DE ABRIL DE 2009
As colaborações do Grupo Folha com a ditadura militar (1964-1985) foram além do já revelado apoio logístico. Durante o período de maior repressão do regime, José Ramos, da Folha da Tarde, era o repórter da confiança do Dops (Departamento de Ordem Pública e Social), um dos mais temidos órgãos da repressão, e sugeria a presos políticos que delatassem seus companheiros.
Por André Cintra
Veiga denuncia repórter da "Folha" Ramos fazia plantão no Dops, à espera de notícias sobre captura de militantes da luta armada. Tinha acesso ao transporte de presos políticos — invariavelmente em peruas do Grupo Folha, que serviam como fachada para diligências da Oban (Operação Bandeirantes). Mesmo se apresentando aos presos como jornalista, estimulava-os “a abrir a boca para os torturadores”.
“Ele era o setorista da Folha dentro do Dops — aliás, o único setorista aceito — e me disse que sabia o que podia acontecer comigo. Então ele chegou até mim e disse: ‘Acho melhor você falar’”, lembra o jornalista e escritor Rui Veiga, ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional). “Ele praticamente iniciou o meu processo de tortura”, agrega o ex-preso político, em depoimento exclusivo ao Vermelho.
O Dops, no período, tinha na linha de frente o delegado Sérgio Paranho Fleury, ex-líder do Esquadrão da Morte e um dos torturadores mais frios e truculentos do regime. “Para me pressionar, ele (José Ramos) dizia: “Quem vai te pegar é o Fleury”, conta Veiga.
O ex-preso político falou ao Vermelho em 18 de abril, na antiga sede do Dops, onde hoje funciona o Memorial da Resistência. No mesmo dia, outro ex-integrante da ALN — que prefere não se identificar — relatou ter visto José Ramos numa ação da Oban, mas evitou contato.
O Vermelho também apurou que denúncias de colaboracionismo de repórteres já chegaram à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Uma das funções da comissão é avaliar pedidos de indenização da União feitos por vítimas da ditadura.
Confira abaixo trechos da entrevista de Rui Veiga ao Vermelho
Como você aderiu à luta armada?
Eu entrei em 1967 na ALN, no racha com o Partido Comunista (ex-PCB). O (líder da organização, Carlos) Marighela era muito próximo do meu pai. Um tio meu, Rolando Frati — que foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano (Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969) — era o segundo nome da ALN. Minha atuação política se originou em casa, portanto — na família mesmo.
Você ficou preso no DOI-Codi e no Dops?
Na verdade, não se chamava DOI-Codi ainda — era Oban. Passei 43 dias na Oban e fui levado depois para o Dops, onde passei 38 dias.
Por que você foi preso? Quais eram as acusações “oficiais”?
Estou registrado como preso para “averiguações”. Havia três acusações contra mim. Uma delas, muito específica, é o assalto ao supermercado Morita da Saúde. A outra era o fato de eu ser ligado à ALN — e depois descobriram que eu era sobrinho de um dos presos políticos trocados pelo embaixador. A terceira coisa era que eles achavam que eu era o coordenador do setor de explosivos da ALN. Eu fazia parte do comando de combate, do GTA (Grupo Tático Armado).
Você foi transportado em perua do Grupo Folha?
Isso foi depois — só quando me levaram da Oban para o Dops. Dentro do carro, havia um repórter da Folha.
E você o conhecia, sabe qual era o nome dele?
Era o José Ramos. Ele era o setorista da Folha dentro do Dops — aliás, o único setorista aceito — e me disse que sabia o que podia acontecer comigo. Então ele chegou até mim e disse: “Acho melhor você falar”.
Ele o aconselhou a delatar seus companheiros à repressão, dar a localização dos pontos?
Ele queria me convencer a abrir a boca para os torturadores, delatar e tudo o mais. “Porque senão vai ficar muito chato para você, muito difícil para você”, ele disse.
Era uma forma de tortura psicológica...
Sim, ele praticamente iniciou o meu processo de tortura. Para me pressionar, ele dizia: “Quem vai te pegar é o Fleury”. Ele já sabia como as coisas funcionavam no Dops.
Dá para dizer que ele tinha um envolvimento com o regime, uma afinidade?
Ele estava muito envolvido. Se você procurar outras pessoas, vai ouvir a mesma coisa. Ele conversou com muita gente nos carros da Folha.
Você chegou a rever esse repórter?
Sim, claro. Eu o vi várias vezes depois disso
Chegou a encontrá-lo logo após sua passagem pelo Dops?
Eu perdi o contato com ele depois. Fui vê-lo na própria Folha, onde nós trabalhamos juntos.
Vocês conversaram a respeito desse episódio do transporte ao Dops?
Não, preferi evitar. Os tempos eram outros e ainda havia resquícios do período da grande repressão. O AI-5 ainda funcionava praticamente.
