Há tempos eu não
encontrava um assunto tão desafiador como esses levantes da juventude. De início,
fiquei chocado, negativamente, com algumas cenas: jovens queimando a bandeira
do Brasil; um outro vestido com as cores dos EUA exibindo uma bandeira do
Brasil pichada com a palavra Lixo; depredação da sede de um partido político;
destruição de patrimônio público, ônibus, agências...
Depois a coisa se complicou
na minha cabeça. Não era bem assim. Os vândalos eram uma minoria, infiltrados?
Há relatos de policiais à paisana promovendo depredações, para desqualificar os
protestos. Em seguida, a repressão brutal mudou completamente a balança. O
vandalismo é lamentável, mas é uma coisa da qual a gente pode se defender com
certa facilidade. Basta identificar e prender os responsáveis. O vandalismo
ataca objetos inanimados. A brutalidade policial ataca seres humanos, e vem
justamente daqueles que pagamos com nossos impostos para zelarem por nossa
proteção.
Seria vulgar e óbvio
criticar o governador Geraldo Alckmin. Sua irresponsabilidade é gritante. Sua
truculência, um fato lamentável que, espero, o povo saiba castigar no seu
devido momento, assim como fizeram com aquele prefeito de São José dos Campos,
rechaçado pelas urnas por causa da brutalidade que patrocinou, juntamente com o
governo do estado, contra os moradores de Pinheirinho.
Eu quero entender é o movimento
em si. Estou lendo tudo há dias, freneticamente. O Nassif tornou-se um
entusiasta dos levantes. A esquerda tradicional olha com desconfiança e mesmo
com medo para um movimento ideologicamente obscuro. Os movimentos da direita
virtual, que tentam há anos, em vão, fazer mobilizações similares, observam os
acontecimentos com brilho maligno nos olhos, e tratam de se unir aos jovens e
tentar influir em seu estado de espírito, envenenando-os com rancor
antipolítica e falso moralismo.
A grande mídia, por sua vez,
também parece perdida. Esses jovens não lêem jornais e a maioria alimenta
ideologias francamente esquerdistas. Jabor, Villa, editoriais dos jornalões,
reagiram com uma brutalidade verbal correspondente a da polícia. Aliás, a
polícia provavelmente agiu com a truculência que se viu por causa justamente da
pressão midiática.
Um amigo me ligou dizendo
que as manifestações no Rio e Niterói estavam assumindo aquele lamentável viés
antipolítica que procuramos combater. E se negaram a se encontrar com os
prefeitos. No Correio Braziliense, há matérias falando num movimento
orquestrado nos protestos de Brasília, esses mais voltados contra o governo
federal. O serviço secreto da PM paulista acusa "militantes do PSOL"
de contratarem punks para protagonizarem os atos mais violentos.
Mas eu não posso acreditar
no Correio Braziliense nem na PM paulista.
Então prefiro acreditar que
são levantes genuínos.
Mas protestos com depredação
de patrimônio público, por sua vez, não são uma tradição brasileira, nem podemos
permitir que se tornem. Seriam válidos se vivêssemos numa ditadura, o que não é
o caso. Os políticos que nos governam podem ser um bando de sacripantas, mas
foram devidamente eleitos por uma maioria. Devem ser respeitados não por si
mesmos, mas porque representam a vontade soberana de milhões.
O patrimônio público
nacional, por sua vez, que já é precário, tem de ser protegido, jamais
destruído.
Lembrem da praça Tahir!
O levante da praça Tahir
emocionou o mundo porque era radicalmente pacífico, voltado para a reconstrução
da democracia e recuperação do patrimônio público. Os manifestantes varriam as
ruas! Por algumas semanas, parte de uma cidade famosa pela sujeira, manteve-se
impecavelmente limpa! O Museu Histórico do Cairo foi protegido por uma cerca
humana contra os vândalos, num gesto que tocou profundamente arqueólogos e
historiadores do mundo inteiro, pois seria uma tragédia indescritível para a
humanidade se os tesouros do Egito Antigo fossem destruídos e roubados.
O que me preocupa mais, no
entanto, é que o vazio e a confusão ideológica da maioria dos jovens, podem ser
facilmente instrumentalizados por interesses políticos mal intencionados. Mesmo
não lendo jornais, os jovens são influenciados por um ambiente político
envenenado. E aí poderíamos testemunhar o que vimos na Líbia: um levante da
juventude, calcado em demandas belas e justas, sequestrado pelo que há de mais
sórdido: oportunistas, golpistas, cobiça imperialista.
Por outro lado, não há
sentido em temer o esforço da juventude em romper o silêncio e ir às ruas
protestar por melhoras sociais. É divertido, por isso mesmo, ver esquerda e
direita observarem o movimento com um misto de fascínio e perplexidade. Para
onde isso vai? Quem herdará os votos da juventude indignada?
Uma das maiores
prejudicadas, a meu ver, é a presidente Dilma, que encerra a semana com uma
pontuação péssima. Alckmin se queimou definitivamente com a juventude paulista,
ou mesmo brasileira, mas provavelmente ganhou votos junto ao numeroso
eleitorado conservador de seu estado. Dilma parece ter perdido apoio de ambos
os lados.
E ainda levou uma sonora
vaia no jogo do Brasil e Japão! Eu assisti à vaia e o que mais me impressionou
não foi nem a vaia em si, mas a tromba da presidente. Ela tinha as
sombrancelhas arqueadas, aparentando um desconforto terrível, e tive a
impressão que as pessoas a vaiaram ainda mais ao se deparar com uma face tão
severamente mau humorada num ambiente tão cheio de alegria. Parecia que Dilma
iria anunciar que os EUA haviam declarado guerra ao Brasil e estávamos prestes
a receber um ataque nuclear!
