quinta-feira, 22 de julho de 2010

Programa de governo tucano: a trajetória de uma farsa


Osvaldo Bertolino

O ano de 1993 ficou marcado por um triste acontecimento para o país: a nomeação de FHC para o cargo de ministro da Fazenda. O presidente, Itamar Franco, estava sob pressão da direita, que exigia a aplicação do programa econômico do ex-presidente Collor. FHC caiu como uma luva. Já em 1991, quando a crise batia à porta do Palácio do Planalto, um setor do tucanato capitaneado por ele defendeu a incorporação do partido ao governo. A manobra foi combatida pelo senador Mário Covas — o que não impediu, mais tarde, que FHC fosse o principal executor de uma espécie de golpe branco contra o presidente Itamar Franco ao comandar o processo de transição da economia para a ”estabilidade”.

Sua posse foi saudada por entidades patronais com expressões como “bela tacada de Itamar Franco”, “craque nota dez” e “arauto da modernidade”. Até o secretário de Estado norte-americano, Warrem Cristopher, ligou para parabenizar o novo ministro da Fazenda. FHC chegou dizendo que “precisamos botar a casa em ordem”. “Isso não significa intervenção no mercado”, ressaltou. Estava dada a senha. Ele afirmou que não reduziria os juros, que não alteraria o Programa Nacional de Desestatização (FHC manteve o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social — BNDES — como comitê de administração das privatizações até os últimos dias de seu governo, em 31 de dezembro de 2002) herdado de Collor e que lutaria pela “estabilidade”. “Nossa prioridade é o combate à inflação, sem matar o povo de fome”, declarou.

FHC tomou posse prometendo “ordenar as finanças públicas e controlar o endividamento de Estados e municípios”. Eram as mesmas palavras de Collor — só que num tom mais ameno. Dias terríveis aguardavam a nação. A “arrumação da casa” começou com o chamado “Plano Verdade”, que consistia basicamente em arrochar investimentos públicos. A primeira investida de FHC contra os trabalhadores foi a ferrenha oposição à lei salarial aprovada pelo Congresso Nacional. Para ele, o reajuste mensal era uma “esquisitice que serve de âncora para a taxa de inflação”. Ele agregou em sua pasta figuras notórias do conservadorismo econômico brasileiro — classificadas por ele como “notáveis” — e promoveu um festival de arbitrariedades assim que a poeira da posse abaixou.

Projeto liberal

Em 1994, FHC seria o principal personagem do país. Já em janeiro, ele ocupou a televisão para pressionar o Congresso Nacional a aprovar seu programa econômico e iniciar a sua indisfarçável campanha à Presidência da República. Com suas manobras, conseguiu aprovar o Fundo Social de Emergência (na prática, uma desvinculação parcial de recursos da área social para criar uma reserva monetária que serviria de garantia à “estabilização”). Era o embrião do superávit primário. Depois o nome do mecanismo passou a ser Fundo de Estabilização Fiscal e hoje se chama Desvinculação das Receitas da União (DRU), a reformulação do Orçamento e a criação da Unidade Real de Valor (URV).

FHC começava a dar forma ao seu programa de governo. Pela primeira vez, desde a revolução comandada por Getúlio Vargas em 1930, o projeto liberal no Brasil começava a ter sujeito, predicado e objeto direto. Era a hora de aproveitar o vácuo deixado pela reviravolta no cenário mundial (no final dos anos 80 e início dos anos 90 a experiência socialista no Leste Europeu se esfarinhou e o projeto social-democrata, na Europa Ocidental, deu seus primeiros sinais de fraqueza). E, para ajudar, existiam os trilhos políticos adequados, construídos pelo regime militar. Aí foi só encaixar a figura de FHC, cuidadosamente esculpida, para assumir a direção daquele processo.

A reação dos trabalhadores não tardou. Em fevereiro de 1994, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) chamou outras centrais sindicais para preparar uma greve geral. As perdas, com a conversão dos salários pela média da URV, chegavam a 36%. Enquanto isso, FHC dizia que não precisava de regras para a conversão dos preços porque o próprio mercado se incumbiria de conter os abusos. Seu plano só atingia os salários. Greves e manifestações começaram a pipocar pelo país. No dia 1º de março, a CUT definiu um plano de lutas contra o arrocho salarial. Em conjunto com as CGTs e a Força Sindical, os cutistas programaram a data de 16 de março como Dia Nacional de Lutas Contra o Arrocho da URV.

Voz isolada do presidente

No dia 23 de março, os protestos se repetiram. Greves, carreatas e bloqueio de rodovias deram o tom das manifestações. Por todo o país, o panorama foi o mesmo, com dezenas de categorias realizando greves. Em Brasília, mais de 3 mil policiais cercaram o Ministério da Fazenda para proteger FHC da fúria popular. Os protestos continuaram em atividades de campanhas salariais das categorias com data base em maio. Aquelas manifestações mostraram o tamanho do comprometimento da “grande imprensa” com o projeto de FHC. Os programas de rádio convidavam parlamentares de direita, palpiteiros desqualificados e “especialistas em direito trabalhista” para engrossar a baixaria. Os jornais circularam com manchetes agressivas e editoriais que cheiravam a fascismo. Foi um massacre.

FHC lançara o Plano Real e deixou o Ministério da Fazenda para oficializar sua candidatura à Presidência da República. O trator neoliberal não poupava ninguém. Nem o presidente da República, Itamar Franco, que ousou opinar sobre algumas medidas anunciadas pela equipe econômica. A “grande imprensa” o atacou violentamente quando ele disse que o Congresso Nacional deveria regulamentar o artigo da Constituição que determina o limite de 12% ao ano para a taxa de juros — antevendo o estrago que a turma de FHC promoveria.

O presidente, no entanto, já era quase uma voz isolada no país. Mas logo se veria que sua preocupação tinha razão de ser — no primeiro dia útil do Real, a taxa de juros, puxada pelo Banco Central (BC), disparou, chegando aos 12%. Desde então, nunca mais o país viu juros abaixo deste patamar. Um ano depois, já estava em 60%. O próximo passo seria a investida contra o Estado — abrangendo a União, os Estados e municípios. O estrago que a confraria neoliberal promoveria no país estava apenas começando. Leia mais

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