quinta-feira, 27 de agosto de 2009

RS: da criminalização dos movimentos a um movimento criminoso

27/08/2009


A sucessão de acontecimentos graves na política do RS é tão intensa que, por vezes, pode se perder a noção de proporção em relação às manifestações, orientações e ações dos gestores públicos. Recentemente assistimos a mais um exemplo do grau de descontrole político que atinge o Executivo frente às mobilizações contra a corrupção.

No dia 14, se armou um enorme aparato policial que gerou engarrafamentos nas principais entradas da capital e nossa segurança pública, já tão fragilizada, se amplificou com o deslocamento de um grande contingente de policiais para acompanhar o protesto. Mas a dimensão mais grave deste processo quase passa desapercebida. O comandante da Brigada Militar declarou que proibiria a presença de faixas e cartazes com “dizeres injuriosos” à governadora.

Aparentemente fundada na preocupação de defender a imagem da governante, esta declaração é de uma dimensão sem precedentes. Querer proibir o cidadão de expressar livremente seu pensamento é muito grave e reproduz um padrão arbitrário nunca antes visto desde os sombrios tempos da ditadura. Mas o quadro é pior na medida em que, perguntado se proibiria cartazes com expressões constantes na ação de improbidade administrativa do Ministério Público Federal (MPF), o militar foi evasivo, afirmando, inclusive, “que não se pode tomar aqueles termos como verdadeiros”.

A Constituição Federal, no seu artigo 5º, garante entre os Direitos Fundamentais do Cidadão, a livre manifestação do pensamento (inciso IV) e a livre expressão, independente de censura (inciso IX). São direitos fundamentais do Estado Democrático de Direito, invioláveis e inegociáveis, reconquistados depois de anos de ditadura e consagrados na Carta de 1988. Todo cidadão que cometa atos considerados injúria ou difamação, pode ser alvo de ação judicial do caluniado. Mas ninguém, nem a governadora, nem o presidente da República, tem o direito de impedir que o cidadão manifeste sua opinião.

A polícia militar tem dever de garantir a ordem e a segurança dos cidadãos e da sociedade, e não deliberar sobre o que é e o que não é injurioso. E qualquer cidadão, assumindo a responsabilidade de suas atitudes, pode expressar opinião sobre quem quer que seja, especialmente acerca dos seus representantes. Se um gestor público se sentir atingido que recorra aos meios legais. Não cabe à autoridade policial se atribuir um poder acima da lei, qual seja, de impedir a livre manifestação.

Mas o mais grave estava por vir uma semana depois, no dia 21. Enquanto o governo federal negociava, de forma pacienciosa, com o movimento dos trabalhadores sem-terra, inclusive a desocupação do prédio do INCRA em Brasília, aqui no Estado a política de segurança acentuava sua faceta de operação repressiva e de guerra contra os movimentos sociais, executando desocupações envolvendo crianças, mulheres e homens com ações desproporcionais e descumprindo qualquer padrão civilizado, como o apontado pelas normas de conduta da Ouvidoria Agrária Nacional, as quais o RS é o único entre os Estados brasileiro que não aderiu. Alvejando, de forma delituosa e covarde, à queima roupa, pelas costas, um trabalhador sem-terra com disparos de uma espingarda 12 da Brigada Militar.

Nesta dramaticidade em que chegamos, o colono Elton Brum da Silva é mais uma vítima da crueldade repressiva de quem não compreende a legitimidade da luta social, de uma visão truculenta, repressiva e pré-civilizatória mas, muitas vezes, vangloriada e espetacularizada de forma heróica, como sendo dotada da desejada eficiência de gestão ou o “novo jeito de governar”.

Mas tudo isto, no fundo, nada mais é do que a outra face da mesma moeda, daqueles que, se não bastasse terem sido acusados pelo MPF de mancharem a honrada dignidade política que o RS sempre deteve em nível nacional, agora partem para a vilania criminosa e ceifam a vida de um trabalhador rural, destroem a esperança de uma família, enlutam os movimentos sociais, afrontam o Estado de Direito e fragilizam a democracia.

Adão Villaverde é professor, engenheiro e dep. estadual PT/RS

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