Dois bons exemplos vindos da Inglaterra reforçam o quanto ainda estamos atrasados em relação à regulamentação dos meios de comunicação no Brasil.
O primeiro deles é a decisão dos três principais partidos da Grã-Bretanha de elaborar uma nova lei para regulamentar a mídia impressa no país, a exemplo do que já ocorre com o setor de radiodifusão.
O segundo refere-se à prisão de quatro jornalistas ingleses do Mirror Group Newspaper, acusados de terem cometido crimes no exercício da atividade profissional.
Os dois eventos estão ligados aos escândalos envolvendo o império midiático do magnata Rupert Murdoch, que revelaram os métodos pouco ortodoxos utilizados pelo jornal de sua propriedade, o News of the World, fechado em 2011.
Os jornalistas em questão eram colaboradores do grupo de comunicação de Murdoch e estão arrolados no inquérito que investiga a interceptação de mensagens eletrônicas que teria atingido diversas personalidades inglesas, inclusive e membros da família real britânica.
Não apenas a prisão desses profissionais em Londres, mas toda a repercussão do caso e suas consequências contrastam com a forma com que processos semelhantes são tratados no Brasil.
Para ficarmos no mais recente, o caso Policarpo-Cachoeira é exemplar desta diferença. Mesmo com farto material obtido pela Polícia Federal durante as investigações da operação Monte Carlo, apontando a estreita ligação entre o contraventor Carlos Cachoeira e o editor-chefe da revista Veja em Brasília, Policarpo Jr., colocou-se uma pedra sobre o assunto. E havia indícios robustos de existência de forte influência do bicheiro em pautar a publicação, depondo contra os métodos de apuração empreendidos.
Na Inglaterra, o caso Murdoch serviu para explicitar a ineficiência da autorregulação - defendida pelos barões da mídia brasileira - e estimular a retomada do debate sobre a necessidade de formação de um órgão regulador independente para a mídia impressa naquele país.
O juiz responsável pelo caso, Brian Leveson, apontou o sofrimento causado a pessoas cujos direitos e liberdades foram desprezados e recomendou expressamente a regulação de jornais, revistas e sites britânicos.
Diferentemente do que acontece por aqui, no Reino Unido as discussões avançaram e, no início desta semana, os três principais partidos políticos chegaram a um acordo para elaborar uma nova lei de regulação da mídia impressa, estabelecendo um órgão regulador independente com poder para multar e impor correções às publicações, quando apropriado.
A proposta, que deverá ser encaminhada em breve ao Parlamento britânico, prevê um sistema voluntário de adesão, mas quem não aderir ao novo órgão estará sujeito a leis exemplares em caso de conduta irregular. Pesquisas indicam que a maioria da população é a favor da iniciativa.
É evidente que o novo projeto ainda sofrerá forte pressão dos impérios midiáticos de lá, mas o fracasso da autorregulação está posto e, hoje, Parlamento e sociedade buscam abertamente, sem o falso argumento de que regulamentar significa censurar, criar instrumentos que possam democratizar a informação e barrar a impunidade.
Outro país que se mostra disposto a regulamentar as comunicações e a enfrentar os cartéis midiáticos é o México. Recentemente, o governo do presidente Enrique Peña Nieto apresentou uma proposta de reforma das telecomunicações, que deverá reduzir a hegemonia de gigantes como a América Móvil e a Televisa.
Hoje, esses dois grupos e a TV Azteca dominam 96% do mercado de telecomunicações, sendo que a Televisa, sozinha, detém 70%. A proposta prevê a abertura do mercado para a entrada de duas novas redes de transmissão digital, além de um canal estatal com programas educacionais e culturais.
O projeto do governo mexicano, que também propõe mudanças significativas em relação à telefonia e internet e a criação de um órgão regulador, está tramitando de forma tranquila e com um apoio sem precedentes dos principais líderes políticos do Congresso mexicano.
Enquanto o Reino Unido e o México, a exemplo de outros países democráticos do mundo, avançam em busca de comunicações mais democráticas, no Brasil, o debate continua esvaziado e enviesado, devido, principalmente, ao interesse dos grandes grupos de comunicação, que pretendem, a todo custo, manter o monopólio do setor.
Sempre que se tenta avançar na questão, promovem propositadamente a confusão entre regulamentação e controle de opinião, alegando supostos prejuízos à liberdade de expressão, o que é um despropósito.
O grande prejuízo será continuarmos sem qualquer mecanismo que imponha limites à concentração e à propriedade cruzada dos meios de comunicação, sem a garantia de que o direito de resposta e imagem - previstos pela Constituição - sejam de fato assegurados.
Aqui, infelizmente, o que avança é o monopólio. O capital estrangeiro começa a chegar ao Brasil para disputar o mercado de TV a cabo e via satélite, por meio da operadora americana Dish TV, do grupo Hughes, de propriedade do bilionário Charles Ergen.
Assim, enquanto os conglomerados se consolidam, abarcando quase 80% de toda a verba publicitária e impondo cada dia mais conteúdos de interesse político e religioso às suas programações, a questão continua sem o enfrentamento adequado e necessário.
Não podemos mais contemporizar. Está claro que a regulamentação é, sobretudo, um mecanismo de defesa da democracia da sociedade contra os abusos do poder da mídia.
Estão aí inúmeros exemplos, como o de Rupert Murdoch na Inglaterra, a nos mostrar a necessidade de regras claras a fim de evitar os excessos, democratizar o acesso à informação e impedir o domínio do poder econômico sobre os meios de comunicação.
Não há argumento que suplante a urgência de o Brasil, a exemplo do que estão fazendo a Inglaterra e o México, enfrentar a questão, descortinando a hipocrisia daqueles que se negam a aceitar qualquer tipo de regra ou ação normativa.
A regulamentação dos meios de comunicação é um instrumento absolutamente imprescindível para que possamos continuar avançando no processo de grandes mudanças sociais que marcaram nosso país nos últimos dez anos.Blog do Dirceu
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