Algo irritado, Serra, durante o encontro de prefeitos na quarta-feira, respondendo se iria acabar com o Bolsa Família, disse que “o Bolsa Família absorveu programas que eu mesmo criei, como foi o caso da Bolsa Alimentação, do Ministério da Saúde. Eu vou fortalecer o Bolsa Família”.
O Bolsa Família é o principal programa do Fome Zero. Seu objetivo, como anunciou o presidente Lula no mesmo dia em que foi eleito pela primeira vez, é fazer com que todos os brasileiros “comam pelo menos três vezes por dia”. Quem já esteve na miséria sabe o que significa isso – e quem não esteve, mas não é um embotado estúpido, é capaz perfeitamente de perceber.
Até então, a política era aquela verbalizada por Fernando Henrique: “não adianta dar o peixe”. A coordenadora dos “programas sociais” daquele governo, do qual Serra era ministro – uma certa Wanda Engel – disse, literalmente, que não havia fome no Brasil. E, assim, milhões de brasileiros, de seres humanos, vegetaram com estômagos vazios durante oito anos – e muitos morreram, sobretudo crianças.
O Bolsa Alimentação, segundo sua diretora, Denise Coitinho, grande defensora de Serra, era um programa específico para gestantes, mães que amamentavam e crianças até seis anos, onde se previa uma ajuda durante seis meses, com direito à prorrogação por mais seis meses. Somente foi lançado no final de 2001 – portanto, durou pouco mais de um ano (V. o artigo de Coitinho, “O Fome Zero e a Bolsa Alimentação”, Jornal da Unicamp, dez./2002).
Um especialista respeitável, José Graziano, que esboçou o Fome Zero, descreveu, em 2002, o Bolsa Alimentação: “… foi um programa criado pelo ministro José Serra com forte característica eleitoral. (…) foi uma resposta ao lançamento do Fome Zero, que nós fizemos em outubro do ano passado [2001]. Eles se deram conta de que não tinham um programa especificamente destinado a aumentar o consumo de alimentos e então saíram correndo com esse Bolsa Alimentação (…) destinado a gestantes e mães com crianças até dois anos de idade. É um público muito restrito” (entrevista ao Jornal da Unicamp, nov./2002).
Em poucas palavras: depois de se apresentar como inventor dos genéricos, sem o ser, Serra se apresenta agora como pai, ou pelo menos precursor, do Bolsa Família, que tem uma única relação com o seu programa: a de tê-lo substituído.
Algum tempo antes, diante da pergunta: “você vai acabar com o Bolsa Família, não?”, feita pelo apresentador José Luiz Datena, Serra começou o seu desmentido com a frase “eu não sou trouxa”. Foi inevitável que as pessoas interpretassem a resposta como se ele tivesse dito “eu não sou trouxa de dizer que vou acabar com o Bolsa Família”, embora ele não tivesse falado isso.
O interessante é que quanto mais Serra nega que vá acabar com o Bolsa Família, mais as pessoas acham que é isso mesmo o que ele faria se fosse eleito. Até o Datena…
Pois, afinal, os seus correligionários – aqueles que negavam a existência da fome – cansaram-se de chamar o Bolsa Família de “bolsa-esmola”. Um notório coça-saco do Serra, o Reinaldo Cabeção, chama até hoje assim o Bolsa Família. Da mesma forma, aquela meretriz da CIA, agora escondida no último refúgio dos canalhas, isto é, na “Veja”, que o Tanure enxotou do JB, parece que por excesso de serrismo.
Houve até um artigo no “O Globo” intitulado: “Bolsa-esmola: a receita de como gerar uma legião de vagabundos”, onde aparecia um latifundiário declarando que, com o Bolsa Família, “os operários não querem mais trabalhar”. Segundo o artigo, o Brasil estava diante de uma crise de mão de obra, inclusive na construção civil, pois o pessoal preferia ficar no Bolsa Família do que pegar no batente…
Mas, talvez, menos convincente ainda do que ter essa tralha por correligionários, seja o próprio Serra garantindo que vai continuar e até ampliar, ou reforçar, os programas sociais do governo Lula. Se é assim, por que ele não deixa de ser candidato e vota na Dilma?
( Publicado no HORA DO POVO, ed. 2865, 21/05/2010 )
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