31 de Agosto de 2009
As novas regras para a exploração do pré-sal, anunciadas nesta segunda-feira (31), representam "uma mudança de situação", não só para o petróleo, mas para o Brasil, afirma o diretor-geral da ANP (Agência Nacional do Petróleo), Haroldo Lima. Ele avaliou, em entrevista exclusiva ao Vermelho, que o dinheiro da nova riqueza deve começar a entrar dentro de quatro anos.
Haroldo obedeceu escrupulosamente à orientação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de manter fora da imprensa o debate preliminar de quase dois anos sobre as novas regras para o petróleo do pré-sal. Ele falou a Bernardo Joffily, do Vermelho, sobre o significado do novo marco regulatório neste sábado (29), com a condição da entrevista só ser divulgada na segunda-feira, quando o tema entra em sua fase de debate público. Veja a entrevista.
Vermelho: O que os projetos apresentados nesta segunda-feira vão representar, digamos, parta a próxima geração de brasileiros?
Haroldo Lima: Em uma questão desta natureza, a gente não pode se perder nos detalhes. Eu acho que a descoberta do pré-sal representa uma mudança significativa na história do petróleo e na história do Brasil.
Nós estamos achando petróleo no Brasil desde 1939. Este ano [em 22 de janeiro] completou-se o 70º aniversário da primeira perfuração vitoriosa, que foi em Lobato, na Bahia. Portanto, de lá para cá temos 70 anos de perfuração, principalmente com iniciativas estatais; com a Petrobras, temos 56 anos. Pois bem: nestes 70 anos, acumulamos reservas de petróleo, cubadas pela Petrobras, da ordem de 14,2 bilhões de barris.
Esse nível de reservas nos permitiu ter certos objetivos: o mais audaz de todos era a autossuficiência. Durante anos perseguimos a autossuficiência, ela era tema de todas as reuniões da ANP. Pois bem: isso nós conseguimos em 2006, quando a plataforma marítima P50 entrou em operação. Foi um grande sucesso. Fizemos festa. Mas convenhamos que a autossuficiência é pouco; era um objetivo que não nos dava nenhuma folga.
O pré-sal muda qualitativamente este quadro. O horizonte que ele sinaliza é que nós vamos sair dos 14,2 bilhões de barris de reservas para uma cifra que aponta para em torno de 50 bilhões, talvez 70 bilhões de barris.
Vamos portanto mais ou menos triplicar, quadruplicar as nossas reservas. Com a diferença de que, dos 14 bilhões atuais, a maioria é de petróleo pesado, de qualidade baixa e refino difícil. O pré-sal, em águas ultraprofundas, fornece um petróleo leve, de alta qualidade. Com isso, o horizonte do que nós vamos poder fazer é um horizonte novo.
Vermelho: Como foi o processo de debate das novas regras até agora?
Haroldo: Aqui nós temos que tomar consciência do papel de certas pessoas. Por exemplo: o papel do presidente Lula. O Lula estava na Europa quando a Petrobras fez a descoberta [em novembro de 2007]. Imediatamente ele telefonou para a Dilma [Rousseff, ministra-chefe da Casa Civil], que telefonou para mim, marcando uma reunião extraordinária para o dia seguinte, em Brasília.
Nessa reunião o presidente já disse: Esta é uma descoberta imprevista e vamos empregar os recursos dela para acabar com a pobreza no Brasil. Não vamos perder a oportunidade de ter esse dinheiro, nas mãos do Estado, para acabar com a pobreza – foram as palavras de Lula.
Foi constituída então a Comissão Interministerial, com oito pessoas, da qual eu participo. O objetivo da comissão era dar caráter prático às diretrizes de Lula. No decorrer dos debates, esse "acabar com a pobreza" foi se esclarecendo em prioridades: para a educação; para a pesquisa em ciência e tecnologia; para o combate à pobreza.
Tudo isso nós podemos desenvolver. De repente, o país terá à sua disposição recursos extremamente volumosos, para projetos, para obras. E isso em um prazo curto: o início da produção do pré-sal deve acontecer em 2013; aí por 2020 já vamos ter uma produção bastante razoável. É uma mudança de situação.
Vermelho: Como você vê a mudança dos conbtratos, de concessão para partilha?
Haroldo: Discutimos [na comissão] muito a ideia do tipo de contrato a ser usado no pré-sal. O mundo do petróleo hoje é intensamente institucionalizado. Existem no mundo três tipos básicos de contrato: o de concessão; o de partilha da produção; e o de serviços. Desses três, a maior parte é de concessão; alguns são de partilha e os de serviços são poucos.
Hoje [sábado, 29] eu estava lendo no jornal um articulista que escrevia assim: "Todos os países ricos têm contratos de concessão, os pobres têm contratos de partilha". Eu fiquei pensando que as coisas podiam ser postas de outro modo: todos os países que têm muito petróleo tém contrato de partilha; quem tem pouco petróleo é que tem concessão.
Atualmente, nós no Brasil temos o contrato de concessão. Por quê? Porque a média de sucesso no Brasil – e a média no mundo também – é de um furo vitorioso em cada 10: você fura 10 poços e acha petróleo em um.
Eis que, de repente, no pré-sal, a Petrobras fez até agora 13 furos... com 13 vitórias. Então nós [ da Comissão Interministerial] fomos levados a propor ao presidente Lula um sistema misto: nas bacias de risco alto e médio, continuaremos a usar as concessões, que têm dado muito certo; mas naquela região em que o risco é explicitamente menor, vamos usar o contrato de partilha.
