Penso que um dos grandes embrulhos ideológicos do pessoal da direita passa pela sua absoluta convicção de que o individual vale mais do que o social. Essa tese despreza o coletivo como agente, mas adora vê-lo como paciente - alienado e inerte. A direita cultua personalidades, valorizando os “que se fazem por si mesmos”, os “empreendedores”, os “que fazem diferença”. Ela precisa disso para justificar os bilionários, os especuladores, os banqueiros e todos os que, no mundo do capital, são apresentados como pessoas únicas, diferenciadas, até beneméritas. Afinal, o que seria desse bando de empregados sem essa elite de empregadores?
Na ânsia de se promover o sucesso individual a uma categoria paradisíaca, não raro se elevam nulidades à condição de mitos, privilegiando – bem ao gosto dos tempos que correm – narcisismos e egocentrismos, que fogem do social como o diabo, se existisse, fugiria da cruz...
Acontece que os ídolos, esses super-heróis que povoam os noticiários do cotidiano, podem ter – e não raro têm , porque sua natureza é humana – momentos de “pés de barro”. Aí, é preciso um esforço incrível da turma para desconstruir o que construiu, às vezes com sofismas, meias verdades, manipulações e omissões. Quem conhece bem a história recente da terra do Super-Homem, do Batman, do Homem-Aranha, do Homem de Ferro, do Indiana Jones, do Rambo, do Rocky e similares sabe das alianças que o império estadunidense manteve , ao sabor de conveniências econômicas, com diversos ditadores que, não mais que de repente, de grandes líderes mitificados foram transformados em agentes do mal. Para ficar apenas em dois exemplos marcantes, é só estudar a trajetória de um Saddam Hussein , de um Bin Laden, e suas ligações com os EUA.
Quando estava pensando nesse tema, me veio à lembrança uma canção entoada pela Marina (a cantora, não a Silva) e de autoria do Erasmo Carlos, chamada “Mesmo que seja eu” ( Veja o vídeo ) O contexto da letra da composição nada tem a ver com meu assunto aqui, mas um dos seus versos (“Um homem pra chamar de seu”) me pareceu um bom título para este artigo. A direita, nacional ou planetária, precisa sempre de um homem – às vezes uma mulher – para chamar de seu (sua). E é tal essa sua “crença”, que mitifica a torto e a direito. A ironia é que faz isso até para denegrir. Entre nós, ela quer que se acredite que o Brasil recente só trilhou os caminhos que trilhou porque um homem cheio de defeitos , mas “carismático”, conduziu os brasileiros. Não acredita em forças sociais. Por isso, atribuiu à Dilma (que não tinha “carisma”) a condição de “poste”, e está se dando mal, pois o que o povo valoriza hoje no país, queiram ou não, é muito mais uma política voltada para o combate às injustiças , mesmo com eventuais desacertos, do que esta ou aquela personalidade. Os índices de popularidade da Presidenta vêm de um continuado trabalho de muitos e que atende a anseios coletivos, mas nunca do exercício solitário de um comando.
A direita repete, agora, esse mantra do “poste” no caso da Venezuela. Convenientemente cega diante dos índices de redução das desigualdades naquele país, atribui o “bolivarismo” ao fato de um “populista demagogo” ter empalmado o poder. Para ela, não há conquistas a garantir, o povo é uma abstração, e como Maduro não é um Chávez, será fácil à turma do capital recuperar o comando. Será? É o que vamos ver. Nada como os fatos para contrariar os desejos...
A “metodologia do endeusamento” adora criar falsos heróis, amplificados pela mídia, para esconder o sistema que os cerca ou que eles representam. É por isso que as eleições na pátria do individualismo, por exemplo, não se definem pelas ideias , mas pelas pessoas. Uma cara simpática, uma família bonita e aparentemente bem constituída, coisas assim elegem presidentes... E aí está Obama - cheio de aparentes boas intenções, mas imobilizado por forças bem superiores às de um indivíduo - que até agora não foi para frente nem pra trás, muito pelo contrário...
O caso da eleição do Papa é emblemático. Como não consegue , ou não quer conseguir, enxergar o estrutural, o coletivo, a mídia que representa esse pensamento repercute, amplia e supervaloriza os mais simples atos do novo mito, para muitos um jogo para a plateia alienada, como ensina a boa e velha demagogia. É como se quisessem impregnar nas mentes a ideia de que, agora sim, temos (?) Papa... Mas será que um homem (falível ou infalível, não entro nessa) conseguirá, com suas quebras de protocolo, reverter os tortuosos caminhos de uma Igreja que tem, hoje, muitos de seus mais altos representantes envolvidos em diversos pecados capitais? Implantará a “ficha limpa” no Vaticano? Estão aí, nesse festival de “malfeitos” que hoje não dá mais para esconder, escândalos de luxúria (pedofilia), ganância (Banco do vaticano), inveja (disputas pelo poder), etc.
A direita assanhada já tenta emplacar o novo Papa como “um homem pra chamar de seu”. Imagina-o como contraponto ao que chama de “governos populistas”. Acho que, para variar, está dando um tiro no pé. O ídolo pode ter os pés de barro. Outros, que ocuparam o seu posto, já tiveram... Muitas mudanças já se fizeram na Igreja...para deixar tudo igual. E aí se desconstruirá mais um mito. Mas, por outro lado, pode ser que o simpático Papa resolva efetivamente fazer com que a Igreja se volte para os pobres do mundo. Se isso acontecer, ele não poderá jamais trilhar o mesmo caminho dos adoradores do mercado, dos especuladores, dos exploradores do povo. E a direita terá que buscar, mais uma vez, um representante para chamar de seu...
Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação.
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