13 setembro de 2009
Então, eu acho que devemos partir pro debate político. Não é preciso esperar eleições para praticá-lo. As ideologias devem ser questionadas, para avançarem. Esse é o significado profundo do "materialismo dialético" dos marxistas... Bem, não se pode afirmar nunca com segurança o que os marxistas querem dizer, porque eles são legião e brigam entre si. Aquele reaça do Mario Vargas Llosa é um exímio escritor, apesar de tudo, e foi na jugular do trotskismo no romance Historia de Mayta, onde um minúsculo grupinho marxista se fragmenta até se converter num emaranhado de indivíduos isolados querendo se matar uns aos outros. Enfim, é fundamental praticarmos o debate ideológico, sem preguiça, não necessariamente antenados nas eleições, mas, por outro lado, conscientes de que a eleição, num regime democrático já em fase de amadurecimento, como o brasileiro, é a verdadeira práxis revolucionária.
Não concordo, em absoluto, com as teses de que o capitalismo engoliu a ação política e que, não importa quem seja eleito, tudo continua na mesma. Acho essa proposição anti-histórica e submissa. Ora, a realidade nega isso. Governantes eleitos podem promover mudanças profundas. Evo Morales nacionalizou toda a indústria de gás do país. Isso não é mudar? Chávez idem. Isso não é mudar? Vargas criou todas as grandes estatais do Brasil moderno (Petrobrás, Eletrobrás, CSN, entre outras).
O capitalismo é uma força avassaladora, mas também acho que é do interesse do capitalismo se superestimar, dar-se poderes que não tem. Existem, isso sim, forças econômicas poderosas, mas não devemos confundi-las com capitalismo. São forças da natureza, existentes em qualquer regime de governo, comunista, medieval ou capitalista. Existe oferta e demanda. Existe carência, excesso. Você pode derrubar o capitalismo, mas não vai mudar a natureza.
Por isso eu costumo falar, ironicamente, que sou capitalista. Porque não acredito no capitalismo. Creio que ele é um grande engodo que os capitalistas inventaram para ampliarem seu próprio poder. É uma ilusão ideológica. Afinal, qual é a concretude do capitalismo? É o dinheiro? Ora, o dinheiro existe, quiçá, desde os primórdios do homem. Ah, podemos concordar com Engels e enxergar o capitalismo na pré-história da humanidade, quando o homem aprendeu a domesticar animais e botou a filharada pra trabalhar. Tudo certo, mas a interpretação de Engels tem um subtexto insuportavelmente moralista, julgando-o como um avanço do capitalismo malvado sobre a sociedade humana, o que é ingênuo e equivocado, porque dá um prestígio ao capitalismo que ele, definitivamente, não merece.
Hoje escutei, na Voz do Brasil, um comentarista lembrar que governos de todo planeta colocaram mais de 10 trilhões de dólares nos mercados financeiros, principalmente nos bancos falidos, para salvar o mundo de uma grande catástrofe econômica. Ora, ora. Que beleza. Capitalismo de merda esse. Na hora do vamo-ver, vai todo mundo comer capim na mão do papai.
O grande Chomsky tinha razão. O capitalismo não existe. Os Estados Unidos é um regime econômico lastreado no poder do Estado. O Estado emite a moeda. O Estado patrocina o avanço tecnológico. Em tudo, está sempre a mãozinha do papai fazendo a América andar pra frente. E quando o Estado recua, como ocorreu nos tempos do neoliberalismo, é só para dar um grande salto mais tarde, como está acontecendo agora. Os EUA estatizaram os principais bancos, as maiores seguradoras, e a General Motors correu pro colo macio do titio que trabalha na repartição.
Quando eu digo, portanto, que sou capitalista, estou sendo irônico e citando o anarquista Chomsky. Afinal, estamos no Brasil, onde 90% da população estuda em escolas públicas, é atendida na rede pública de saúde, e recebe aposentadoria do sistema previdenciário público.
O mais importante é o seguinte. O país é governado por políticos eleitos através de um sufrágio público. E a economia é regida por um Banco Central público. As estradas são construídas pelo Estado - embora alguns as vendam depois para empresas privadas explorarem o pedágio... Portos, aeroportos, rede sanitária, hidrelétricas, usinas nucleares, tudo é construído pelo Estado, ou seja, pelo povo brasileiro. A segurança pública é controlada, principalmente, pelo Estado. O sistema judiciário também é estatal. E vocês vem me dizer que é o capitalismo que manda no país? Ora,o capitalismo manda, sim, mas é nas suas cabeças. O povo brasileiro tem liberdade para votar em candidatos do Executivo e do Legislativo, e uns podem realizar grandes investimentos em isso ou aquilo e os outros, simplesmente, poderem criar e mudar as leis! O poder, portanto, continua emanando do povo; se o povo é bobo, é outra história.
