20/9/2009
Por Marcello Maria Perongini - do Rio de Janeiro
Há alguns dias foi transmitida no programa Milênio, em um canal de TV para assinantes no Brasil, a entrevista realizada pela jornalista Ilze Scamparini, correspondente italiana da imprensa brasileira, ao professor Nicola Tranfaglia, professor emérito de História junto à Universidade de Turim e ex-parlamentar italiano. Da longa entrevista, cujo tema central foi a dramática situação do cenário político italiano liderado pelo controverso empreendedor Silvio Berlusconi, um dado emerge de modo claro: A Itália, diferentemente de como ocorreu em outros países que formaram a linha de frente xenófoba e totalitarista da política européia na primeira metade dos anos 1900, ainda não afrontou com maturidade o pesado fardo de sua herança fascista.
De fato, as notícias que diariamente chegam do Belpaese não contrariam esta visão. Normas xenófobas que versam sobre temas como a imigração, contidas na chamada Lei de Segurança, trazem consigo uma série de leis personalistas que possuem o único objetivo de salvar in extremis o Presidente do Conselho Berlusconi. Leis que impedem o livre exercício do poder jurídico, como a que impõe restrições a interceptações telefônicas em investigações, ou como a tristemente famosa lei sobre rogatórias internacionais (Lei Cirielli, melhor conhecida como Salvapremier). E mais uma vez, leis inconstitucionais ad usum dos principais cargos do Estado, quais sejam, o presidente da República, o primeiro-ministro, e os presidentes das duas assembléias da República, Câmara e Senado, hoje não condenáveis por crimes a eles atribuídos por força do assim conhecido Laudo Alfano.
Sobre este último, fruto da intervenção direta do Ministro da Justiça, Angelino Alfano, francamente apoiado pelo mesmo Berlusconi, deverá pronunciar-se no dia 6 de outubro próximo à Corte Constitucional sobre a sua inconstitucionalidade. Lamentável, porém, que sobre esta decisão paire a sombra de um jantar a quatro que reuniu Silvio Berlusconi, o Ministro da Justiça, Alfano, e dois membros da Corte Constitucional. O resultado da consulta constitucional poder-se-ia, à vista disso, ser considerado previsível.
Para piorar a situação, repetem-se notícias sobre gravíssimas agressões contra homossexuais, cujos responsáveis são notórios militantes de formações políticas de extrema-direita. Como confirmação irrefutável basta acordar-se para a alcunha de um dos agressores, responsável por lesões causadas a um casal homossexual em Roma no 21 de agosto: Suastiquinha. A interpretação destas notícias como episódios isolados e desconexos, entretanto, é o erro sobre o qual está apoiado todo o peso do sistema de autoritarismo populista do atual governo.
A guerra ao comunismo foi sempre um leitmotiv do Governo de Berlusconi, ora roçando, ora devastando os limites do grotesco. A palavra “comunista” transformou-se até em insulto dirigido a quem não esteja alinhado ao pensamento do Cavaliere. Surprendentemente, como ocorreu há alguns meses no programa radiofônico apresentado por Fabio Volo, Il volo del mattino, quem a pronuncia com freqüência desconhece o verdadeiro significado da palavra, tomando-a como um sinônimo de cretino, estúpido e similar.
Por Marcello Maria Perongini - do Rio de Janeiro
Há alguns dias foi transmitida no programa Milênio, em um canal de TV para assinantes no Brasil, a entrevista realizada pela jornalista Ilze Scamparini, correspondente italiana da imprensa brasileira, ao professor Nicola Tranfaglia, professor emérito de História junto à Universidade de Turim e ex-parlamentar italiano. Da longa entrevista, cujo tema central foi a dramática situação do cenário político italiano liderado pelo controverso empreendedor Silvio Berlusconi, um dado emerge de modo claro: A Itália, diferentemente de como ocorreu em outros países que formaram a linha de frente xenófoba e totalitarista da política européia na primeira metade dos anos 1900, ainda não afrontou com maturidade o pesado fardo de sua herança fascista.
