sexta-feira, 13 de julho de 2012

A imbecilização do mundo

 

Os mais celebrados mestres da culinária vanguardista, ou seja, aqueles que empregam produtos da Nestlé e figuram em uma classificação anual divulgada pela revista Restaurants (20 mil exemplares de tiragem, destinada aos refinados do mundo), acabam de encerrar em Copenhague um simpósio exaltante. Festa entre amigos, corrente da felicidade, rea­lizada à sombra do Noma, primeiro da lista da Restaurants, do chef René Redzepi. Entre as novidades apresentadas, formigas vivas nutridas com citronela e coentro, de sorte a assumir um gosto suavemente acidulado, para o agrado de todos os paladares, segundo os participantes do evento. Cuja contribuição à imbecilização global é de evidência solar.


Há atenuantes. A quem interessa ler a Restaurants qual fosse o Novíssimo Testamento ou comer formigas vivas, ou até espuminhas de camarão, a preços estratosféricos, está claro? A minoria de imbecilizados, é a conclusão inescapável, em um mundo onde a pobreza fermenta e muitos morrem de fome. Mundo capaz de grandes progressos científicos, presa, ao mesmo tempo, de uma crise econômica monstruosa, provocada pela sanha de poucos em detrimento dos demais semelhantes. Bilhões.


As atenuantes, como se vê, são medíocres, embora não exija esforços mentais brutais perceber que imbecil é quem come formigas vivas em lugar de um mero trivial. Somos o que comemos, dizem os sábios, donde a inevitabilidade das ilações quando se multiplicam as provas da cretinização global. Neste mar a vanguarda da gastronomia ao alcance dos bolsos recheados é um lambari.


O Brasil não escapa, e nem poderia. Somos uma nação vincada pela ignorância e pela prepotência da minoria reacionária, a preferir que as coisas fiquem como estão para ver como ficam e a reputar sagrada a classificação da Restaurants. Aqui manda a moda, mas, neste mar, a dita cultura de massa é o próprio vento a enfunar as velas. Sem contar a desorientação diante do mistério da vida e o medo da morte. Deixarei de falar de esperanças impossíveis. Vou para miudezas, de certa forma, para falar de situações recentes. E então, digamos, Anderson Silva.


É brasileiro o número 1 do MMA, o vale-tudo do octógono, a luta que assinala o retorno aos gladiadores. Li, pasmem, na primeira página do Estadão. Só falta o Coliseu. Também faltam os leões, mas não nos surpreenderemos se, de uma hora para outra, irromperem na arena. Os índices de audiência são altíssimos, obviamente, e haverá quem se ufane de ser brasileiro ao se deparar com a ferocidade de Anderson, nosso Hércules. E fique feliz porque a transmissão do MMA iguala o Brasil aos Estados Unidos e ao Japão. No resto dos países tidos como civilizados, a luta é proibida.


Vale recordar que a tevê nativa ostenta tradições valiosas. Por exemplo: o nosso Big Brother, ao repetir experiências globais, bate recordes de grosseria. Acrescentem-se os programas populares do fim de semana, os seguidores do Homem do Sapato Branco e os tempos da celebração da dança da garrafinha em horário nobre. Aproveito para sublinhar que a pensata “nobre” me deslumbra.


A aposta na parvoíce da plateia é constante. Inesgotável. Praticada pela mídia nativa com singular esmero, produziu o efeito de comprometer a saúde intelectual dos seus autores. Não fogem do destino inúmeros políticos, vitimados por sua própria incompetência. Permito-me escalar nestas linhas o presidente do PT, Rui Falcão, e o novo presidente da CUT, Vagner Freitas. Em perfeita sintonia, ambos anunciam sua inconformidade em relação ao possível “julgamento político do mensalão”. Peculiar visão, a dos cavalheiros acima. O processo tem e terá inevitáveis implicações políticas, e não cabe a eles exercer qualquer gênero de pressão sobre o Supremo.


Enquanto evita-se discutir com toda legitimidade uma questão premente, isto é, a inegável suspeição quanto à participação do julgamento do ministro Gilmar Mendes, Falcão e Freitas oferecem munição de graça à mídia nativa, ela mesma tão interessada em politizar o processo. Os meus melancólicos botões garantem que os políticos de antanho, vários bem mais à esquerda dos senhores citados, eram também mais espertos.Mino Carta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Que coincidência.
Acabei de ler na Folha o artigo abaixo, (copiei do Contexto Livre, e parece que falamos exatamente a mesma língua,(eu, Gilvan e Pedro)pois ontem comentei sobre isso com minha esposa.


CONTEÚDO LIVRE
http://sergyovitro.blogspot.com.br/2012/07/ator-compara-interesse-por-vida-de.html
ATOR COMPARA INTERESSE POR VIDA DE FAMOSOS À ACEITAÇÃO DO NAZISMO

PEDRO CARDOSO DEBATEU SOBRE INVASÃO DE PRIVACIDADE NO PROGRAMA 'NA MORAL', DA GLOBO
14/07/20 - DE SÃO PAULO - Folha de S.Paulo

O ator Pedro Cardoso traçou um paralelo entre a atual demanda do público por notícias sobre celebridades e a aceitação do nazismo na Alemanha, em debate sobre invasão de privacidade exibido no programa "Na Moral" (Globo), anteontem à noite.
Durante uma discussão com o fotógrafo de famosos Felipe Panfili, Cardoso tachou a profissão de paparazzi de "medíocre" e dirigiu críticas aos empregadores destes.
"Meu inimigo não é ele [o fotógrafo] ou outro que [...] ganha a vida de maneira medíocre. É o cara que contrata o serviço. O empresário que põe dinheiro numa coisa que é a minha vida particular", disse Pedro Cardoso.
Quando o apresentador Pedro Bial sugeriu que o crescimento desse nicho da imprensa seria o resultado de um interesse cada vez maior do público por esse noticiário, o ator rebateu: "Os alemães também compraram o nazismo, por esse raciocínio. A sociedade tem demandas. Nem todas as demandas da sociedade são a saúde dela".
Panfili então revelou que seus maiores clientes são um site e uma revista sobre famosos de propriedade das Organizações Globo. "Então eu estou falando da Globo", retrucou Cardoso.
O ator fez críticas também a parte da classe artística, que "não compreende esse fenômeno e acha que está sendo outra ridícula categoria: formador de opinião". Folha de S.Paulo 14/07/2012