Coluna - César Felício
Valor Econômico - 21/01/2011
Sem o cabresto que as direções nacionais dos partidos colocaram sobre as situações políticas regionais no ano passado, a perspectiva eleitoral de 2012 começa a ganhar velocidade para decolagem. Houve tempo em que o começo de uma administração federal levava a um grande realinhamento partidário entre os parlamentares. Como o Judiciário instituiu a norma de garantir o mandato proporcional ao partido, e não ao eleito, são os prefeitos que começam a mover as divisões partidárias de espaço em seus redutos.
Trata-se de um movimento descentralizado, uma vez que a Presidência da República deixa de ser o referencial para a organização de alianças. Não deve haver dentro do PT, por exemplo, uma orientação para abrir mão de candidaturas próprias em nome da aliança nacional, como se deu no ano passado. E nem um alinhamento em regra entre PSDB e DEM.
Tendem a migrar de partido pelo menos dois prefeitos de capital, Gilberto Kassab, de São Paulo, e João Henrique, de Salvador, ambos sem ter como concorrer novamente em 2012, mas com perspectivas significativamente diferentes: o primeiro busca alçar voo para 2014; o segundo tenta sobreviver politicamente. Sem a perspectiva de mudança partidária, há sinais de um rompimento à vista em Belo Horizonte, onde o prefeito Márcio Lacerda (PSB) vai armando sua candidatura à reeleição.
Na capital mineira, há quase uma competição entre PSDB e PT para saber quem tem o prefeito do PSB como aliado preferencial. Márcio Lacerda é um tímido em ações administrativas ou políticas, mas favorito a ganhar um novo mandato pelas dificuldades tucanas e petistas de se estruturarem ou reestruturarem em Belo Horizonte. É uma reviravolta irônica em relação a 2008. Naquela ocasião, o então prefeito Fernando Pimentel forçou o PT a apoiar um aliado do então governador Aécio Neves para a sua sucessão.
Pimentel e Aécio praticaram um jogo de esperteza, em que o petista lançava uma ponte no universo aecista para se credenciar na eleição seguinte e o tucano tentava fincar um pé na base do lulismo. É um cenário que não se repete em 2012, eleição em que o atual prefeito passou a ser visto como um trunfo, e não peso. Já os padrinhos de 2008 não conseguiram tudo que esperavam da insólita aliança.
Pimentel passou a enfrentar resistência crescente dentro do PT e a divisão partidária fez com que o partido fosse cabalmente derrotado no ano passado: Minas é o único grande Estado em que nenhum petista ganhou cargo majoritário. Aécio divide-se entre atrair parte da base lulista e afirmar-se como uma liderança de oposição a Dilma. Lacerda poderá escolher entre manter-se aliado ao PT e firmar uma aliança com o PSDB.
Tanto PT quanto PSDB querem condicionar o apoio a Lacerda a um compromisso em 2014, mas se fragilizam pela falta de alternativas a um voo próprio, inevitável para quem for preterido pelo prefeito. O tucano mais citado, o deputado federal Rodrigo de Castro, teve votação pífia na cidade: 13 mil votos, o 20º mais votado. No PT, Pimentel já avisou que não há hipótese de entrar na disputa e o ex-ministro Patrus Ananias foi humilhado por consecutivas derrotas nas eleições internas do partido. Sobra o vice-prefeito, Roberto de Carvalho. Para desestabilizá-lo, Lacerda sem pressa alimenta expectativas no PSDB: apoiou um tucano para a presidência da Câmara dos Vereadores e acena com espaço na administração, sem mover um músculo da face sequer sobre 2014, a preocupação maior de Kassab.
O prefeito paulista está imerso em uma guerra por ocupação de espaços desde que ficou patente que o cenário mais provável para a eleição estadual será o de confronto entre o seu projeto político e o dos tucanos. Pretende manter em seu redil o DEM, onde conta com seis deputados federais e herdar o espólio político do quercismo no PMDB do vice-presidente Michel Temer. Irá aguardar o novo desenho da cúpula do DEM para definir se fica ou sai do partido.
Segundo um antigo aliado do prefeito, Kassab se sentiria mais confortável para sair se a atual direção, sob comando do deputado Rodrigo Maia, fosse derrotada. Na hipótese de seus inimigos prevalecerem, Kassab não teria como migrar para o PMDB e mandar no DEM paulista. Seria alta a possibilidade da direção nacional impedir que os parlamentares aliados de Kassab o acompanhassem no PMDB. O prefeito teria que mudar de casa sem levar a mobília.
A sinalização de que o PSDB poderia compor com o prefeito para um candidato único em 2012 é vista dentro do bloco que apoia o governador como retórica. "Kassab e Alckmin só estarão juntos em 2012 se o [José] Serra ou o Aloysio [Nunes Ferreira] se lançarem candidatos a prefeito", afirmou um dirigente do PPS.
Em Salvador, João Henrique tenta sobreviver em um cenário de falência política, desencadeado quando teve suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Município. O prefeito está sendo virtualmente expulso do PMDB pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, provavelmente aborrecido com o comportamento do prefeito na eleição estadual, em que Geddel ficou em terceiro para governador. Vivendo o seu auge na Bahia, o governador Jaques Wagner já indicou o deputado Nelson Pellegrino para ser o candidato do PT a prefeito, o que autorizou aliados a começarem a especular sobre o impeachment de João Henrique.
Interessado em fechar uma aliança com o PMDB, o DEM também joga o prefeito ao mar: "ele que vá procurar abrigo com o governador", comentou o deputado José Carlos Aleluia, derrotado ao Senado e pré-candidato a prefeito. João Henrique negocia sua filiação com o varejo da Câmara dos Vereadores, encarregada de examinar o parecer do Tribunal de Contas. Provavelmente irá para um partido de pequeno porte e a chance maior é de que termine o seu mandato no prazo normal. João Henrique é um sobrevivente: em 2008 conseguiu se reeleger mesmo com um índice de aprovação inferior a 30% e contra PT, PSDB e DEM. Contou na ocasião com a sombra de Geddel, mas dificilmente deixará de estar exposto ao sol na eleição do próximo ano. Sua provável saída do PMDB, segundo avalia um antigo aliado no PT, deve reduzir sua influência no processo eleitoral ao ponto da que o então prefeito de São Paulo Celso Pitta exerceu na eleição de 2000.
César Felício é correspondente em Belo Horizonte. A titular da coluna, Maria Cristina Fernandes, está em férias
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