terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Tecendo o novo ano

 

Ao final do ano, é natural que cada um de nós formule, ainda que internamente, seus votos para o ano que entra. Nào deixa de ser uma convenção porque, na realidade, essa esperança por coisas melhores é algo que nos persegue a cada dia, a cada minuto. De qualquer forma, essa passagem temporal acaba assumindo importância especial, talvez porque seja um momento em que o congraçamento, a aproximação entre as pessoas, parece fortalecer os desejos , conferindo-lhes um ar de concretizacão possível, uma espécie de ”agora sim, vamos conseguir”.

 

Sempre me vêm à lembrança, nesta época, os versos do poema ”Cartão de Natal”, de João Cabral de Melo Neto, nos quais o poeta pernambucano constrói uma inusitada comparação entre os votos natalinos e as esperanças juvenis dos estudantes que, ao início de cada ano letivo, se comprometem internamente a “começar caderno novo”, uma metáfora para uma atenção mais efetiva para com as atividades escolares. Quem passou pelos bancos escolares sabe como é difícil manter esse desígnio, diante do universo de atividades sedutoras que convidam a “deixar para depois “ os compromissos com o estudo. Da mesma forma, o dia a dia do novo ano, com suas obrigações, atribulaçõoes, surpresas e contratempos, acaba por contribuir para que sejam sempre adiadas as boas intenções originais.

 

Mas, felizmente, a persistência é uma das virtudes humanas responsável por seu avanços e conquistas. E é por isso que eu também faço agora meus votos, resumo de esperanças para 2013. Omito os de âmbito estritamente pessoal, porque soariam como pouco originais e muito egocêntricos: afinal, todos desejamos a própria felicidade e a daqueles a quem queremos bem.

 

Anseio por um mundo sem guerras, algo que, embora talvez pareça óbvio, a Humanidade até hoje não conseguiu alcançar – provavelmente por estar ainda na sua pré-história em termos de evolução . Uma amoral indústria bélica que sustenta ideias imperialistas, aliada a dogmas cujo radicalismo chega ao fanatismo, tem impedido que sequer nos aproximemos dessa realidade. A questão religiosa, que é o pano de fundo (falso) para conflitos de motivação econômica, é também uma prova desse nosso estágio civilizatório rudimentar. Se já é tão difícil acreditar na existência de um Deus que comande esse descalabro, imagine-se essa pulverização da divindade sustentada por fundamentalismos que dividem os dois hemisférios do planeta. E já que é para sonhar com novos rumos, o bom seria que a religião, se tiver que existir, refreie seu lado perverso, fazendo predominar unicamente as mensagens de comunháo e amor ao próximo, que, nas origens, inspiram todos os credos.

 

Ainda em termos planetários, a esperança vai para a extinção de todos os regimes antidemocráticos, os escancarados por ditaduras e os disfarçados de democracia, iinclusive falsas primaveras, que , em realidade, têm servido de sustentação para a perpetuação de cruéis desigualdades sociais.

 

Quanto aos valores que hoje comandam o mundo, os desejos se encaminham para a redução da valorização do individual , do consumismo, da mentalidade mercadológica que avalia as pessoas pelo que têm e não pelo que são. Dirigem-se também para o fim dos preconceitos de qualquer natureza – étnica, sexual, de gênero ou de status social - , inconcebíveis para uma espécie que se pretende civilizada. Quanto maior o número de ações afirmativas que pretendam combater discriminações, mais o homem se aproximará de um estágio que justifique o verdadeiro milagre que lhe permite distinguir-se entre os seres com os quais convive.

 

Para o Brasil, especificamente, e dentro dessa perspectiva maior, esperamos que o país prossiga em sua escalada no sentido da redução das desigualdades, com projetos e programas sociais de grande alcance, a despeito de todo o mau agouro dos abutres de sempre. Que o nosso país continue a destacar-se no concerto das nações, mantido o respeito que granjeou no cenário internacional. Que a educação e a saúde imponham-se como metas prioritárias, apesar dos tubarões do ensino e dos vorazes planos de saúde que proliferam por aí. Que o poder executivo se mantenha na posição republicana e estadista que vem revelando, atuando nos pontos críticos verdadeiros e reagindo a crises pré-fabricadas. Que a composição do poder legislativo passe por uma reforma política capaz de retirá-lo da indigesta posição que vem ocupando , de instituição menos acreditada no país. Que o poder judiciário venha a comprovar sua nunca antes tão propalada vocação pela construção da justiça, com atitudes que desnudem outros escândalos nacionais – o mensalão do PSDB mineiro, a Privataria Tucana, os Arrudas , Demóstenes, Cachoeiras e Dias da vida, comprovando, assim, que não vem agindo casuisticamente, contrariando a tradição jurídica em função de propósitos políticos. Finalmente, que o nosso sistema midiático passe por mecanismos de controle da sociedade, que não lhe permita a manipulação , a parcialidade e a hipocrisia de alimentar-se de concessões e verbas públicas para dinamitar os interesses do povo.

     

Embora utópicas como expectativas imediatas, são essas as nossas esperanças, que dividimos com os leitores, lembrando, ainda com versos de João Cabral de Melo Neto, mas em outro poema, que ”um galo sozinho não tece uma manhã” e que, por isso, é na força das ações coletivas que , no Brasil e no mundo , algumas dessas esperanças podem se transformar em algo real.

 

Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.Direto da Redação

   

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