Para haver a partilha, no novo marco regulatório, será necessário criar a NEP – a Nova Empresa de Petróleo, 100% estatal, cujo nome eu disse numa reunião que é uma discreta homenagem a Lênin [NEP foi a sigla da Nova Política Econômica, lançada pelo líder revolucionário russo em 1921, para lançar as bases do socialismo soviético depois da vitória da Guerra Civil de 1917-1920].
A NEP faz-se necessária porque a Petrobras não é uma empresa 100% estatal. Se fosse, não era preciso NEP. Em Angola, por exemplo, há uma empresa 100% estatal, a Sonangol, e é ela que representa o Estado angolano nos leilões. Já no Brasil nós enfrentamos um problema: na época do governo de Frnando Henrique Cardoso a União perdeu muito do controle acionário da Petrobras. Hoje a União tem apenas 32% das ações e o BNDES 7%, o que dá 39% de participação estatal.
Não poderíamos essa empresa e dizer que ela representa o Estado brasileiro. Então criaremos a NEP, que não é uma empresa operadora, mas a representante direta do Estado brasileiro.Ela vai olhar, fiscalizar no dia a dia a extração do pré-sal.
Por outro lado, fortalecemos a Petrobras. Ela já é a operadora dos 10 maiores campos [de um total de mais de 300], que produzem 74% do petróleo brasileiro hoje. E defendemos que o Estado tenha um controle acionário maior da Petrobras, quem sabe algo em torno de 70%.
Vermelho: É verdade que a NEP será uma empresa enxuta, sem área operacional?
Haroldo: É, uma empresa enxuta, de fiscalização contábil, que vai acompanhar o processo desde o início. Há uma discussão sobre o número de funcionários que ela vai ter; pode ser até fixado em lei. O modelo da Noruega é parecido com esse: na Noruega tinha uma empresa 100% estatal, a Norsk Hydro. Mas eis que a Staoil abriu o seu capital; imediatamente o governo criou uma estatal, a Statoil, para representar o Estado no setor.
Vermelho: Não é um problema o fato de que uma parte das reservas do pré-sal, em torno de 30%, já ter sido leiloada pelo sistema de concessões?
Haroldo: Não. Nós discutimos muito isso. Representa uma dificuldade, cria dificuldades institucionais. Vamos ter, por exemplo, dois blocos vizinhos, um em regime de concessão e o outro de partilha. Mas são dificuldades passíveis de ser resolvidas, não há obstáculos intransponíveis. E o restante do pré-sal não é nada insignificante, é da ordem de 70% do total.
Vermelho: Existe uma estimativa de quanto dinheiro o pré-sal vai render?
Haroldo: Ainda não se tem uma estimativa em dinheiro. Mas esse novo fundo, de desenvolvimento nacional ou social, vai ter um volume de recursos, "recursos carimbados", como diz o Lula, como nunca o Brasil teve. A NEP passará esses recursos para o fundo de desenvolvimento, que terá a obrigação de encaminhar o dinheiro para os objetivos definidos, sem pulverizar.
Vermelho: Quando o dinheiro começa a entrar?
Haroldo: A nossa idéia é que comece no próximo leilão – porque vai continuar a haver leilões. Logo que o novo marco regulatório do pré-sal for acertado e aprovado, vamos fazer um leilão, diferente, o primeiro leilão do pré-sal. Hoje, um dos pontos do leilão é o bônus de assinatura. Para você poder entrar no leilão, tem que pagar um bônus. No pré-sal, esse bônus que todo mundo tem que pagar já vai para o fundo. O fundo recebe desde o início.
Vermelho: Qual será, de todos esses pontos, o debate que vai dominar a discussão sobre o novo marco regulatório?
Haroldo: Percebo que certos setores estão trazendo à tona o debate sobre para onde vai o dinheiro. Isso vai aparecendo com força. Vejo hoje nos jornais a ideia de que o governo teria uma certa concepção de Robin Hood [a imagem foi trazida pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral]. Acho até que não é uma comparação de todo disparatada. Afinal, o petróleo é propriedade da União, ou seja, do Brasil todo.
Hoje, a situação é que temos os royaltes e as participações especiais, ambos controlados pela ANP, e dos quais os estados têm uma percentagem. O Rio de Janeiro, sozinho, fica com 67% dos royaltes e os outros estados todos com 33%. Em participação especial, fica com mais ainda, 95%. Somando os dois montantes, dá cerca de R$ 7 bilhões para o Rio todos os anos.
A proposta que fizemos visa distribuir melhor isso, baixar um pouco o montante que vai opara alguns lugares. Não vamos ter uma divisão igualitária. Seria ilegal, pois a Constituição faz referência à necessidade de compensar os estados produtores; e seria injusto. Mas a ideia é dar uma proporção maior para os outros lugares, nos contratos do pré-sal, daqui para frente.
Fora do pré-sal, continuará como atualmente. Mas no pré-sal será diferente. Uma coisa é você ter um poço de petróleo em terra, ou uma plataforma operando a algumas milhas da costa. Outra coisa é você ter a extração a 300 milhas do litoral, uma distância que você nem enxerga a plataforma, mais do que a distância entre o Rio e São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário