sábado, 10 de janeiro de 2009

CRÔNICA POLÍTICA


Lula esculhamba mídia com ‘luvas de pelica



Nunca folheei um exemplar da revista Piauí. Cheguei a ver um deles – acho que o daquela entrevista com José Dirceu –, mas não me animei a folheá-lo. Há alguns anos, dentre os quase quarenta anos durante os quais venho acompanhando diariamente a imprensa daqui e de toda parte, descobri que você não precisa ler todos os títulos do que, nos últimos tempos, passou a ser chamado de PIG, porque são todos iguais, mas você tem que ler ao menos um deles.

Escolhi um veículo que, a meu ver, congrega tudo de “melhor” e de pior que produz a sombria entidade midiática; esse veículo “melhor” é a Folha de São Paulo, e ela já me basta. Os discursos reacionários mais imbecis e os de conteúdo inverso – dentre de “limites” – podem ser vistos nesse jornal, ainda que com preponderância clara do primeiro tipo de discurso.

Assim, entre as barbaridades que saem no Estadão ou na Veja, as piores acabam saindo na Folha, onde você também pode ler alguma coisa que os veículos menos dissimulados, mas que temem mais o contraditório, jamais publicariam. Além disso, de alguma forma meio doentia é divertido ver a Folha fazer sua ginástica diária para convencer seus leitores de que é “isenta”.

Perdoem-me este nariz-de-cera (introdução longa), que adiou a abordagem do assunto principal, a entrevista de Lula à revista Piauí. É sábado de manhã, minha filha Gabriela viaja na próxima segunda-feira para a Austrália, onde ficará estudando por um ano, e estou tentando não pensar no assunto fazendo uma das poucas coisas que me fazem sentir bem, que é alimentar este blog.

Aqui, dou-me ao luxo de expor meus processos mentais à avaliação crítica do público, com surtos de digressão e tudo. Afinal, estou meio como que um Gilmar Mendes, só que sem a sua canalhice: não estou disputando concurso de popularidade. E muito menos uma lucrativa audiência, porque ninguém me paga para escrever, sendo mais fácil que exista alguém querendo me pagar para parar de fazê-lo.

Bem, o assunto aqui era Lula e sua entrevista à Piauí. Pessoal, o Lula humilhou. Sinceramente, ele fez com que eu me sentisse um bobo por todas as matérias que escrevi aqui exortando-o a xingar a mídia, a “reagir” etc.

Claro que foi exagero eu me sentir assim. No caso da crise econômica, por exemplo, se o presidente não tivesse ido à tevê antes do fim do ano para pedir às pessoas para comprarem, para fazerem “a roda da economia girar”, e se não tivesse denunciado, em seus discursos em compromissos públicos, a torcida da oposição e da mídia pela exacerbação da crise no Brasil, agora essa crise seria mais séria do que está sendo, pois dezembro teria sido mais um mês fraquíssimo na economia, depois de um outubro claudicante e de um novembro de prostração.

A entrevista do presidente à Piauí, em síntese, não passou de uma tentativa da revista de arrancar dele ataques à mídia, mas pareceu-me que de forma a comprazer seus agressores por estarem provocando nele um dos efeitos que lhes compensaria (aos agressores) a ineficácia da estratégia de desmoralizá-lo publicamente: queriam que Lula se mostrasse atingido e magoado, demonstrando falta de tranqüilidade ou algum outro sinal de estar se deixando combalir pelos insultos, deboches e calúnias que saem na grande imprensa escrita, falada, televisada, na internet, no rádio, em telejornais, programas humorísticos, novelas e onde mais se puder imaginar.

Bem, o tal Conti, que o entrevistou, não conseguiu arrancar o que queria. Lula tripudiou, inclusive com palavras que literalmente arrasaram a mídia, sem, no entanto, parecerem duras.

O fato é que li a entrevista e depois ouvi sua gravação em áudio. Traduzindo para o literal as palavras de Lula sobre a imprensa, ditas com uma habilidade quase sobre-humana de suavizar críticas extremamente sérias, o que ele disse foi que:

-- O comportamento manipulador e partidário dos meios de comunicação, é “histórico”, o que ficou claro que foi alusão a um Jango Goulart ou a um Getúlio Vargas.

