Há nove anos o mundo tinha acabado
Ricardo Giuliani Neto
Eu e minha mulher estamos na serra. Passar a entrada do Ano Novo morrendo de saudades das pessoas queridas é uma excelente programação.
Livros, araucárias, bugios e pássaros, sons de água rolando, silêncios e todas as estrelas do universo. Preguiça... A preguiça é conselheira eloquente (ainda não sei direito o novo acordo ortográfico, portanto, escrever “eloKente” é gozado).
Ao mesmo tempo vou lendo coisas variadas e, confesso, isso rende boas complicações.
Já que os advogados não foram beneficiários da Lei Áurea, aproveitei o final de semana prolongado e já “tirei” merecidas férias. Longos seis dias. Trouxe para reler (com ou sem hífen?) um Boaventura de Sousa Santos (“O Discurso e o Poder”, 1988) e um Erico Verissimo (“As aventuras de Tibicuera”, 2005) e, para ler selecionei Upton Sinclair (“Um certo Mr. Ford”, 1940) e Max Gallo (“César”, 2004).
No ano passado, idos oito anos do fim do mundo, os fatos flamejaram. Esqueçamos dos bordões do derretimento do capitalismo financeiro ou da eleição de Barack.
Das bolhas do espumante gaúcho brotam reflexões tipo opinião pública e opinião publicada. Montanhas de jornais, sites, blogs, telejornais, bilhetes, fofocas, enxurradas de informações entupiram o ano “matado”. Cinema, teatro, livros, alunos e tudo o mais que nos aprender. Formação... parcimoniosa; informações, torrenciais.
Sou opinião pública e vivo de publicada opinião.
É de repassar e repensar o mundo. A epidemia de dengue no Rio de Janeiro (50 mil ocorrências e 54 mortes), exército e hospitais de campanha, manchetes e manchetes imediatamente substituídas pelo assassinato da menina Isabella em São Paulo; A dengue se havia esvaído diante da tragédia mais “rentável”. O mundo econômico derretia-se, mas as manchetes, por outra tragédia —o sequestro (sekestro e dose!) com final trágico num conjunto habitacional em Santo André—, novamente cediam ao sangue convidativo à leitura de jornal!
Jovens iam —e vão— morrendo nas estradas e nas cidades. Mortos de morte matada, em massa, e o trânsito estúpido entupindo asfaltos e necrotérios de virilidade juvenil. Vem a Lei Seca tentando frear o morticínio. Etilômetros ou bafômetros tomam conta das manchetes.
E os nossos jovens, ainda assim, se espatifam por aí.
Meio ambiente, a questão indígena. Reforma agrária e nível de emprego. Eleições municipais. Polícia Federal prendendo presidentes de tribunal e de Assembleias (aqui acho que caiu o acento. Eu acho!?).
A mão visível do Estado antigo aparece; trilhões de dólares ao “mercado”.
O mundo da ganância derretia enquanto, sob os pés e sacando as vidas, Santa Catarina derretia-se diante dos olhos de brasileiros solidários.
Olimpíadas em Pequim.
Ouros, pratas, bronzes e uma vara para salto em altura perdida. Pode? Depois daquela maravilhosa abertura com uma plasticidade nunca vista, perdem a vara da nossa atleta. Logo da nossa!?
Pr´uma melhor, partiram: Dorival Caymmi, Jamelão, Carmem Silva, Zélia Gattai, Waldick Soriano. “PQP”! Diria Dercy Gonçalves, que, aos 101 anos, junto com tantos outros, também viajou pro infinito.
Ingrid Betancourt, libertada, Bush, sapatadas. Guerras soltas mundo a fora. Rússia e Geórgia... mais uma. Israel e Palestina fecham o ano com bombas e foguetes e com bombas e foguetes... reabrem o ano.
80 mil morreram de terremoto no sudoeste chinês. Olimpíadas.
Temas pra todo (des)gosto.
Quanta informação. E nós... Quais as nossas manchetes?
Somos simplesmente comuns contentados por manchetes ou pequenos trechos de jornal. A notícia ouvida no almoço ou no jantar são suficientes para formarmos opinião sobre tudo e todos.
Sabemos as cotações do dólar, do euro, as variações das bolsas em NY ou na Ásia. Mas como é mesmo o nome do vizinho ao lado?
Estamos linkados na web e isso parece ser suficiente. Vivemos o mundo pelo MSN ou pelo Orkut. Isso nos tem bastado!!! Uma nova linguagem, um novo acordo ortográfico.
Talvez seja por isso a preferência em passar o ano novo encolhido no friozinho da montanha onde me escondo, por poucos dias que seja, da opinião publicada. Posso, junto com a saudade dos meus queridos, plantar a reflexão essencial e colher uma boa opinião.
Nesses dias, faço compras no armazém. Não há sinal no celular (é a glória completa, ou melhor, é o retorno à civilização). Não recebo os jornais diários... Estou Feliz!!!
Este ano, dizem, já se vão nove que o mundo iria terminar. Lembram-se? O ano 2000 já se foi tem quase 10 anos. O mundo não acabou! Pasmem! O mundo não acabou. Ou acabou... e não fiquei sabendo?
Bom, não tenho Internet, preciso encontrar uma lan house para remeter a coluna para ser publicada na segunda.
Feliz Ano Novo!!!
A sugestão de leitura: uma poesia qualquer.
Segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
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