sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O PIG e a imprensa gaúcha

Paulo Cezar da Rosa

No Rio Grande do Sul, temos uma imprensa que atua de modo militante e conservador desde a saída da Ditadura. Pode-se afirmar, por exemplo, sem correr o risco de estar dizendo um absurdo, que a RBS, tendo a frente o jornal Zero Hora, como uma espécie de comitê central de campanha, já elegeu dois de seus quadros para o governo estadual. Primeiro, Antônio Britto (PMDB), em 1998. Depois, Yeda Crusius (PSDB), em 2006. A unir os dois governos tivemos a mesma orientação privatista, concentradora e modernizante que a esquerda gaúcha tanto combateu como neoliberal.

De fato, Britto e Yeda saíram do anonimato trabalhando nos veículos da RBS. Construíram-se e foram construídos como quadros da empresa. Projetaram-se politicamente nas páginas e nas ondas de rádio e TV do grupo. Além de erigir os dois governadores de perfil nitidamente privatista, o grupo, num certo sentido, também teria sido responsável pela derrota do governo Olívio Dutra (PT) e auxiliado decisivamente Germano Rigotto (PMDB) como alternativa ao PT em 2002.

O PIG no RS é PIM


Principalmente por isto, ou seja, porque no Rio Grande a presença da imprensa na cena política vem de décadas, confesso que demorei a entender a expressão "PIG" - Partido da Imprensa Golpista, popularizada por Paulo Henrique Amorim, entre outros. E ainda estou em desacordo com ela.

O termo é moda e já virou até verbete na Wikipedia. Conforme lá consta, PIG "é utilizado de forma genérica e pejorativa para se referir ao jornalismo praticado pelos grandes veículos de comunicação do Brasil, que seria demasiadamente conservador e estaria tentando derrubar o presidente Luis Inácio Lula da Silva e membros de seu governo de forma constante." Este fenômeno, baseado no que se lê ultimamente, teria por base a crise dos partidos políticos e da política de um modo geral. Os veículos estariam passando a ocupar o vazio deixado pelos partidos em decadência, sendo eles próprios partidos ou fazendo às vezes de partidos.

Meu desconforto com o PIG tem raízes regionais. Não existe novidade em ter uma imprensa que atua politicamente e de forma conservadora no Estado. Isso sempre foi assim. O novo por aqui, como já comentei há algumas semanas, é que grupos distintos da mídia gaúcha estão tendendo a uma posição única, particularmente no que diz respeito às denúncias de corrupção no governo Yeda. Mas isso não é PIG - isso é só unidade de classe, fechamento de posição, defesa dos seus. Um movimento inusitado, sim, mas eu diria até compreensível. No Rio Grande do Sul, de fato, o que move a mídia não é um espírito golpista. O que move a RBS e os grupos menores é o medo de que Lula e Tarso sejam vitoriosos e o processo de democratização da comunicação se acentue, atingindo seus interesses regionais.

Olhando desse modo, a imprensa gaúcha está mais para PIM (Partido da Imprensa com Medo) do que para PIG. Capisco?

Os pingos nos is


Por outro lado, olhando o cenário nacional, sinceramente não vejo onde a imprensa brasileira tenha mudado para passar a ser condenada como golpista. Conservadora, sim, ela sempre foi. Sempre que teve interesses contrariados, atuou politicamente e tratou de colaborar para a derrubada de presidentes e governos. Por que agora considerá-la golpista? Ou ela sempre foi golpista, ou é um erro, um equívoco deseducativo utilizar agora o termo.

A mudança havida, real, no cenário nacional, é o sucesso do governo Lula. Além de ser um governo com posições opostas às dos grupos que dominam a mídia, é um governo bem sucedido que está democratizando as verbas na comunicação. Ou seja, é um governo que está mexendo onde dói no ser humano: no bolso dos bacanas da mídia.

Junte-se a isso o crescimento exponencial da internet (que também retira poder da mídia tradicional) e temos aí um quadro novo: o desvario da mídia não se deve a ela estar substituindo os partidos, mas sim ao fato dos seus partidos não estarem mais conseguindo lhes dar proteção. A denúncia do PIG pode ser boa, e em geral politicamente justa. Pode revelar a total falta de compromisso dos grandes veículos com a ética da informação. Mas é preciso entender que, hoje, quanto mais a mídia mente, mais isso é sinal de desespero e perda de poder. Isso não é sinal de fortalecimento. É fraqueza.

