quarta-feira, 20 de março de 2013

Joaquim Barbosa e o direito de defesa

 

O presidente do STF, Joaquim Barbosa. Foto: Gervásio Baptista/ SCO/ STF
Evito dirigir em meus artigos opiniões e comentários a pessoas específicas. A fulanização do debate público só serve à argumentação “ad hominem”, à falácia do ataque pessoal para desqualificar o interlocutor em vez de contra-argumentar.
 
 
O uso da desqualificação pessoal é absolutamente indesejado em qualquer debate sério. Os articulistas que usam costumeiramente desse recurso se caracterizam mais pelo radicalismo ideológico e pelo desejo de obter audiência do que pela seriedade de postura e argumentação.
 
 
Meu artigo de hoje, contudo, trata da fala de uma autoridade, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, sem, contudo, querer de alguma forma desqualificá-lo – até porque suas qualidades são evidentes: é um ministro honesto, probo, progressista e interessado verdadeiramente na defesa dos interesses da população mais desfavorecida.
 
Obteve notoriedade, a meu ver, por um de seus menos felizes momentos na Corte, o julgamento do “mensalão”, mas este não é o tema de hoje.
 
O ministro declarou, e a mídia em geral reproduziu com destaque, que a relação promíscua entre advogados e juízes é a causa maior das piores mazelas de nosso Judiciário, razão pela qual defende que o Juiz só deve atender o advogado quando na presença da outra parte.
 
Barbosa mostra claramente que ainda guarda visões equivocadas de seu tempo como integrante no Ministério Público.
 
Quando a relação entre juiz e advogado, ou mesmo do juiz com a parte, implica corrupção não há o que se discutir. Trata-se de crime gravíssimo, em especial quando praticado por agentes que deveriam cuidar de nossos sistema de Justiça. O mesmo se diga de tráfico de influência, também nefasto e criminoso.
 
 
A origem da preocupação de Barbosa não é desprovida de fundamento. No processo brasileiro o advogado da parte pobre e mais fraca tem muito menos condições de realizar plenamente a defesa dos direitos da parte que o advogado de um cidadão mais favorecido social e economicamente.
 
 
Ocorre que o método oferecido pelo ministro como forma de solução é tão nefasto quanto o problema corretamente identificado, qual seja suprimir o direito dado por lei ao advogado de se dirigir livremente a pessoa do juiz no gabinete ou sala de audiências. Não é tolhendo o direito fundamental à defesa e as prerrogativas profissionais dos advogados que o ministro resolverá o problema da desigualação por razão social no processo.
 
Para curar a doença, mata-se o doente. Para aperfeiçoar os procedimentos de defesa, suprime-se o direito de defesa.
 
 
O problema, em verdade, é mais complexo do que o apresentado. A desigualdade de armas no processo brasileiro não ocorre apenas entre partes pobres e partes ricas. Ocorre com muito mais frequência entre a parte Estado e a parte privada. Quando o Estado é parte que goza de prazos mais dilatados, com até quatro vezes mais tempo que o da parte privada para se defender e recorrer.
Quando o Ministério Público é parte o problema se agrava.
 
Os membros do Ministério Público têm relação de proximidade, esta sim, indevida com os membros do Judiciário. É comum nos fóruns haver o “lanche da tarde” tomado em comum pelos juízes e membros do MP.
 
Os membros do MP têm entrada livre na sala de qualquer juiz; não há pejo em manterem uma relação abertamente diferente da mantida com os advogados das partes. Num processo crime, por exemplo, essa distorção é terrível, em geral propiciando ofensas aos direitos fundamentais do réu e às prerrogativas profissionais da defesa.
 
 
Promotores só iniciam seu prazo de recurso quando tomam ciência formal das decisões em seu próprio gabinete. O processo tem de se deslocar até eles, ao contrario dos advogados que tem o prazo correndo a partir da publicação da decisão.
 
 
O MP tem vantagens mais que incisivas nos prazos de fato para recursos, no acesso cotidiano ao julgador da causa e na própria posição que ocupa fisicamente na Corte na hora do julgamento. No julgamento do “mensalão” a sociedade pôde observar que o procurador-geral da República, que era apenas uma parte a ser tratada em igualdade de condições com os réus e seus advogados, permaneceu sentado ao lado dos ministros, hábito antigo e nefasto de nossa Jurisdição.
 
 
O acesso a informações das investigações torna o membro do MP fonte privilegiada de notícias para a imprensa, em “on” ou “off”. Surge aí uma relação promíscua a influir imediatamente no resultado dos processos penais. A mídia hoje é quem condena, mais que os Juizes.
 
 
O único instrumento que sobra ao advogado para se contrapor a este terrível poder do MP-Estado parte é o do direito de pedir e argumentar livremente e diretamente ao juiz.
 
 
Confundir esse direito com corrupção não é minimamente cabível num debate efetivamente ético.
 
 
Juiz que se corrompe não o faz no Fórum de portas abertas, lugares mais discretos e mais propícios ao crime certamente são os utilizados.
 
 
Propor que os advogados só sejam recebidos com a presença da outra parte é submeter o exercício pleno da defesa ao desejo do Ministério Público que acusa. Só quando o membro do MP tiver vontade e disponibilidade de agenda o advogado poderá ter contato com o juiz da causa, enquanto este mesmo membro do MP lancha com este mesmo juiz todo dia.
 
A amizade pessoal entre juízes e membros do MP e da advocacia não implica desonestidades. Manter o juiz afastado da vida social fortalece uma das maiores formas de submissão dos interesses públicos aos privados em nosso país, o corporativismo.
 
O ministro não agiu com seu costumeiro acerto quando fez essas declarações. A nosso ver deveria rever seu ponto vista. Suas preocupações são legítimas, mas o remédio proposto agrava o problema ao invés de solucioná-lo.
 
Pedro Estevam Serrano-CartaCapital
 

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