terça-feira, 27 de outubro de 2015

Mais um retrocesso

Comissão aprova revogação do Estatuto do Desarmamento. Entenda

Lei de 2003 restringiu o porte e salvou 160 mil vidas em dez anos, segundo estudo; novo projeto, que vai a voto no Senado, facilita a compra de armas

por Marcelo Pellegrini publicado 27/10/2015 15h13

           
                

A Comissão Especial que analisa mudanças no Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03), em vigor desde 2003, aprovou nesta terça-feira 27 o texto do deputado e relator Laudivio Carvalho (PMDB-MG) que afrouxa as regras para o porte e a compra de armas de fogo. O projeto ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado para virar lei.

Para Carvalho, seu projeto, que renomeia a lei como "Estatuto de Controle de Armas de Fogo", devolve à população "os direitos sequestrados" com a lei de 2003 e vai evitar que os cidadãos sejam "reféns de delinquentes". Segundo Carvalho, a aprovação, por 19 votos a 8, significa "uma vitória do povo brasileiro". Organizações sociais e deputados contrários à mudança afirmam, no entanto, que os dados de segurança derrubam a opinião do relator. Entenda:


Quando foi instalada a comissão especial para o Desarmamento?

Em março deste ano, quando o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), decidiu reativar todas as comissões especiais que estavam em funcionamento na legislatura anterior, encerrada em 2014.

A chamada Bancada da Bala integra a comissão?

Sim. Os deputados que receberam doações eleitorais da indústria de armas e munições pressionaram os líderes de seus partidos para assumirem as vagas na comissão. Dos 24 titulares do colegiado, dez receberam doações deste tipo, segundo um levantamento do Instituto Sou da Paz. São eles:
Onix Lorenzoni (DEM-RS)
Efraim Morais Filho (DEM-PB)
Misael Artur Ferreira Varella (DEM-MG)
Darci Pompeo de Mattos (PDT-RS)
Jerônimo Pizzolotto Goergen (PP-RS)
Alceu Moreira da Silva (PMDB-RS)
Ronaldo José Benedet (PMDB-SC)
Daniel Elias Carvalho Vilela (PMDB-GO)
Edio Vieira Lopes (PMDB-RR)
Luiz Gonzaga Patriota (PSB-PE)
Marcos Montes Cordeiro (PSD-MG)
Nelson Marchezan Júnior (PSDB-RS)
Carlos Alberto Rolim Zarattini (PT-SP)
José Wilson Santiago Filho (PTB-PB)
Qual é a mudança mais importante prevista no projeto?


O novo estatuto estende o porte, hoje restrito a autoridades policiais e de segurança, a qualquer pessoa que ateste com documentos e laudos ter capacidade técnica e psicológica para o manejo e uso da arma a ser adquirida.

Na prática, o que isso significa?

O aumento do número de armas em circulação é inútil para conter a criminalidade e a medida deve inclusive ampliá-la, uma vez que criminosos terão à disposição um arsenal de armas para furtar e roubar. Além disso, alertam para a possibilidade da intensificação da violência e da letalidade dos conflitos cotidianos, uma vez que mais pessoas estarão armadas em uma briga de trânsito ou em caso de desentendimentos domésticos, por exemplo. Outra crítica é que, com as mudanças previstas, até mesmo pessoas que respondem a inquérito policial ou a um processo criminal poderão adquirir e portar armas.

É possível comprovar que armar a população não reduz a criminalidade?

Sim. Estudos científicos realizados pela PUC-Rio, pela FGV e pela USP revelam que a maior disponibilidade de armas de fogo nas cidades causa um aumento significativo na taxa de homicídios. Ao mesmo tempo, as armas não possuem nenhum efeito para dissuadir o criminoso profissional ou para diminuir o número de roubos e furtos.


Há outras mudanças previstas na lei?

Sim, uma delas é o estabelecimento de um caráter permanente para as licenças de portar armas. Atualmente, o Estatuto do Desarmamento prevê que a licença deve ser renovada a cada três anos e será cancelada se o portador for flagrado embriagado ou sob o efeito de drogas enquanto porta a arma. No projeto, esses mecanismos foram suprimidos.

Outras mudanças criticadas são a redução da idade para a compra de armas, de 25 anos para 21; a diminuição de penas para o comércio ilegal de armas e munições dos atuais 4 a 8 anos de prisão para 3 a 7 anos; o aumento do limite de armas por pessoa de seis unidades para nove unidades; e a liberação da publicidade de armas e munições em qualquer veículo de comunicação.

Querem mudar o Estatuto do Desarmamento, mas qual foi o efeito dele desde que entrou em vigor?

De acordo com o relatório do Mapa da Violência, que computa o número de assassinatos no Brasil, entre 2004 e 2014 cerca de 160 mil mortes foram evitadas pelo estatuto. Em 2004, primeiro ano após a legislação entrar em vigor, o Brasil registrou a primeira queda em número de mortes violentas desde 1994.

O que a população pensa sobre o porte de armas?

A maioria dos brasileiros acredita que a posse de armas deve ser proibida pois representa uma ameaça à vida de outras pessoas. Pesquisa Datafolha publicada em setembro de 2014 mostrou que 62% dos brasileiros pensam assim. Esse número é, no entanto, seis pontos percentuais menor que o verificado em novembro de 2014 pelo mesmo instituto.

E os que as polícias pensam sobre esse tema?

Secretários de Segurança Pública de três estados (Distrito Federal, Espírito Santo e Rio de Janeiro) e de três municípios (Recife, Betim e São Paulo) assinaram, ao lado de militares, intelectuais e outras autoridades públicas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma carta aberta em apoio à manutenção do Estatuto do Desarmamento.

O principal argumento dos policiais a favor do atual Estatuto do Desarmamento é que ele inibiu o uso de armas em crimes ao proibir o porte de armas em público por civis, aumentar o controle sob sua venda e criminalizar a venda ilegal de armamentos.

O que falta para esse projeto virar lei?

Da Comissão Especial da Câmara, o projeto segue direto para a análise do plenário do Senado. Caso algum deputado entre com um recurso, o texto pode também ser votado pelo plenário da Câmara. Após uma eventual aprovação nas casas legislativas, ele segue para sanção (ou veto) da presidenta Dilma Rousseff.CartaCapital

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