Por Luciano Martins Costa — no Observatório da
Imprensa
Os principais jornais brasileiros não querem a Venezuela no Mercosul. Esses
mesmos jornais nunca aceitaram bem a ideia de um mercado comum regional no sul
do continente americano. Preferiram sempre o alinhamento automático com a porção
mais ao norte.
Para a imprensa brasileira, a Venezuela passou a ser a morada do demônio
desde que o presidente Hugo Chávez Frías reagiu a uma tentativa de golpe de
Estado, em 2002, e decidiu permanecer no poder enquanto encontrasse fundamentos
legais para isso. Apelando para plebiscitos e referendos, ele tenta se reeleger
pela terceira vez consecutiva no próximo mês de outubro, ao mesmo tempo em que
luta para sobreviver a um câncer.
Na terça-feira (3/7), a imprensa brasileira registra que o ingresso da
Venezuela no Mercosul foi uma iniciativa do governo brasileiro, segundo o
ministro das Relações Exteriores do Uruguai.
Estopim conveniente
A revelação de que a aceitação da Venezuela como membro pleno do bloco
regional vinha provocando tensões entre o governo uruguaio e parlamentares da
oposição indica que a declaração do ministro das Relações Exteriores em
Montevidéu tinha como plateia preferencial a política interna uruguaia, mas sua
tentativa de se justificar diante da oposição local acabou ganhando destaque na
imprensa brasileira.
Como o Brasil tem uma posição quase hegemônica na política e na economia da
região, fecha-se o círculo de uma crise que a imprensa gostosamente
alimenta.
O estilo boquirroto de Hugo Chávez e sua permanente disposição para fazer
provocações ao governo dos Estados Unidos, por meio de acordos mais ou menos
inócuos com o Irã, declarações grandiloquentes contra o capitalismo e
intervenções canhestras na política internacional, provocam incômodos até mesmo
em seus parceiros mais moderados.
Para o Brasil, o ingresso da Venezuela no bloco pode ser interessante do
ponto de vista econômico e até mesmo geopolítico, pois, integrado e cada vez
mais dependente de relações regionais, o país de Chávez tenderia a se tornar
mais disciplinado, a despeito dos discursos radicais de seu líder.
Tudo isso se depreende de notícias e artigos coletados na imprensa
brasileira, mas essa observação depende do garimpo diário nas páginas dos
jornais. Para o leitor menos atento, ficam as impressões das manchetes.
Por outro lado, observe-se o comportamento da mesma imprensa brasileira
diante da crise provocada no Paraguai pela destituição do presidente Fernando
Lugo em processo sumário de impeachment.
Inicialmente, os jornais brasileiros, brandindo a bandeira do legalismo,
deram a entender que questionavam a decisão do Congresso paraguaio – ainda que
tenham alimentado publicamente ampla antipatia pelo ex-bispo Lugo. Mas as
manifestações de preocupação com a possibilidade da volta dos golpes de Estado
às práticas políticas da região logo deram lugar a editoriais chochos e
complacentes, sinalizando que, se dependesse da imprensa brasileira, o golpe
parlamentar estaria absorvido, como
destacou Alberto Dines neste Observatório.
Agora, a manifestação do chanceler uruguaio é usada como estopim pela
imprensa para acender nova crise, revertendo a direção do vento e mudando o rumo
dos debates em torno do golpe branco que derrubou Lugo.
O articulador do golpe
Ao colocar em cena a Venezuela de Hugo Chávez, a imprensa aumenta os decibéis
das discussões, deliberadamente, para abafar as sutilezas que precisam ser
levadas em conta na análise da situação política regional.
Como não pode atacar as decisões econômicas que colocam o Brasil e, quase por
consequência, toda a região em situação mais ou menos tranquila diante da crise
mundial, trata-se de fazer ferver a panela das discussões ideológicas, onde há
muito material para controvérsias – simplesmente porque nesse caso não há
notícias, mas declarações, que podem ser selecionadas a critério dos
editores.
Mas sempre se pode achar em meio ao opiniário alguma informação mais
esclarecedora. Observe o leitor, por exemplo, a reportagem colocada no pé da
página da Folha de S.Paulo que noticia a declaração do chanceler
uruguaio sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul. Trata-se de uma entrevista
do empresário paraguaio Horácio Cartes, acusado de haver articulado a derrubada
de Fernando Lugo e apontado como pré-candidato a presidente do Paraguai.
A Folha anota que Cartes já foi vinculado ao narcotráfico em um
daqueles telegramas do Departamento de Estado americano vazados pelo
Wikileaks.
Esse é o detalhe que deveria recolocar a questão paraguaia no noticiário, mas
o leitor dificilmente vai ter essa oportunidade.
Luciano Martins Costa é jornalista e escritor, autor, entre outros
livros, do ensaio “O Mal-Estar na Globalização”, prêmio da União Brasileira de
Escritores.
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