quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

As imagens de Dilma e Lula



Uma imagem em política é formada por alguns aspectos que asseguram a definição de um determinado personagem. A imprensa cachorro grande, meio moleirona, no seu trabalho antipopular, já saiu a campo para tentar pôr alguns traços da imagem da Dilma no balaio do lixo. A primeira de suas ações sub-reptícias – e isto é safadeza – foi comparar Dilma com Lula. Eles tecem o manto sagrado da diferença. Jogam um homem que fez uma das carreiras mais exitosas no cenário político com uma governante que está surgindo agora, que está entrando no jogo depois do finale admirável do seu antecessor.

Quando se fala em imagem, o primeiro que se tem a destacar é o tempo. Uma imagem exibe sua consolidação após uma duração determinada. Lula conseguiu esta imagem de grande presidente não de hoje, de agora, mas depois de uma longa e vasta carreira pública. Não só construiu a sua imagem, como também operou a construção de seu mito. Como o leitor sabe, um mito é uma narrativa, e uma narrativa supõe um longo percurso do personagem, seus triunfos mais do que seus revezes e até derrotas que se tornaram vitórias.

Primeira forma de atacar é tentar fazer a comparação entre um mito e alguém, que até o momento, tem feitos e fábulas setoriais – ministeriais, posso dizer – mas que não tem nem um mês de presidente ou presidenta. Não encham a paciência do país. Claro, é natural, a gente pensar, apostar, tentar adivinhar qual a trajetória e qual o caráter político da Dilma. Mas, tudo que está por vir é projeto de história, tudo ainda é uma neblina diáfana, no qual se enxerga, quando muito, um esboço de futuro. A imagem da Dilma é um processo em construção, um work in progress. Ela é ainda, para falar ao estilo do cineasta Glauber Rocha, uma idéia na cabeça e um governo na mão. Faltam as cenas, as sequências, falta o enredo, faltam as ações. Sim, a política é um cinema forte, um cinema americano, um cinema de ação. A imagem em movimento na política só se consolida na derradeira cena. Nenhum governo é bom ou ruim antes do seu fim e consolidado no tempo. Vide os dos Fernandos, o Collor e o FHC. Vide a reviravolta de Getúlio com o lance do suicídio.

Uma imagem leva tempo e é feita de múltiplas imagens, camadas que se superpõem e que se acumulam – e que eliminam outras imagens menos favoráveis à direção que ela tomou. Mais, as imagens vão se alterando, vão se perfilando, superiores, mais vistosas do que outras. Quem lembra a recepção de Lula e Dona Marisa pelo rei de Espanha? E mesmo esta que foi uma imagem torta, no tempo – sobretudo porque a vida de Lula foi uma aprendizagem constante, um crescimento renovado – se transformou numa imagem de passagem, da passagem de um presidente que aprendeu e se desenvolveu e se engrandeceu no cargo. A imagem do “grande presidente”, do cara que foi o estadista do ano, teve a sua configuração submetida a uma metamorfose dinâmica. Uma imagem desfazendo a outra e a melhor incorporando a menos brilhante, sobretudo, na vertiginosa transformação dos últimos tempos. E sintam como é importante não se deixar contaminar pelas imagens propostas pela grande imprensa. Se Lula ficasse nas imagens do mensalão, ele teria sido o grande presidente que foi? Tempo, tempo.

Depois, há que considerar a diferença entre a imagem de um presidente ou presidenta da imagem do seu governo. E sob certa forma há uma relação dialética entre os dois, onde um é diferente do outro, mas estão ambos perpassados pelo pólo oposto. E esta dialética das imagens vai se consolidar ao longo do tempo, na passagem da história. Me lembro do ex-governador Guazzeli falando sobre o governo de JK. Dizia ele que quando Juscelino tinha saído do governo, os jornais – e, principalmente, um grande articulista de ultradireita, o católico Gustavo Corção, um escritor de frases e torneios estupendos – tinham dito horrores sobre Brasília. E hoje – época em que Guazzeli era governador – JK já era o grande presidente do Brasil. Seu trabalho com o movimento da política se consolidou, se agigantou. E só para citar dois exemplos: “50 anos em 5” e “o criador de Brasília” foram imagens que pegaram na sua pele histórica. E construíram a imagem de grande presidente que foi. Só o tempo desenvolve os traços, a cor, o relevo, os contrastes de luz e sombra, as marcas da imagem que vão ficar para o sempre.

Pois deixem a Dilma trabalhar – ou qualquer eleito ou reeleito em 2010 – pois a sua imagem vai oscilar. Um pêndulo entre a imagem produzida por ela, Dilma; a imagem fabricada pela Comunicação do Governo; e a imagem que a oposição vai lhe atribuir, a imagem que a mídia vai tentar produzir. De qualquer forma, por enquanto, vai ser apenas um fio de água, detalhes da imagem que o artista chamado Tempo vai pintar, esculpir na matéria prima da História. E tudo está em aberto, porque uma imagem nunca é fechada, ela é como uma fruta – uma laranja, uma maçã, por exemplo – aberta à mesa, como um apelo de gosto, um prêmio, uma nota, que a população e o país e o mundo se nutrem. Uma imagem, portanto, evolui. E imagem então, ao mesmo tempo, se veste de consistência, torna-se uma substância ativa, um filme vivo, que penetra no imaginário da política e dos habitantes de uma sociedade. A imagem nos tempos que correm, nesta sociedade do espetáculo, tem a equivalência das imagens que Homero fabricou para os gregos tanto na “Ilíada” como na “Odisséia”. E como dizia Heráclito: essa narrativa de uns ela fez deuses, de outros homens comuns, de outros escravos.

Uma imagem só termina quando um filme termina, quando um quadro está pronto, quando uma peça encerra sua temporada. Assim como a imagem de Lula ainda pode ser modificada, a imagem de Dilma mal está começando. Estamos, em verdade sobre o reinado do Tempo majestade, que vence e classifica os homens. Mas tem um negócio. André Bazin, um célebre crítico de cinema, já nos dizia: a imagem é uma revanche dos homens contra o tempo.

Eneas de Souza, no Sul21

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