De fato, se tivermos a compreensão de que a família Sirotsky tem posições “fortemente neoliberais, internacionalistas e modernas de direita", como defende um amigo meu, a RBS nunca teve no Rio Grande do Sul um correspondente político partidário alinhado com suas posições e foi obrigada a realizar sua própria defesa desde sempre. Viria daí sua veia "piguista" desde os anos 80. Contudo, estar agora, na prática, acobertando um governo considerado corrupto e incompetente pela maioria da população gaúcha não é um sinal de poder, mas uma prova de sua imensa fraqueza. Inversamente, o fato da mídia nacional estar combatendo Lula não seria sinal de força, mas sim demonstração de pavor e medo diante da mudança do país.

2010 vem aí


É complicado escrever coisas como essa, mas me cobrem. Em 2010, o papel da RBS no processo eleitoral gaúcho, diferente de todas as eleições até aqui, não será mais tão decisivo quanto sempre foi. Com a crise dos seus partidos e a democratização da comunicação propiciada pelas novas tecnologias, a RBS está se tornando apenas mais um ator no processo gaúcho. E um ator tão ou mais frágil que os partidos de seu arco político.

O quadro sucessório gaúcho está caminhando para a construção de um novo cenário, configurado não mais pelos setores que sempre dominaram a política no Estado, mas pela dinâmica dos novos agentes sociais emergentes no novo Brasil. Em volta de Porto Alegre, que sedia o governo Yeda Crusius (PSDB) e hoje é governada por José Fogaça (PMDB), existe uma legião de governos populares nas cidades periféricas da região metropolitana. RBS, Yeda Crusius e José Fogaça são adversários destes governos. A luta no Rio Grande do Sul em 2010 será entre o centro e a periferia, entre a classe A e a classe C, entre a turma que frequenta a rua Padre Chagas em Porto Alegre e o povo que vibra e decide os destinos do Big Brother em suas casas nas periferias da capital.


Fonte:CartaCapital.

Um comentário:

zcarlos disse...

Desculpe, mas em alguns pontos discordo do comentário de Paulo Cezar.
A impensa gaúcha atua de modo militante e conservador muito antes da saída da ditadura. Basta ver a história da outrora Cia Jornalística Caldas Jr e de seu principal veículo, o jornal Correio do Povo.
O Zero Hora, fundado em 1964, em pleno golpe militar, chamava-se Última Hora. E sempre apoiou os governos golpistas.
Antonio Britto não saiu do anonimato trabalhando nos veículos da RBS. Trabalhava como repórter da Rede Globo até ser convidado por Tancredo Neves para ser seu porta-voz e, a partir do episódio da doença e morte de Tancredo, ficou mais conhecido.
Após a morte de Tancredo, Britto foi eleito deputado federal e, posteriormente trabalhou na RBS, que o fez governador pelo PMDB.
Yeda, por sua vez, fazia singelos comentários econômicos para os veículos da Caldas Jr., indo posteriormente para a RBS e elegendo-se deputada federal pelo PSDB, e ministra do Planejamento, por curto e esquecido período, no governo de Itamar Franco. Foi feita governadora pela RBS, para derrotar o PT.
O PiG gaúcho, representado pelos grupos RBS, rede Pampa, Caldas Jr (Record, hoje), dentre outros, é golpista sim e, principalmente, tem interesses econômicos (como todo PiG). Não admite governos que não atendam seus intere$$e#. Por isso, tanto combateu os sucessivos governos petistas na capital, até conseguir fazer o medíocre senador José Fogaça prefeito de Porto Alegre, assim como combateu de forma sistemática o governo Olívio Dutra. Ao cúmulo de inventar que foi Olívio que espantou a instalação da montadora Ford para a Bahia. Coisa que se sabe foi arquitetada por FHC e ACM, com o auxílio espúrio de José Carlos Aleluia.
Assim, esses grupos não têm medo do processo de democratização, têm medo sim, de perder vultosas verbas publicitárias e, de certa forma, o exercício do poder, uma vez que atrelam e mantem como refém os candidatos que ajudam a eleger.
Por fim, para não alongar muito, a RBS sempre esteve alinhada com os governos estaduais, foi assim com Perachi Barcelos, Euclides Triches, Jair Soares, Synval Guazelli etc. etc. Exceto Colares do PDT e Olívio (PT).
Atualmente a RBS está numa sinuca de bico com Yeda, mas pronta para pular fora do barco, conforme o andamento dos processos jurídicos e políticos.
Em 2010, com certeza a RBS estará ao lado de Rigotto ou Fogaça, contra Tarso Genro e, é claro, com Serra ou Aécio, não como um ator frágil mas, ao contrário, com toda a força midiática.