-- A mídia nunca teve preocupação de fazer coisas “favoráveis” por ele, Lula, em outra alusão clara, só que agora ao seu antecessor Fernando Henrique Cardoso.

-- O cidadão Lula nunca se preocupou muito com a falta de favorecimento da imprensa, por mais que esta pense o contrário.

-- O cidadão Lula acredita, intimamente, na inteligência do público, que saberia discernir tentativas de favorecimento ou má vontade – e má fé – contra o governo.

-- Jornalistas que o criticam parecem achar que suas críticas são recebidas por todo o público como verdade absoluta, e esses jornalistas não acreditam na capacidade de “análise” desse público.

-- A mídia perdeu poder, porque a informação hoje é muito plural, existindo várias alternativas de informação, sobretudo na internet – e, nesse contexto, ressaltou, por duas vezes, o valor dos blogs.

-- A mídia se deixa usar por determinados políticos para “plantarem” nela o que querem ver no noticiário.

-- Essa relação entre políticos e jornalistas é “promíscua”.

-- A mídia inventa “fontes” para divulgar o que lhe interessa

-- A tática da mídia de atribuir ataques e acusações a “fontes” anônimas, é “indigna”

-- O cidadão Lula não lê jornais porque lhe dão “azia”, preferindo receber de assessores só as matérias que forem “importantes”

-- A maior parte do que sai na mídia, não é importante (insinuação)

-- O cidadão Lula “raramente” vê tevê, porque não tem tempo

-- Assistir tevê é perda de tempo (insinuação)

-- A mídia “deforma” a notícia com a própria opinião, sem se importar com o fato como ele é

-- Os empresários do setor de comunicações não são melhores do que os empresários da construção civil, por exemplo, e por isso não recebem nenhum tipo de tratamento especial, mas eles querem que seja diferente (insinuação)

-- A imprensa publica mentiras e não diz que era mentira o que publicou quando se descobre que assim era.

-- Acusação de ser “chapa-branca” é usada para coagir meios de comunicação a não divulgarem fatos positivos sobre o governo

--Nunca foi provada qualquer culpa de José Dirceu, e seu acusador (Roberto Jefferson) foi cassado porque não provou a acusação que fez ao ex-ministro, que, portanto, seria inocente, apesar de a mídia tê-lo condenado com insinuações

-- A mídia só difunde o que dá “Ibope” em detrimento do que é importante, e não promove debate público sobre questões sérias.

-- A mídia trocou gente que entende de economia pelas Mirians Leitão da vida (insinuação)

-- Alegando não querer ser “chapa-branca”, mídia se transforma em “chapa-marrom

-- Merval Pereira, do Globo, é jornalista de um pensamento só: contra o governo

-- Ali Kamel , usando o Jornal Nacional, tentou impedir a reeleição dele, Lula, em 2006 (insinuação)

-- Globo é o maior anti-Lula – conclusão por depreensão das menções particulares a meios de comunicação

-- Lula não vai às festas da Globo porque a Globo não gosta de Lula e porque este aprendeu a se respeitar, não indo aonde não gostam dele.

-- O governo gasta com publicidade oficial proporcionalmente ao público que tem cada veículo, sendo mentira que investe mais na Caros Amigos ou na Carta Capital, que recebem publicidade do governo tanto quanto os veículos que falam mal dele.

-- Um dos motivos de a mídia não gostar de Lula é porque o governo parou de aplicar mais recursos de publicidade nos grandes veículos do que a audiência que cada um tem, ou seja, ao distribuir a verba de publicidade por critérios técnicos, os que “mamavam” ficaram bravos.

-- O cidadão Lula não julga a imprensa; a história é que irá julgar...

-- Se a mídia acha que atinge Lula, segundo ele ela está enganada. Ele diz que dá muito menos importância a ela do que ela pensa.

Essas foram as críticas mais importantes que Lula fez à mídia numa entrevista que não girou sobre outro assunto. E a maior de todas as esculhambações da mídia nessa entrevista, e que algumas pessoas podem não ter notado, foi o Palácio do Planalto ter gravado a sua íntegra, revelando desconfiança do que a revista Piauí faria com as palavras do presidente.
Fonte:Blog de Eduardo Guimarães.
Colaborou João Sérgio.

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