Autor: Miguel do Rosário
(A executiva Kely Alves, 41, com a babá de seus três filhos, a filipina Realiza Santandan, 42)
Eu vivo repetindo para meus amigos que não sou comunista. Nem socialista.
Nos tempos de faculdade, escapei desses rótulos me autointitulando
anarquista, a saída mais confortável para quem não sabe o que é.
Tenho dito que sou apenas um cidadão que acredita em democracia, em
justiça social, que vê o Estado como um instrumento para reparar a nossa
grotesca desigualdade social.
Sou naturalmente um apaixonado pelas histórias de luta da classe
trabalhadora, desde os plebeus romanos, até as marchas dos operários das
minas de carvão da Inglaterra, que invadiam as cidades, braços dados,
exigindo controle do preço do pão. E um estudioso de todas as revoluções
sociais: a russa, a francesa, a americana, a cubana, etc.
Provavelmente tenho o que chamam de “identificação de classe”, incentivado pela modéstia do meu saldo bancário.
Às vezes, por provocação, digo que sou um capitalista “de esquerda”
(uma vez falei isso a um antiesquerdista – sou amigo ao menos de um cara
assim, talvez por ser ele também antitucano e antimídia – e a sua
namorada, que o acompanhava, rebateu imediatamente: “são os piores!”)
Enfim, considero-me um pacato capitalista progressista, se é que isso
faz algum sentido, cheios de ambições pequeno burguesas. Quero comprar
um bom apartamento, viajar o mundo, beber bons vinhos, ganhar dinheiro
(honestamente, óbvio), conquistar meu tempo para ler muitos e muitos
livros. Quero fazer tudo isso e morar num país com justiça social, sem
crianças vagando famintas pelas ruas, com um regime democrático
autêntico. Essa é a minha razão de votar na esquerda.
Mas não adianta. Os amigos me lançam olhares risonhos, incrédulos, continuam a me tratar como um comunista.
Meus familiares, então, receio que alguns me achem um bolchevique
sanguinário. Tudo por culpa, provavelmente, dessa cultura autoritária
típica de todo continente americano, de norte a sul, em que qualquer
escrúpulo social é tachado de degeneração jacobina. Até Obama é acusado,
pelos radicais, de ser um vermelho. E não só por americanos. O
brasileiríssimo Olavo de Carvalho também acha.
Eu não dou a mínima para o que pensam de mim. Uso um chaveiro do
partido comunista apenas porque o acho bonito e prático (vem com abridor
de garrafinhas longneck), e prefiro mil vezes que pensem que sou
comunista do que, por exemplo, um neonazista. Ou um coxinha.
De fato, nunca estaria numa manifestação em que se pede intervenção
militar, ou em que alguém, do alto do carro de som, manda Montesquieu
tomar naquele lugar; não admitiria participar de algo assim nem que
essas pessoas estivessem lá no final da passeata e eu no início.
Se alguém um dia me vir num protesto assim, pode me mandar internar, pelo amor de deus, que o caso é grave.
No entanto, ao ler a matéria abaixo, da Folha, sobre a importação de
domésticas das Filipinas, passo a me entender um pouco mais, e também
porque as pessoas me associam, com tanta desenvoltura, a certas
ideologias.
Separei algumas frases:
- As babás filipinas são tipo os médicos cubanos, mas sem pagar pedágio para o Fidel.
(…) O casal morou 11 anos fora, em vários países. No último posto, Brunei, tinham uma empregada filipina. “[Ela] Era incrível, fazia compras, limpava, cozinhava e dirigia. Ela até lavava o carro!”, conta. “No Brasil, babá é só babá, cozinheira só cozinha e empregada só limpa.”
- (…) o povo filipino gosta de servir.
*
Diante dessa burguesia escravocrata brasileira, determinada a transmitir aos filhos esses valores (disseminados amplamente em nossas novelas), de que existem pessoas nascidas exclusivamente para lhes servir, como escravos domésticos, eu sinto vontade de rasgar meus moderados escrúpulos pequeno burgueses e gritar, com toda a força dos meus pulmões:
– Viva la revolución!
*
Reproduzo abaixo, para registro histórico.
Na Folha.