Mas o Brasil não é Líbia, e
a nossa imaturidade democrática ainda se ressente com a falta de participação
popular. O governo do PT terá de aprender a conviver com a rebeldia da
juventude. Terá que responder a ela não apenas com "gabinetes de
crise" mas disposto a ouvir suas demandas.
Por outro lado, não podemos
nos deixar levar por um oba-oba leviano. Os jovens têm de ser respeitados, mas
sem deslumbramentos. O jovem tem uma energia especial que deve ser estimulada.
Ele é aberto ao novo e guarda ás vezes uma capacidade ilimitada para sonhos e
ideais. A ideia do passe livre, por exemplo, é interessante, se for viável.
Celso Furtado dizia que a liberdade do homem reside na possibilidade de agir
conforme as circunstâncias do momento. Mas o jovem não deve ser mitificado ou
endeusado. Vivemos uma era extraordinária em termos de acesso à informação e
possibilidades de interação social, onde a maturidade e mesmo a velhice, em
função disso, não podem mais ser discriminados.
Na vida real, o novo jamais
se impõe através da negação total do velho, e sim mediante sua atualização
dialética. O novo engole o velho e, por sua vez, também envelhece um pouco,
tanto que será, mais na frente, incorporado por outro novo. Os jovens de hoje
em breve serão velhos. Digo mais, os levantes da juventude, pela dialética
inevitável do corpo social, serão sucedidos por uma reação conservadora. A
sociedade brasileira tornou-se complexa, hierarquizada, dividida, como toda
sociedade moderna e democrática. Quando um lado resolve puxar mais forte a
corda, obriga o outro a reagir com a mesma força.
Por isso mesmo, qualquer
movimento social deve estar, permanentemente, se preparando para o embate de
ideias. Em algum momento, haverá pressão sobre a juventude que se rebela: e aí,
o que vocês pensam, realmente? Quais são suas propostas? Quando chegar esse
momento, quem defenderá os jovens e suas ideias? Quem terá o sangue frio e a
experiência para enfrentar a reação do conservadorismo e defender mais ousadia
governamental e políticas públicas mais progressistas? Nós, os adultos e
velhos.
Haverá um momento em que
esses jovens chegarão ao poder. Tornar-se-ão políticos, empresários, advogados,
servidores públicos, professores universitários. Também eles enfrentarão os
terríveis dilemas da vida e da política.
A independência maravilhosa
da juventude nasce de sua pobreza, que às vezes beira a indigência. O jovem é a
camada financeiramente mais frágil da sociedade, porque ainda não tem
especialização, ainda não tem um emprego decente, ainda não tem patrimônio, e à
parte isso guarda, como dizia Fernando Pessoa, todos os sonhos do mundo!
Ah, os sonhos da juventude!
É o tempo em que acreditamos chegar ao topo do mundo. Ganharemos o prêmio
Nobel, seremos felizes e realizados profissionalmente! Tempo de poesia, música,
paixões fulminantes e sonhos de revolução!
Devemos incentivar os jovens
a serem livres, a pensarem com sua própria cabeça, a sonharem, a irem às ruas
protestar por um mundo melhor, mas também é dever dos mais velhos ensiná-los!
Os mais velhos não podem fugir a essa responsabilidade, não podem se eximir da
tarefa de transmitir aos jovens tudo que aprenderam. Os jovens têm o direito de
errar, mas os adultos têm o dever de lhes contar sobre seus próprios erros. Só
assim as gerações evoluem.
E o que devemos ensinar aos
jovens? Que o mundo não pode mudar? Que revoluções não são mais possíveis?
Claro que não! Até porque não é verdade. O mundo tem mudado, o nosso país tem
passado por profundas transformações, muitas das quais os jovens não percebem
porque não viveram o momento anterior. Mas talvez, de fato, estejamos nos
acomodando. Talvez o país precise, de vez em quando, sofrer uma sacudidela, só
para lembrar que o ritmo das mudanças tem se ser constantemente acelerado.
Quem pode julgar a paixão da
juventude? Não é ela que move o mundo? E não é nosso objetivo maior,
justamente, manter ao menos uma parte dessa paixão acesa em nossos espíritos?
Que espécie de infeliz quer ser velho? Todos queremos ser jovens!
Que venham, portanto, os
protestos! Que os jovens tomem as ruas e exijam mudanças! Que xinguem os
governantes, mesmo aqueles que nós, os mais velhos, tanto lutamos para eleger,
e pelas mesmas razões que os movem: vida melhor para todos!
Que façam loucuras! Que
sonhem!
Só não se esqueçam que vocês
não estão sozinhos. Nem ousem pensar isso. Nós, os adultos pacatos, os velhos
esquerdistas ranzinzas, nunca deixamos de lutar! Combatemos, diariamente, a
dura lida da sobrevivência! E travamos hora a hora a terrível luta da
comunicação! À nosso modo também lutamos por um custo de vida menor para
trabalhadores e estudantes. Afinal, o aumento dos salários não significa a
redução do valor proporcional das passagens? O aumento do salário mínimo e a
queda no desemprego não significam que a passagem de ônibus pesará menos no
bolso do trabalhador? Uma luta complementa a outra e agradecemos que vocês nos
ajudem com protestos de rua. Só que não concordaremos em tudo. Não
concordaremos, por exemplo, se vocês abraçarem o discurso da antipolítica ou
flertarem com a hipocrisia udenista. Não concordaremos se vocês aceitarem, em
suas fileiras, a direita esquálida, decadente e antibrasileira.
Do blog O Cafezinho
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