quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Os paradoxos da política paulista


Da política paulista, não.Do PSDB.

Cristian Klein


Valor Econômico - 26/01/2011



Há 16 anos, o confronto entre PT e PSDB molda e polariza a disputa presidencial de maneira que podemos dizer que à estabilidade econômica do país seguiu-se uma estabilidade do mercado eleitoral.

A estrutura de oportunidades consolidou-se e fechou-se para "outsiders" e partidos nanicos. Se é difícil para uma terceira via potente como o PMDB, que dirá para uma repetição de novos Collors ou PRNs, sintomas de desequilíbrios do sistema. Como era a hiperinflação para a economia.

A competição política brasileira é regida por essa lógica. Uma lógica paulista, criticada por políticos de outros Estados, mas que deu - mais rápido do que se imaginava - clareza para as decisões do eleitor, numa democracia recente e com quadro partidário fragmentado.

Há um paradoxo, porém: é justamente São Paulo que tem produzido algumas das maiores contradições do cenário político brasileiro, com um facciosismo capaz de dar nó nos neurônios de qualquer cidadão. Há uma reunião de práticas nada exemplares e sem hora para terminar. O jogo municipal para 2012 pôs o moinho a girar novamente, completando uma volta de intrigas e complicados cálculos políticos.

Três personagens principais - o prefeito, o atual governador e o ex, ambos correligionários - lideram o elenco de coadjuvantes que atuam num enredo cheio de surpresas e tramoias. O conteúdo dramático é rico, mas o significado político é pobre.

O prefeito quer trocar de legenda e já fez de sua transferência uma novela. E o partido que ajudou a dar estabilidade econômica e política no plano nacional se comporta como um estranho corpo com duas cabeças, ora comandado por uma, ora por outra. Um autêntico filme B.

Não há um PSDB. Mas uma legenda com dois caciques que travam conflito aberto, apesar das tentativas de aparentar civilidade. Se a sigla vencer em 2012, a informação só será completa se vier acompanhada de uma resposta à pergunta: serrista ou alckmista?

Em seu terceiro mandato como governador, Geraldo Alckmin dá as cartas de novo, depois de duas derrotas seguidas - para a Presidência, em 2006, e para a Prefeitura de São Paulo, em 2008. José Serra, depois de duas vitórias consecutivas - para a prefeitura, em 2004, e para o governo paulista, em 2006 -, volta ao limbo de não ter qualquer máquina sob seu comando, após perder a competição ao Planalto.

São fases opostas que refletem uma gangorra pela manutenção do espaço seguro de sobrevivência política, que é o Estado. E que tem como pano de fundo o salto ambicioso para Brasília. A origem da disputa entre Serra e Alckmin está aí.

Enquanto os longos bicos dos maiores tucanos paulistas estiveram virados para direções diferentes, não houve divergência. Mas o início da era Lula acabou por confinar os dois no mesmo ambiente.

Serra, desde os tempos da UNE, construiu uma carreira de orientação tipicamente nacional - própria (deputado federal, senador) e depois atrelada aos anos FHC (ministro) até 2002, quando perde a eleição para Lula. A partir de então, se vê obrigado a se voltar para o plano regional e se acotovelar com Alckmin. Ex-prefeito de Pindamonhangaba, Alckmin, por sua vez, cresceu como político de caráter regional. Mas seu avanço para a esfera nacional foi quase inevitável após governar o maior Estado do país. Ambição política natural, mas que colidiu com a de Serra.

O partido ficou pequeno para os dois desde que, numa noite de dezembro de 2005, em entrevista ao programa "Roda Viva" (TV Cultura), Alckmin pôs o pé na porta e se proclamou pré-candidato do PSDB à Presidência, atrapalhando os planos do correligionário.

A retaliação de Serra, que veio na eleição seguinte, municipal, marca o início da construção ilógica em que se transformou a política de São Paulo. A derrota de Alckmin para Gilberto Kassab (DEM) - reeleito com o apoio de Serra, de quem havia sido vice - criou a clivagem inusitada. Um PSDB alckmista e um PSDB serrista aliado a Kassab, cujo partido também se esfacela.

A troca de sinais é contínua. No fim do ano passado, na eleição para a presidência da Câmara, Kassab (DEM) apoiou o vereador José Police Neto (PSDB), contra o candidato de seu partido, Milton Leite (DEM), em reação à colaboração do parlamentar com a banda de Alckmin. Ou seja, as demarcações partidárias são nebulosas e o cenário incerto.

A confusão entre os donos do poder aumenta a imprevisibilidade da eleição de 2012, cheia de opções vindas de PT (Marta Suplicy e Aloizio Mercadante), PSB (Gabriel Chalita e Paulo Skaf), PP (Celso Russomano) e PV (Guilherme Leal). Sem direito à reeleição, Kassab insufla nomes de sua órbita, como Rodrigo Garcia, eleito deputado federal. Mas, com o imbróglio de sua ida para o PMDB, é provável que a legenda (ou seu grupo) não tenha força para lançar candidato competitivo. Sua pretensão de se eleger governador em 2014 passará inevitavelmente pelo colega tucano.

Serra até pode se lançar candidato para melhor abrigar seu grupo. Mas é improvável, depois da promessa feita na eleição de 2004, e não cumprida, de que não largaria o posto para concorrer a um cargo mais alto. Pesam também as movimentações de Alckmin, que procura dominar os diretórios estadual e municipal. A aposta maior é o senador eleito Aloysio Ferreira. Já o governador investe em secretários, como Bruno Covas (Meio Ambiente) e José Aníbal (Energia).

A medição de força entre dois grandes caciques políticos de um mesmo partido no mesmo Estado não é rara. Mas geralmente tem outras soluções. Por exemplo, a coexistência razoavelmente pacífica, como a que fez o PMDB paulista se dividir entre a atuação nacional de Michel Temer e a regional de Orestes Quércia. Ou a saída de um deles da legenda, como no PMDB fluminense, no qual Garotinho ficou sem espaço, com a eleição de Sérgio Cabral.

O esdrúxulo da situação paulista é a convivência forçada e turbulenta dos caciques e suas consequências. Curiosamente, há um paradoxo dentro do paradoxo que mostra o limite do personalismo. Serra e Alckmin enfrentam restrições. O custo de se mudar de partido, ainda mais de uma legenda como o PSDB, em seu comando central, pode ser alto demais.

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