De fato, as notícias que diariamente chegam do Belpaese não contrariam esta visão. Normas xenófobas que versam sobre temas como a imigração, contidas na chamada Lei de Segurança, trazem consigo uma série de leis personalistas que possuem o único objetivo de salvar in extremis o Presidente do Conselho Berlusconi. Leis que impedem o livre exercício do poder jurídico, como a que impõe restrições a interceptações telefônicas em investigações, ou como a tristemente famosa lei sobre rogatórias internacionais (Lei Cirielli, melhor conhecida como Salvapremier). E mais uma vez, leis inconstitucionais ad usum dos principais cargos do Estado, quais sejam, o presidente da República, o primeiro-ministro, e os presidentes das duas assembléias da República, Câmara e Senado, hoje não condenáveis por crimes a eles atribuídos por força do assim conhecido Laudo Alfano.
Sobre este último, fruto da intervenção direta do Ministro da Justiça, Angelino Alfano, francamente apoiado pelo mesmo Berlusconi, deverá pronunciar-se no dia 6 de outubro próximo à Corte Constitucional sobre a sua inconstitucionalidade. Lamentável, porém, que sobre esta decisão paire a sombra de um jantar a quatro que reuniu Silvio Berlusconi, o Ministro da Justiça, Alfano, e dois membros da Corte Constitucional. O resultado da consulta constitucional poder-se-ia, à vista disso, ser considerado previsível.
Para piorar a situação, repetem-se notícias sobre gravíssimas agressões contra homossexuais, cujos responsáveis são notórios militantes de formações políticas de extrema-direita. Como confirmação irrefutável basta acordar-se para a alcunha de um dos agressores, responsável por lesões causadas a um casal homossexual em Roma no 21 de agosto: Suastiquinha. A interpretação destas notícias como episódios isolados e desconexos, entretanto, é o erro sobre o qual está apoiado todo o peso do sistema de autoritarismo populista do atual governo.
A guerra ao comunismo foi sempre um leitmotiv do Governo de Berlusconi, ora roçando, ora devastando os limites do grotesco. A palavra “comunista” transformou-se até em insulto dirigido a quem não esteja alinhado ao pensamento do Cavaliere. Surprendentemente, como ocorreu há alguns meses no programa radiofônico apresentado por Fabio Volo, Il volo del mattino, quem a pronuncia com freqüência desconhece o verdadeiro significado da palavra, tomando-a como um sinônimo de cretino, estúpido e similar.
Enquanto anedota, é capaz até de abrir um sorriso, mas na verdade este é um exemplo que qualifica o nível cultural de uma parte do eleitorado de Silvio Berlusconi. Ademais, é este mesmo nível cultural que revela os motivos de outro ponto relevante que não pode ser esquecido quando se afronta a situação italiana contemporânea: A reflexão sobre qual foi, no curso dos últimos trinta anos, o papel de Silvio Berlusconi na transformação da opinião pública italiana.
O Partido Comunista Italiano foi, por número e força política, o mais importante e influente entre aqueles dos países ocidentais graças, sobretudo, à inteligente e crítica direção exercida sob a marca de seu Secretário, Enrico Berlinguer. Apesar da ampla autonomia proporcionada por este resultado, a ligação com o Partido Comunista Soviético era, todavia, indissolúvel, e a crise que o atingiu no fim dos anos 80 teve fortíssima repercussão sobre sua representação italiana. Contemporaneamente, emergia a figura do empresário Silvio Berlusconi, cujas redes de televisão, moldadas de acordo com o formato de programação que chegavam dos Estados Unidos da América, preencheram o vazio cultural que acompanhou o fim do Partido Comunista Italiano, até então orientador de boa parte da realidade intelectual do país.
