'Não há petróleo no pré-sal'
André Siqueira
André Siqueira
Aprendemos cedo, com nossos pais, que é melhor ouvir certas coisas a ser surdo. Mas beira o insuportável a quantidade de besteiras propaladas a respeito da exploração do petróleo encontrado no litoral brasileiro, na camada pré-sal. A última (ao menos para mim, porque a mensagem circula há tempos) é a corrente de e-mails com o artigo de um professor universitário, cujo nome não convém citar, por se tratar apenas de um caso exemplar. Especialista em geologia e ex-funcionário da Petrobras (pelos idos da década de 1970, convém ressaltar), ele garante, com absoluta firmeza, que não há quase nada a explorar na região. É tudo um embuste eleitoreiro do governo.
Pelamordedeus, será então que todos os especialistas do mundo estão enganados? Alguém se lembra da polêmica que envolveu a divulgação das megarreservas pelo presidente da ANP, Haroldo Lima, em setembro de 2008. À época, para se esquivar das acusações de precipitação ou de ter se antecipado à Petrobras no anúncio da descoberta, ele lembrou que a publicação especializada americana World Oil publicou um artigo a respeito meses antes. E quanto aos institutos internacionais do setor, que já colocam as reservas na lista das fontes futuras de energia do planeta? Finalmente, por que badalar uma riqueza que, na melhor das hipóteses, só poderá ser usufruída daqui a mais de cinco anos?
Mas há quem perca tempo alimentando esse tipo de discussão. O autor da teoria conspiratória supra-citada começa a dar entrevistas a veículos de comunicação (sim, não resta dúvida de que ele existe, mesmo). Como disse, esse é só um exemplo do festival de sandices que circula. Mas os piores mitos são aqueles que, plantados por grupos privados com milionários interesses no subsolo brasileiro, promovem campanhas de desinformação. Aí vão alguns dos argumentos que, de tanto ser repetidos, correm o risco de ser levados a sério:
1º) As regras novas e o aumento do controle do Estado sobre a produção perigam afastar o investidor privado.
As múltis petroleiras atuam nas regiões do Oriente Médio mais inóspitas e menos amigáveis ao capitalismo ocidental. Lucram aos tubos, literalmente, porque correm riscos, muitos riscos. A legislação proposta pelo governo pode não ser a melhor, mas, se há alguma chance de haver uma grande reserva de petróleo abaixo das águas brasileiras, não resta dúvida de que haverá interessados em por dinheiro no negócio. Importante, mesmo, é que as regras sejam claras e estáveis.
2º) O Brasil perde tempo e dinheiro enquanto discute o tema.
Perdoe-me o leitor por me sentir forçado a dar essa explicação rasteira, mas é isso aí: poços de petróleo são diferentes de hidrelétricas e estradas. Obras de infra-estrutura começam a beneficiar a sociedade no momento em que são concluídas, e continuam a fazê-lo indefinidamente. Uma estrutura de exploração de petróleo é um modo de gastar mais rapidamente um ativo do Estado. Pior: uma reserva de valor que tende a se valorizar com o tempo. Não há desta vez, de acordo com nove entre dez especialistas, o risco de “perdermos o bonde da história”. Não há, por enquanto, fonte alternativa de energia capaz de impedir que a commodity tende a se valorizar nos próximos anos. Vale à pena debater exaustivamente a melhor forma de receber e gastar os “petroreais”
3º) A ideia de criar uma estatal para administrar os recursos, por meio de um fundo específico, só serve para que se criem cargos públicos e abre espaço para o desvio de verbas.
Talvez esse seja o argumento mais polêmico. Concordo, mais uma vez, que o modelo pode não ser o melhor. Durmo menos preocupado, porém, ao saber que existe alguma preocupação em dar um destino a esse dinheiro que não seja cobrir o déficit público (disciplina fiscal para quê, se o dinheiro está sobrando?) ou criar um número infinitamente maior de empregos públicos em diversos departamentos nos Estados e municípios que se vêem no direito de embolsar a maior parte dos recursos. Analisar os indicadores sociais dessas regiões é descobrir o quão fácil é gastar a verba do petróleo sem contrapartidas sociais.
CartaCapital.
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