segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Lina era uma mãe para fiscais da Receita Federal


Dispensas autorizadas na Receita dobraram com Lina


JULIANA ROCHA

Folha de S. Paulo - 31/08/2009

Ex-secretária do órgão concedeu 30 mil liberações remuneradas a funcionários


Licença é permitida quando o evento contribui para formação profissional; atual secretário suspendeu as dispensas durante 30 dias


Em 10 dos 11 meses em que ocupou o cargo de secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira autorizou 30 mil dispensas remuneradas de servidores do fisco. Isso significa que, a cada dia útil deste período, foram 143 liberações de funcionários para participar de eventos sindicais, palestras e atividades fora das repartições.


A Folha apurou que as liberações autorizadas por Lina entre agosto de 2008 e maio de 2009 foram o dobro das aprovadas pelo ex-secretário Jorge Rachid de agosto de 2007 a maio de 2008. Apenas o secretário da Receita está autorizado a liberar o funcionário sem o desconto do ponto.


O novo subsecretário de Gestão Corporativa da Receita, Leonardo Schettino, confirmou à Folha a dispensa de 30 mil dias de trabalho na administração de Lina, mas não disponibilizou os números de quando Rachid era secretário. O argumento foi que, com a troca de comando na subsecretaria de Gestão Corporativa nesta semana, ele não teve acesso aos dados mais antigos.


Os dias não trabalhados não foram descontados dos contracheques. A remuneração média na Receita Federal é uma das mais altas da Esplanada dos Ministérios. Um auditor fiscal recebe salário inicial de R$ 13,6 mil e os analistas, de R$ 8 mil. A Receita tem em seus quadros 12 mil auditores fiscais e seis mil analistas tributários.


A liberação em massa de servidores provocou mal-estar na cúpula da Receita e chegou ao gabinete do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A maior preocupação é com os eventos relacionados ao sindicato. Para críticos do trabalho de Lina, a liberação de auditores é um dos motivos para a piora nos resultados da fiscalização.


O número total de empresas e pessoas físicas fiscalizadas e autuadas neste ano ainda não foi divulgado. A falta de informações sobre a fiscalização continua na atual gestão, de Otacílio Cartaxo. Na quinta-feira, a Receita informou que houve uma queda nas multas aplicadas sobre os grandes contribuintes de janeiro a julho deste ano em relação ao mesmo período do ano passado.

Eleições


As dispensas autorizadas neste ano coincidem com o início da movimentação para as eleições do Unafisco, o sindicato dos auditores fiscais. As eleições foram realizadas na semana passada, mas a campanha começou no início do ano. O grupo ligado a Lina, que estava na oposição do sindicato, foi derrotado para a chapa que já estava no poder.


Lina foi alertada duas vezes por seus assessores (uma vez em janeiro e outra em fevereiro) de que a quantidade de dias não trabalhados em sua gestão era muito maior que a média de seu antecessor. Com os avisos, a partir de maio ela parou de autorizar os pedidos.


A licença de servidores está prevista na legislação que regulamenta o funcionalismo público (lei 8.112), desde que não seja remunerada. A lei entrou em vigor em 1990. Mas, pelas regras adotadas pelo Ministério do Planejamento, a dispensa não é descontada quando o servidor participa de eventos que possam contribuir para o aperfeiçoamento profissional.


Para autorizar as dispensas remuneradas, Lina lançou mão da portaria interna nº 1.143, que foi editada pela Receita duas semanas antes de a ex-secretária ser nomeada.


Na semana passada, Otacílio Cartaxo assinou portaria determinando a suspensão das liberações de ponto pelo prazo de 30 dias. A ordem foi expedida depois de o secretário consultar a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que deu parecer favorável ao fim da dispensa remunerada, a não ser em casos de qualificação profissional.


"A liberação indiscriminada de servidores para participar de atividades promovidas pelas entidades representativas e que não objetivem a qualificação de servidores, ou, pelo menos, a discussão de temas de interesse da administração, pode comprometer sobremaneira a eficiência administrativa", afirma o parecer.


O questionamento do secretário foi se a Receita deveria pagar o dia de trabalho ao servidor que se ausentasse para participar de eventos de sindicatos. A procuradoria respondeu que as entidades representativas tem autonomia financeira para pagar seus integrantes. Por isso, não cabe a liberação remunerada do servidor.

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