No decorrer dos anos 90 ocorre uma primeira mudança de paradigmas. A cativante programação televisiva, somada ao novo rumo dado às editoras adquiridas por Berlusconi nos mesmos anos, tem êxito em homogeneizar a opinião pública ao oferecer uma alternativa easy ao conceito de cultura “de esquerda”, até então dominante. O resultado, em longo prazo, foi o enfraquecimento irremediável da consciência crítica dos italianos. Este cenário linear, no entanto, não encontrava analogia na realidade política do mesmo período que, de maneira oposta, ocupava a posição pouco invejável, mas proverbial, de “olho do furacão”.
O foco do objetivo apontado neste período é o biênio 1991/1992, no qual um grandioso inquérito judiciário destruía o cômodo sistema de favoritismos e corrupção arquitetado ao longo do tempo pela classe dirigente italiana. Tornada famosa pela imprensa com o nome de Tangentopoli, ou Mãos Limpas, tal investigação teve início com as declarações prestadas pelo político socialista milanês, Mario Chiesa, aos inquisitores do Tribunal de Milão em 17 de fevereiro de 1992.
Nos meses seguintes, os juízes da Tangentopoli depararam-se diante de um intrincado esquema de lavagem de dinheiro e corrupção que envolvia um enorme número de empreendedores de toda a Itália. No mesmo tempo, delineavam-se os contornos da real extensão do fenômeno em direção à classe política, culminando, ao fim do inquérito, com a dissolução de partidos históricos do cenário italiano, entre os quais a Democracia Cristã e o Partido Socialista de Bettino Craxi, o personagem político mais influente da época.
Neste mesmo período, o ainda empresário Silvio Berlusconi, através de seus meios de comunicação, exerceu pressão sobre os grupos de juízes encarregados do procedimento, entre eles Antonio di Pietro, atual líder do partido político de oposição, o Itália dei Valori.
Bettino Craxi, que escapou da prisão fugindo para a Tunísia, foi recentemente reconhecido pelo próprio Berlusconi como o inspirador da linha política do partido Forza Italia, onde o atual Presidente do Conselho iniciou sua carreira política, em 1994. Entre as orientações mais vigorosamente sugeridas por Craxi, havia aquela de jamais se aliar aos partidos de extrema direita, todos ligados, em graus diversos, à ideologia fascista. O conselho de Craxi foi o ponto de não-retorno de uma singular e histórica fase da passagem da Primeira à Segunda República.
Embora a classe política da época estivesse envolvida até o pescoço em práticas ilícitas de financiamento público aos partidos e de corrupção, o ideal antifascista, herança cultural de 40 anos de política republicana, não havia ainda se esgotado. Silvio Berlusconi, todavia, ciente de que os votos dos partidos de extrema direita eram numerosos e, sobretudo, indispensáveis para que pudesse continuar gozando das imunidades judiciárias que o novo papel político lhe garantia, deu-se conta da necessidade de conquistar tais votos para não correr o risco de ser condenado penalmente nos processos judiciais aos quais já devia responder.
Tornava-se necessário, então, com fins utilitaristas, proceder a uma progressiva reabilitação dos partidos neofascistas, conservadores e nacionalistas. Foi naquele momento que as duas realidades, social e política, que delineavam-se graças à já estabelecida influência dos meios de comunicação e ao método político berlusconiano, encontraram seu ponto de convergência.
O neofascismo vem progressivamente destituído de suas declinações mais negativas, chegando a reestruturar-se como ponto de referência para aqueles que, nostálgicos ou não, demonstravam apreço à idéia de retorno a um sistema político e social mais forte e garantista. Ainda em 1994, a parábola política berlusconiana cruzou-se (mais uma vez por contingências eleitorais) com outra formação política, esta certamente pitoresca e secessionista, que exerce sua influência nas regiões Norte e Nordeste da península: a Liga Norte de Umberto Bossi.
Tal partido tornou-se para Silvio Berlusconi um aliado que se revelou tão indispensável no decorrer das últimas consultas eleitorais, quanto perigoso e incontrolável em ocasiões precedentes. Foi, de fato, a Liga Norte que provocou a derrubada do primeiro Governo Berlusconi, como conseqüência dos dissabores desencadeados pela recusa à proposta de Bossi de um novo plano de previdência social. A desconfiança promovida pela Liga Norte foi um duríssimo golpe para Silvio Berlusconi que, daí em diante, demonstraria muito mais cautela na formação dos Ministérios nos dois mandatos subsequentes, reservando aos partidários da Liga posições de prestígio, mas sempre os lembrando de seu devido lugar.