Empresa ‘importa’ babás e domésticas das Filipinas para o Brasil
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO
10/05/2015 02h00
“Good morning Liza! Milk, please”. É assim que os filhos da executiva
Kely Alves, 41, conversam com sua babá filipina no café da manhã.
Realiza Santandan, 42, começou a trabalhar em outubro do ano passado
na casa de Kely, na zona oeste de São Paulo. Liza não fala português. As
crianças, de 10, 4 e 2 anos, não falam muito inglês.
“A língua é o de menos: passaram mais de dez babás por aqui e nenhuma
dava certo, porque ficavam de má vontade”, conta Kely. “A Liza está
sempre bem humorada e eu preciso até pedir para ela parar de trabalhar; o
povo filipino gosta de servir.”
Com dificuldade para encontrar empregadas que aceitem dormir no
serviço, famílias de classe média alta estão trazendo domésticas das
Filipinas.
(Adriano Vizoni/Folhapress. A filipina Amy Villariez, 33, com a patroa Thalita Assis, 35)
A agência Global Talent já trouxe 70 filipinas para trabalharem de
babá, empregada ou cozinheira. A empresa cuida da seleção das mulheres
em Cingapura e da papelada no Ministério do Trabalho.
As filipinas entram no Brasil com visto de trabalho válido por dois
anos, renováveis por mais dois, e ganham de R$ 1.800 a R$ 2.000 por mês.
O contratante paga R$ 6.000 para a agência e a passagem da empregada.
Os patrões garantem cumprir a legislação, com limite de oito horas de
trabalho por dia, folgas e benefícios como o INSS.
“A maioria dos que contratam são expatriados que querem uma empregada
que fale inglês e brasileiros que moraram fora”, diz Priscila Rocha
Leite, sócia da agência Home Staff, que oferece o serviço da Global
Talent para as clientes da sua agência.
“As babás filipinas são tipo os médicos cubanos, mas sem pagar pedágio para o Fidel.”
O país tem tradição de exportação de mão de obra para trabalhos domésticos –são 10 milhões de filipinos no mundo todo.
“Aqui o salário é melhor, consigo mandar mais dinheiro para minha
família”, diz a filipina Amy Villariez, 33, que trabalha desde dezembro
para uma família no Rio. Ela sustenta a filha de nove anos e a mãe na
terra natal.
Quando morava em seu país, Amy trabalhava em um supermercado e
ganhava US$ 200 por mês. Depois, mudou para Cingapura para trabalhar de
babá. Tinha lá só uma folga por mês e não podia nem pôr o celular para
carregar, porque os patrões reclamavam do gasto de energia.
Não podia usar o wi-fi, então “roubava” a senha do vizinho. Só comia o
que sobrava e ganhava US$ 300 por mês. No Brasil, Amy ganha R$ 2.000,
mais R$ 100 por sábado, e folga todos os domingos. Todo mês, manda US$
200 para casa.
“É uma vantagem minhas filhas crescerem falando inglês e acho que
estou ajudando a Amy a melhorar a vida dela também”, diz Thalita Assis,
35, advogada, que vive com o marido, executivo da Shell, as filhas
gêmeas de um ano e Amy na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio.
O casal morou 11 anos fora, em vários países. No último posto,
Brunei, tinham uma empregada filipina. “[Ela] Era incrível, fazia
compras, limpava, cozinhava e dirigia. Ela até lavava o carro!”, conta.
“No Brasil, babá é só babá, cozinheira só cozinha e empregada só limpa.”
REGULAMENTAÇÃO
A importação de empregadas filipinas se tornou possível desde uma
regulamentação de 2012 do Ministério do Trabalho, que permite a
contratação de mão de obra estrangeira por pessoas físicas, e não apenas
empresas.
O ministério ainda não tem dados exatos sobre empregadas filipinas no
Brasil. Segundo Aldo Cândido, coordenador-geral de imigração no
Ministério do Trabalho, o empregador precisará pagar todos os encargos,
até o FGTS, quando for regulamentada a nova PEC das domésticas.
Leonardo Ferrada, 29, sócio da Global Talent, está fechando um acordo
para importar mão de obra filipina para hotéis, de olho na Olimpíada de
2016 no Rio.
Tijolaço.
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