quarta-feira, 9 de setembro de 2009

MÍDIA AUTISTA

Publicada em:09/09/2009



A mídia brasileira muitas vezes parece autista e ao buscar suas manchetes ignora notícias anteriores e sua contextualização. Em muitos casos, isso se dá na obsessão de atacar o governo Lula, mesmo quando os fatos não o justificam.

Exemplo recente foi a manchete de O Globo, no dia 8 de setembro, sobre o acordo militar entre Brasil e França: “Lula recorre até ao pré-sal para defender gasto bilionário”. Na verdade, o fato novo era o anúncio feito pelo presidente Lula de que o Brasil compraria 36 caças franceses, encerrando uma disputa que envolvia também fornecedores suecos e norte-americanos.

Os jornais paulistas ativeram-se ao fato em suas manchetes. A Folha de S.Paulo foi seca, “Brasil vai comprar caças franceses”, e O Estado de S. Paulo, mais abrangente, com “Lula opta por caça francês e encerra disputa internacional”. Mas a manchete de O Globo estimulava certas conclusões. Por sua leitura, Lula recorria a um artifício (o pré-sal) para justificar um gasto excessivo (bilionário). Nessa conta, entrava a compra de submarinos e helicópteros franceses, que não fora mencionada na ocasião, para elevar os 7 bilhões de reais a serem pagos pelos caças a 31,1 bilhões de reais pelo pacote completo.

Para bom entendedor, a mensagem era clara: o Brasil estava gastando muito e mal, e ainda recorria a “um discurso nacionalista” para justificar o seu ato. Mas o viés editorializante da manchete não resistia à própria leitura da matéria. Por ela, constatava-se que Lula, ao lado do presidente francês Sarkozy, confirmara a compra de 36 aviões de combate Rafale, encerrando uma batalha comercial de 11 anos em torno do reaparelhamento da Força Aérea Brasileira.

Bastava a leitura do lide para entender que o que estava em questão era o reaparelhamento de uma parte das Forças Armadas do país e que isso começara há mais de uma década, portanto bem antes do pré-sal. Não se questionava o ato de o país modernizar sua Força Aérea e nem se o gasto teria sido menor se o acordo fosse feito com outro país ou fabricante.

Ao contrário, sabia-se, e é aí que se revela o autismo, que o Brasil condicionara o negócio com qualquer país à transferência de tecnologia e os franceses seriam os únicos dispostos a tal acordo. Tanto que os helicópteros serão construídos em Minas Gerais e os submarinos no Rio de Janeiro em estaleiro e base naval que fazem parte do acordo. E a França ainda colaboraria no desenvolvimento de um avião de transporte militar da Embraer.

A impressão deixada pela leitura era de que foi necessário encontrar algo que jornalisticamente comportasse uma crítica à decisão do governo. E o recurso foi extraído do discurso de Lula, que “citou a descoberta das reservas de petróleo na camada pré-sal e a necessidade de proteger as riquezas da Amazônia” para “justificar os altos investimentos em compras para as Forças Armadas”. As aspas não são do discurso e sim da matéria do jornal.

Ora, para que servem Forças Armadas bem aparelhadas se não para defender as fronteiras e riquezas de um país? O pré-sal e a Amazônia são estratégicos para o Brasil e motivo de cobiça no mundo todo. Portanto, não era uma justificativa para o acordo e sim um motivo real. O presidente francês, mesmo vendendo seu peixe, tocou no ponto certo. “Um país forte é um país que pode se defender. Os grandes atores do mundo têm uma política de defesa ambiciosa”, disse em seu discurso.

Se é para pegar o governo é melhor esperar fatos concretos, que apareceram no dia seguinte e estavam em todos os jornais de que Lula anunciara a opção pelos caças franceses sem que o processo de seleção estivesse concluído.
Mair Pena Neto, Direto da Redação.

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