As colaborações do Grupo Folha com a ditadura militar (1964-1985) foram além do já revelado apoio logístico. Durante o período de maior repressão do regime, José Ramos, da Folha da Tarde, era o repórter da confiança do Dops (Departamento de Ordem Pública e Social), um dos mais temidos órgãos da repressão, e sugeria a presos políticos que delatassem seus companheiros.
Por André Cintra
Veiga denuncia repórter da "Folha" Ramos fazia plantão no Dops, à espera de notícias sobre captura de militantes da luta armada. Tinha acesso ao transporte de presos políticos — invariavelmente em peruas do Grupo Folha, que serviam como fachada para diligências da Oban (Operação Bandeirantes). Mesmo se apresentando aos presos como jornalista, estimulava-os “a abrir a boca para os torturadores”.
“Ele era o setorista da Folha dentro do Dops — aliás, o único setorista aceito — e me disse que sabia o que podia acontecer comigo. Então ele chegou até mim e disse: ‘Acho melhor você falar’”, lembra o jornalista e escritor Rui Veiga, ex-militante da ALN (Ação Libertadora Nacional). “Ele praticamente iniciou o meu processo de tortura”, agrega o ex-preso político, em depoimento exclusivo ao Vermelho.
O Dops, no período, tinha na linha de frente o delegado Sérgio Paranho Fleury, ex-líder do Esquadrão da Morte e um dos torturadores mais frios e truculentos do regime. “Para me pressionar, ele (José Ramos) dizia: “Quem vai te pegar é o Fleury”, conta Veiga.
O ex-preso político falou ao Vermelho em 18 de abril, na antiga sede do Dops, onde hoje funciona o Memorial da Resistência. No mesmo dia, outro ex-integrante da ALN — que prefere não se identificar — relatou ter visto José Ramos numa ação da Oban, mas evitou contato.
O Vermelho também apurou que denúncias de colaboracionismo de repórteres já chegaram à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Uma das funções da comissão é avaliar pedidos de indenização da União feitos por vítimas da ditadura.
Confira abaixo trechos da entrevista de Rui Veiga ao Vermelho
Como você aderiu à luta armada?
Eu entrei em 1967 na ALN, no racha com o Partido Comunista (ex-PCB). O (líder da organização, Carlos) Marighela era muito próximo do meu pai. Um tio meu, Rolando Frati — que foi um dos presos políticos trocados pelo embaixador americano (Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969) — era o segundo nome da ALN. Minha atuação política se originou em casa, portanto — na família mesmo.
Você ficou preso no DOI-Codi e no Dops?
Na verdade, não se chamava DOI-Codi ainda — era Oban. Passei 43 dias na Oban e fui levado depois para o Dops, onde passei 38 dias.
Por que você foi preso? Quais eram as acusações “oficiais”?
Estou registrado como preso para “averiguações”. Havia três acusações contra mim. Uma delas, muito específica, é o assalto ao supermercado Morita da Saúde. A outra era o fato de eu ser ligado à ALN — e depois descobriram que eu era sobrinho de um dos presos políticos trocados pelo embaixador. A terceira coisa era que eles achavam que eu era o coordenador do setor de explosivos da ALN. Eu fazia parte do comando de combate, do GTA (Grupo Tático Armado).
Você foi transportado em perua do Grupo Folha?
Isso foi depois — só quando me levaram da Oban para o Dops. Dentro do carro, havia um repórter da Folha.
E você o conhecia, sabe qual era o nome dele?
Era o José Ramos. Ele era o setorista da Folha dentro do Dops — aliás, o único setorista aceito — e me disse que sabia o que podia acontecer comigo. Então ele chegou até mim e disse: “Acho melhor você falar”.
Ele o aconselhou a delatar seus companheiros à repressão, dar a localização dos pontos?
Ele queria me convencer a abrir a boca para os torturadores, delatar e tudo o mais. “Porque senão vai ficar muito chato para você, muito difícil para você”, ele disse.
Era uma forma de tortura psicológica...
Sim, ele praticamente iniciou o meu processo de tortura. Para me pressionar, ele dizia: “Quem vai te pegar é o Fleury”. Ele já sabia como as coisas funcionavam no Dops.
Dá para dizer que ele tinha um envolvimento com o regime, uma afinidade?
Ele estava muito envolvido. Se você procurar outras pessoas, vai ouvir a mesma coisa. Ele conversou com muita gente nos carros da Folha.
Você chegou a rever esse repórter?
Sim, claro. Eu o vi várias vezes depois disso
Chegou a encontrá-lo logo após sua passagem pelo Dops?
Eu perdi o contato com ele depois. Fui vê-lo na própria Folha, onde nós trabalhamos juntos.
Vocês conversaram a respeito desse episódio do transporte ao Dops?
Não, preferi evitar. Os tempos eram outros e ainda havia resquícios do período da grande repressão. O AI-5 ainda funcionava praticamente.
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