Nos governos sucessivos, portanto, Silvio Berlusconi viu-se sempre obrigado a firmar pactos sólidos com seus aliados secessionistas para afastar outras demonstrações de quebra de confiança. Esta operação, porém, causou um progressivo enfraquecimento na relação com os partidos majoritários da direita radical, a quem Silvio Berlusconi estava ainda “limpando a barra”. A direção populista que passou a impor aos aliados nacionalistas, docilmente acatada, foi percebida pelo eleitorado mais ortodoxo como uma mutilação dos princípios basilares da ideologia sobre os quais eles mesmos se apoiavam, acusando de traição os expoentes dos partidos de direita.
Em particular, o “grande traidor” dos ideais políticos da direita é apontado na figura do atual Presidente da Câmara dos Deputados, Gianfranco Fini, secretário da Aliança Nacional e aliado de Berlusconi, e que só recentemente começou a tornar públicas suas próprias insatisfações, diante dos confrontos com atual Governo. Hoje, várias frações destes partidos majoritários desassociaram-se de maneira definitiva da visão pan-berlusconiana e criticam abertamente o modus operandi do atual governo. Nas últimas eleições surgiram novos atores políticos, de matriz neofascista (Ordine Nuovo, Forza Nuova, La Destra), apresentando-se como alternativas políticas viáveis, mas não superaram o limite mínimo de 4% de preferência requerido pela recente lei eleitoral (Legge Porcellum, proposta justamente pela Liga Norte, aliada de Berlusconi, e posteriormente chamada por seus próprios idealizadores de Porcaria), razão pela qual agora não possuem nenhum representante parlamentar.
No entanto, a assim denominada ala extraparlamentar dispõe de um total de votos que alcança a considerável cifra de cerca de 2 milhões. Essa parte da preferência do eleitorado que, como dito acima, até pouco tempo confluía nos maiores partidos de direita, Aliança Nacional e Chama Tricolor, constitui a prova tangível da hemorragia sofrida nos últimos anos, depois de terem começado a orbitar em torno da figura de Silvio Berlusconi.
Somente a absorção dos principais partidos de centro-direita no novo partido, Povo pela Liberdade, pôde estancar uma ulterior hemorragia de votos em favor dos novos grupos neofascistas. Como remédio à desilusão causada por seus próprios representantes, a extrema-direita é hoje ocupada com uma filológica busca pela própria identidade, na esperança de conseguir curar as feridas abertas no recente desencontro eleitoral e preparar-se para a próxima ocasião.
Esta última consideração, deixando-se de lado o tom metafórico e de referimento quase hagiográfico, constitui um problema real do qual a extrema-direita não é o único sujeito consciente. Mesmo à direita mais diretamente vinculada ao séquito de Berlusconi tem perfeita consciência do fato que a recuperação da credibilidade histórica, neste momento, configura-se como pré-condição para assegurar a preferência do eleitorado indeciso de orientação conservadora.
A consequência, ou mais provavelmente passagem obrigatória, desta manobra foi, portanto, uma substancial reabilitação dos movimentos da extrema-direita, ainda percebidos na memória coletiva como responsáveis por operações eversivas ocorridas nos chamados Anos de Chumbo, e lembradas entre os acontecimentos mais cruéis de um dos períodos mais violentos da Itália republicana.
Tais eventos, compreendidos entre 1970 e os primeiros anos da década de 80, fazem parte do mais bem articulado fenômeno da oposição armada entre grupos militantes de direita e de esquerda, estes intimamente ligados ao Partido Comunista, principalmente à matriz soviética.
