''Os donos do capital incentivarão a classe trabalhadora a adquirir, cada vez mais, bens caros, casas e tecnologia, impulsionando-a cada vez mais ao caro endividamento, até que sua dívida se torne insuportável'', profetizou Karl Marx, em 1867. O mercado jamais levou seus aforismos a sério. Após 150 anos, Nouriel Roubini chega à mesma conclusão quando convidado a explicar a crise cada vez maior nos mercados e economias do planeta.
''Não são uma crise de crédito ou muito menos a desaceleração econômica as causadoras do problema. Ambas são sintomas de uma correção mais ampla no consumo mundial, algo inevitável após o acúmulo tão grande de dívidas entre 2001 e 2007'', afirma. Roubini usa o termo ''desmanipulação'' do consumo. ''O que observamos no último tempo - destaca - não é apenas o desinflar da bolha de crédito, criada por capitais manipulados (quer dizer, endividamento) dos bancos. É uma ''desmanipulação'', em larga escala, de um modelo de vida. Durante longos anos, os consumidores contraíam dívidas para adquirirem equipamentos elétricos, automóveis, casas, férias e outros bens'', diz.
''Por sua vez, as empresas e os mercados basearam-se nesta demanda ignorando os alicerces (de crédito) podres. Este superendividamento dos consumidores, os bancos alimentavam com capitais ''manipulados'', e surgiu a bolha no mercado norte-americano de imóveis'', continuou. Este foi o motivo que fez com que o professor até então relativamente desconhecido da Universidade de Nova York fosse o primeiro a prever a iminente crise.
''Por isso os bancos não são os únicos responsáveis pela falta de fluxo de liquidez no mercado. Atrás de tudo isso oculta-se a grande ''desmanipulação'' do consumo, que deixa produtos nas prateleiras e depósitos, sem venda, resultando no fato de as empresas suspenderem seus planos de expansão e não buscarem financiamentos nos mercados de crédito'', ressaltou. De acordo com Roubini, ''são os próprios consumidores que retiram seus recursos do consumo e os ''estacionam'' em contas de poupança, e os bancos hesitam atirá-los para a economia real, preocupando-se com a própria suficiência de capital. Isto é, sua possibilidade para cobrir as obrigações de resgate de seus próprios empréstimos''.
''A própria ''desmanipulação'' do consumo, revelada grande pela contração do Produto Interno Bruto (PIB) de duas superpotências exportadoras no quarto trimestre, a do Japão em 12,7% e a de Taiwan em 8,36%, oculta-se também atrás da correção das bolsas de valores'', afirma Roubini. E destaca que ''o mergulho do indicador Dow Jones abaixo das 7.500 unidades comprova que o mercado começa gradualmente a reconhecer a ''desmanipulação'' do consumo''. Paralelamente, diz que ''começa a perceber que Washington não está disposta a distribuir dinheiro público sem pensar''.
Os pontos obscuros do revisado plano de ajuda aos bancos norte-americanos, anunciado há cerca de 20 dias pelo secretário do Tesouro dos EUA, Timothy Geithner, dizem respeito às hesitações do governo Obama de liberar mais dinheiro público para salvar ''papéis queimados''. ''Se o ativo dos bancos norte-americanos fosse desvalorizado com base nos atuais preços no mercado, a maioria deles seria tomadora de empréstimos de alto risco e rumaria para a falência'', comentou Roubini.
Por isso, ele recomenda ao governo Obama estatizá-los com base nos preços atuais de mercado, e assim sanear de forma mais indolor possível seus ativos dos produtos de investimentos e empréstimos tóxicos, e em seguida privatizá-los novamente. ''O capitalismo selvagem do Ocidente fracassou, e por isso o day after deve encontrar os governos dispostos a adotarem medidas drásticas, fora das restrições de doutrinas e percepções e que tenham como finalidade única o enfrentamento da crise'', diz.
''Neste sentido, a Europa, diferenciada do modelo financeiro anglo-saxão, pode desempenhar papel de liderança. Basta encontrar saídas para os seus sérios problemas. A crise é o primeiro teste essencial de resistência da Zona do Euro'', estabelece Roubini.
E, conforme destaca, ''muitos países possuem um setor bancário muito maior do que podem salvar sozinhos, e isto constitui o maior problema para a sobrevivência da União Monetária. O aumento de custo do endividamento para muitos países da Zona do Euro aumenta as pressões para a saída de vários deles da Zona do Euro''. Esta perspectiva pode parecer distante por ora, ''mas se a médio prazo algo não mudar, a dissolução da Zona do Euro não deve ser excluída'', sentencia Roubini, encerrando esta entrevista.
Monitor Mercantil
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