próprios manifestantes admitiram, nunca foram o cerne dos
protestos.
A questão da mobilidade
urbana deve ser monitorada de perto pelos cidadãos. Se os protestos fossem,
especificamente, para melhorar a qualidade do transporte público, maravilha.
Mas botar 300 mil pessoas na rua, sem agenda, protestando por protestar, é algo
sinistro. Um alemão com quem conversei longamente em Brasília, falou assim
mesmo: "It's scaring". É assustador. Eles – alemães – já viram esse
filme antes e não guardam boas lembranças.
É a revolução dos "coxinhas"
ou "almofadinhas", apoiados por neohippies de butique, desmiolados,
indignados úteis, adolescentes ingênuos, e toda espécie de malucos e idiotas
políticos, que agora ganharam a companhia dos apopléticos dos clubes militares
e das madames cansadas do Leblon.
Enquanto isso, Joaquim
Barbosa, candidato preferido dos manifestantes, dá longas entrevistas à
Globonews, defendendo o voto distrital e a possibilidade do povo
"revogar" seu voto através de um "recall". Detalhe: o voto
distrital é o sonho da direita, porque seria a maneira mais rápida de matar o
sindicalismo e, por consequência, todos os partidos de esquerda.
A proposta de Dilma Rousseff
de fazer um plebiscito popular para decidirmos se devemos ou não eleger uma
constituinte, para levar adiante a reforma política, deu o foco que o Brasil
precisava. As acusações da oposição partidária de que seria um golpe apenas
confirmam a sua inapatência política. A verdadeira oposição, aquela que hoje se
encarna no cidadão Joaquim Barbosa, que tem se mostrado muito mais astuto e
articulado que um Aécio Neves, apoia o plebiscito, porque entende que ele
consiste, na verdade, numa jogada de risco para a presidenta. E uma
oportunidade de ouro para a oposição ao PT. Uma constituinte poderia
introduzir, por exemplo, o voto distrital tão sonhado por Joaquim Barbosa.
Mas um plebiscito também
significa o aprofundamento da democracia. Vocês, manifestantes, querem promover
uma ruptura no ritmo com o qual o Brasil vem mudando? Querem uma bebida mais
forte? Tudo bem, vamos perguntar ao povo se ele concorda.
A eleição de uma
Constituinte para discutir a reforma política, por sua vez, é um gesto de
deferência à rejeição vista nos protestos contra a classe política tradicional.
É uma chance dos manifestantes provarem que seus protestos são consequentes e
irem às ruas fazerem campanha para seus representantes preferidos. É uma
oportunidade e tanto para sonháticos, barbosianos, éticos midiáticos, e
independentes de todo o tipo.
Eu nem sei se defendo este
plebiscito, essa constituinte, essa reforma política. O que eu sei é que se
está oferecendo ao povo a oportunidade de decidir, e uma bandeira branca aos
manifestantes. Ok, vocês venceram, vamos consultar o povo. Agora deixemos o
Brasil trabalhar e funcionar, porque sem estabilidade econômica e política todo
mundo sai perdendo, a começar pelo mais pobre.
Os protestos de rua
conquistaram algumas vitórias, mas a um preço talvez excessivo: introduzimos o
vírus da truculência na política brasileira. É alarmante que tanta gente ache
"lindo" ver o povo destruindo pontes, ônibus, monumentos, lojas,
restaurantes, rodoviárias, patrimônio público. E tudo pra que? Por um mundo
melhor?
A coisa perdeu todo o
sentido porque é chocantemente absurdo ver um jovem socialista marchando ao
lado de um defensor da ditadura. De um defensor do aborto ombreando com um que
prega o contrário. O nível de esquizofrenia dos protestos, aliado à
condescendência da mídia, atingiu um ponto crítico.
Quanto ao governo, a grande
lição é o fracasso retumbante de sua política de comunicação, e a derrota na
batalha pelo coração da classe média. Acabaram-se as tertúlias no programa da
Ana Maria Braga, acabou-se o mito da faxineira da ética, da gestora séria e
competente. Dilma se viu obrigada a fazer política. A ir para TV. A convocar
movimentos sociais, governadores e prefeitos. A ouvir as centrais sindicais.
Agora não pode mais parar. Dilma tem de achar uma outra Dilma para si, para
gerenciar o país, e tem que mergulhar de vez na agenda política. Participar
mais do debate, ajudando a aprovar suas reformas do Congresso, a defender seu
governo nos meios de comunicação.
No meio da crise, com
protestos comendo soltos em todo país, e ninguém sabendo direito onde aquilo ia
dar, o blog da Dilma, uma ferramenta extraordinária para apagar incêndios,
permaneceu parado. Twitter da Dilma, parado. Facebook da Dilma, idem. Um garoto
do subúrbio carioca faz um trabalho melhor de comunicação para a presidenta,
com o perfil Dilma Bolada, do que todo o pesado staff da presidência da
república e da Secom.
A comunicação da presidenta
é dominada pelo pensamento publicitário, pela mídia 1.0, onde tudo é pensado em
termos de milhões de reais. Qual o custo em atualizar um blog, em escrever uns
tuitezinhos por dia? Nenhum. Mas a presidência, sequestrada pela lógica pesada
da Secom, prefere torrar milhões para fazer um novo pronunciamento na TV. Por
que não fazer um tweetcam semanal com jovens e internautas? Porque não inovar
na comunicação, interagir diretamente com a população, sem intermediação de
Globo, Veja, Folha, Estadão? Cristina Kirchner, Obama, Chávez, todo mundo tá
fazendo (ou fez) isso, prezada Helena Chagas!
Há um lado positivo em tudo
isso, que é a aceleração da História. Assim como uma manifestação pode começar
pela esquerda e terminar pela direita, como é o que aconteceu, ela pode tender
à esquerda novamente. Mesmo uma guinada à esquerda, porém, só seria positiva se
viesse no bojo de um forte apoio do povo e dos estratos mais progressistas da
classe média. Um neochavismo sem base popular, sem comunicação, turbulento, isolacionista
e mal ajambrado, apenas abriria espaço para uma vitória conservadora em 2014.
Por isso é tão
necessário desenvolver uma estratégia de comunicação mais agressiva, mais jovem
e mais dinâmica. O povo quer falar contigo, Dilma. Não apenas através de um
plebiscito onde diremos sim ou não. Não através da Globonews. Quer falar
contigo diretamente, olho no olho. Mas não pela TV, que tem um lado só. Tem que
ser pela internet, onde podemos interagir. Talvez aí, nesse diálogo direto,
veremos emergir uma surpreendente criatividade.
Do Blog O Cafezinho
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