Ambas as formações políticas declararam-se responsáveis por ações demonstrativas trágicas e espetaculares, entre as quais o Massacre da Praça Fontana, o Fogo de Primavalle, o Massacre do trem Italicus ou o da estação de Bolonha em 1980, sem enumerar as inúmeras chacinas que assassinaram centenas de civis e chocaram a Itália.
Até o início dos anos 90 os meios de informação expressavam-se desfavoravelmente às formações supra políticas da direita daqueles anos; todavia, é também verdade que muitos dos massacres mais sangrentos são a elas diretamente relacionáveis.
Diante destes acontecimentos, resulta menos difícil compreender porque a tendência dominante tenha sido aquela de redimensionar a responsabilidade da direita, por meio de uma massiva e persuasiva campanha de reabilitação sustentada pelos meios de informação e grupos editoriais.
Os anos dos massacres e do terrorismo caracterizam-se como o momento de maior tensão entre as formações políticas eversivas, entre si e contra o Estado. Reduzir os trágicos acontecimentos daqueles anos a atos isolados, cometidos por criminosos comuns, é históricamente incorreto, além de clamorosamente desonroso à memória daqueles que perderam a vida.
Contudo, como manda a melhor tradição inquisitorial, a busca de legitimidade requer primeiramente a individuação de “vítimas sacrificáveis” a imolar, em um clímax que cai feito uma luva, sobre o desamparado Altar da pátria. Existem ainda expoentes daqueles anos dramáticos sobre os quais recaem mandatos de prisão ainda não cumpridos por força do status de foragidos de seus destinatários. Entre os mais notórios, Delfo Zorzi e Cesare Battisti.
O primeiro foi membro do grupo eversivo neofascista suspeito de ser responsável pelo Massacre da Praça Fontana em Milão, no dia 12 de dezembro de 1969, no qual morreram 16 pessoas e outras 88 restaram feridas. Desde 1974, Delfo Zorzi encontra-se foragido no Japão, país que não autorizou sua extradição por não existirem acordos bilaterais neste sentido entre este e a Itália. Em 1989 conseguiu a cidadania japonesa, mudando seu nome para Hagen Roi, devido á semelhança com a expressão alemã Haken-kreuz, traduzida, Suástica.
O segundo está, neste momento, no centro de uma complexa e articulada disputa que ameaça ter repercussões sem precedentes. Sem querer entrar em profundidade no mérito estritamente jurídico do caso ou suas consequências, sobressaem-se dois aspectos sumamente políticos.
Independentemente da resolução que será aplicada ao caso Battisti (isto é, se será ou não extraditado), o passo seguinte dos dois atores institucionais envolvidos, STF e o Executivo, será inevitavelmente em direção a uma profunda reflexão sobre responsabilidades recíprocas e esferas de influência.
A longa arenga do Ministro Cezar Peluso evidenciou de maneira clara sua posição a respeito do refúgio de Battisti, argumentando à luz do Direito que as motivações do Ministro Tarso Genro são ilegítimas e que, portanto, o réu deve ser extraditado sic et simpliciter. Por outro lado, o Ministro da Justiça defendeu sua própria decisão apelando à independência do Poder Executivo.
Por paradoxal que possa parecer, ambos mantêm posições opostas radicando as próprias razões em terrenos ambíguos.
O Ministro Peluso defende a extradição baseando-se em documentos italianos (sobre os quais ele mesmo evidenciou numerosas imperfeições, sustentando, no entanto, que estas não invalidam o “sentido” de seu conteúdo) para motivar a aplicação do Direito em vigor no Brasil. Documentos que, frisa-se, provêm do país que, por sua vez, considerou oportuno abster-se de responder plenamente às maiores garantias judiciárias requeridas pelo Ministro Genro.
No lado contrário, o próprio Tarso Genro justifica a concessão de refúgio defendendo o direito do Executivo de tomar decisões de modo independente. Aliás, se por trás desse ato houver razões de caráter diplomatico, isto é, discricionárias e conexas a motivações de politica externa, obviamente não se é dado a saber.
A segunda razão é, ao contrário, mais complexa e sutil.
Retomando brevemente:
* Neste momento as formações políticas neofascistas necessitam de uma reabilitação histórica para apresentarem-se como sujeitos que possam legitimamente aspirar a posições de relevãncia política.
* Silvio Berlusconi necessita, para conservar o próprio poder e manter-se longe do banco dos réus, proteger ao menos um dos quatro mais altos cargos do Estado italiano (admitindo que o parecer da Corte Constitucional seja favorável ao “Laudo Alfano”). Isto pressupõe obviamente sua reeleição e, para tanto, precisa de votos, qual seja sua proveniência. Visto que, além de tudo isso, trata-se do mais influente empreendedor dos últimos vinte anos, é igualmente evidente a impossibilidade de abraçar as ideologias dos partidos de orientação socialista e progressista, ou ainda anticapitalistas.
* O longo e incessante processo de revisionismo, iniciado com o advento da Segunda República, não mirava em outro resultado que não fosse a conciliação entre estas duas instâncias.
Em suma, no momento em que se conseguisse reduzir ao silêncio aquele (Cesare Battisti) autodenominado “arquivo vivo dos anos do terrorismo político” na Itália, o processo de reabilitação do neofascismo alcançaria a primeira e talvez mais importante meta: Legitimar a presença de outro bem-nutrido grupo conservador e nacionalista no cenário político europeu.
Confiando no curso natural das coisas, presumir-se-ia que a atual liderança italiana não durará eternamente e as páginas da imprensa nacional já começaram a afrontar, ainda timidamente, a espinhosa questão “pós-Berlusconi”. Não havendo realisticamente nenhum candidato a sucessor do delfinato, por agora o problema parece estar longe de qualquer solução.
Todavia, não se deve subestimar o aumento de visibilidade conferido aos partidos da direita radical, conforme se observa na atual diretriz política conservadora de alguns países europeus, demonstrada nos resultados das últimas disputas eleitorais, dado que deve ser considerado à luz da insegurança gerada da latente crise mundial. Além disso, é um fato que a reação mais imediata às distorções desencadeadas pela recessão teve como objetivo a proposta de reflexão sobre novos princípios de estabilidade macroeconômica.
Uma das visões mais aterradoras possíveis deriva da mais que plausível extremização dos princípios de racionalidade econômica contidos no controverso Tratado de Lisboa.
Paradoxalmente, os Estados que não opuseram nenhuma resistência à aplicação do tratado supranacional são aqueles que encontraram afirmação de governos de inspiração nacionalista. Exemplo perfeitamente linear, a França. Aqui o tratado foi sobreposto previamente a um referendo, cujo resultado foi negativo. Logo em seguida, após a eleição do atual Presidente Sarkosy, o tratado foi ratificado por meio de uma consulta parlamentar.
Entre as resoluções propostas pelo Tratado, aquela de subordinar de modo ainda mais rigoroso a soberania econômica dos países signatários à Comunidade Européia e ao Banco Central Europeu, este ao centro de teorias conspiratórias concernentes a supostas práticas ilícitas conexas ao signoraggio monetario que, a despeito daqueles que liquidaram tal assunto com rapidez e superficialidade, mereceria oportunamente esclarecimento oficiais.
Seja como for, um bloco europeu economicamente centralizado e de orientação política “nacional-continental” poderia não ser o esperado antagonista de países em rapidíssima progressão econômica e social, dentre os quais o Brasil. O debate no Supremo Tribunal Federal é obviamente lícito e justificado, no entanto suas consequências delineiam um horizonte incógnito cujas repercussões poderão ser muito mais graves do que se possa imaginar.
Marcello Maria Perongini é estudante da Universidade de Florença e colaborador do Correio do Brasil.
Fonte:Correio do Brasil
Citando: Edward Lorenz, “o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear uma tempestade [...]”
Citando: Edward Lorenz, “o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode desencadear uma tempestade [...]”
Traduzido por: Maria Fernanda Hosken.
Acesse a versão original, em italiano, no www.calaveracafe.splinder.com.
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