Não, não tenho nenhum otimismo ou esperança. Não trabalho com esses conceitos. Tenho fé na força e na violência, isso sim, na força da inteligência e na violência das paixões. É nisso em que eu acredito. Agora, de fato, temos um problema muito grave no Brasil. Provavelmente é um problema mundial. É o sistema de comunicação de massa, por toda a parte em mãos de corporações privadas. O capitalismo mais grosseiro e anti-democrático refugiu-se nas mídias corporativas, e não é por outra razão que elas investem sistematicamente contra as instituições públicas e democráticas. Às mídias não interessam um sistema de saúde público - querem planos de saúde privados que gastem milhões de publicidade em suas páginas e no intervalo da novela, e zero em pesquisa e pouco em atendimento, resultando em hospitais tão chiques como hotéis, mas com médicos incompetentes e serviços ineficazes.
Essa crise financeira trouxe-me, por exemplo, uma convicção quase obsessiva. É preciso acabar com os bancos privados. Qual a razão de deixarmos o destino de bilhões de seres humanos em instituições financeiras privadas dirigidas por playboys enlouquecidos? Com que finalidade, meu Deus? Para quebrarem e obrigarem os povos a arcar com a dívida? Sim, porque os bancos privados sempre quebram, uma hora ou outra. E não aceito que eu, ou meus filhos, tenham que pagar por isso. Eu e meu falecido pai éramos micro-empresários e estávamos a toda a hora quebrando. O Estado não nos ajudava. Nem queríamos ajuda. Quebrávamos com dignidade e dávamos sempre a volta por cima. Até que o doutor Fernando Henrique Cardoso colocou à frente do Banco Central um outro doutor chamado Armínio Fraga (cuja genialidade me lembra muito a de um terceiro doutor, o "brilhante" Daniel Dantas) que, no seu primeiro dia de gestão, elevou os juros básicos do país para 45% ao ano! Com isso, os juros reais dos bancos subiram outras dezenas de pontos percentuais, e nós, micro-empresários cheios de cheques especiais no Banco Itaú, de repente passamos a pagar alguns milhares de reais por ano, quiçá dezenas de milhares de reais, por causa desse capricho neoliberal. Outro capricho foi privatizar a telefonia sem realizar uma regulamentação que evitasse a explosão dos preços das ligações, de maneira que, após a mesma, os gastos da nossa micro-empresa com telefone decuplicaram. Por fim, privatizou o serviço de agência de correios igualmente sem regulamentar os preços finais ao consumidor, fazendo com que nossos custos de correio, que eram enormes, pois tínhamos mais de 600 assinantes em todo país, subissem 4.000% de um dia para outro.
É natural que quebrássemos. Não conheço, aliás, uma empresa do tempo do senhor Fernando Henrique Cardoso que não tenha quebrado ou chegado muito perto disso. Até os grandes, como O Globo, registraram um brutal aumento no endividamento. Os funcionários públicos ficaram sem reajuste por quase 8 anos. Conheci professores de Universidades Federais que ficaram sete meses sem receber. Mas era tão bom um presidente que falava francês fluentemente, né? Esses mesmos professores, esses mesmos empresários, dotados de uma impressionante memória de chimpanzé, agora criticam violentamente o governo Lula por ter rasgado a bandeira da ética... Na realidade, macaqueiam o que lêem nos jornais, já que pensar com a própria cabeça não é tarefa fácil.
Os escândalos e ideologias forjados nas redações de três empresas espraiam-se por toda nação a uma velocidade inacreditável, pautando a agenda política nacional, as conversas das famílias "bem informadas", o bafafá no cafezinho das empresas, o debate estético. Se isso não é uma interferência anti-democrática na vida política e cultural do país, então não sei o que é. Entretanto, a história ensina que o poder é sempre cruel, e que aqueles que o enfrentam quase sempre se dão mal, pois a vida é curta. A vida humana é muito mais curta que a vida de uma grande instituição.
Mas eis que surge uma idéia fantástica. Mais que isso, é A IDÉIA. A Organização das Nações Unidas (ONU) mandou circular, há pouco, uma proposta de criar uma moeda mundial única. É agora que os Olavinhos cortam os pulsos ou têm um enfarte. Há tempos que constatei que a neo-direita global repete, em tudo, os cacoetes medievais. Não é capitalista de verdade. Já estão defendendo as moedas locais, assim como os senhores feudais apegavam-se às suas moedas particulares. O capitalismo moderno nasce com a derrocada desses senhores e a implantação da unificação monetária no interior das nações.
A direita contemporânea é simplesmente reacionária, no sentido mais odiosamente biológico. Representa as forças da imobilidade, essas mesmas que, pela própria dialética inerente ao espírito humano, estão sempre puxando o homem para trás. Essas forças retrógradas, no entanto, são necessárias à história, porque elas obrigam as forças progressistas a se tornarem mais vigorosas, mais dinâmicas, até o peso pender, definitivamente, para um novo Renascimento.
É preciso lutar, todavia, como disseram ao boxeador antes dele entrar no ringue do Tyson. Sem luta, não há justiça, não há avanço. As pessoas subestimam muito o poder destruidor do medo e da preguiça mental. Afinal, se um mísero vírus, um ser com limitações físicas e desprovido de inteligência, pode ameaçar a humanidade, imagine o potencial devastador de uma ideologia baseada nesses dois monstros da alma. Uma ideologia não tem as limitações do concreto. Pode ser transmitida digitalmente, via internet, a uma velocidade espantosa. E o problema é que as pessoas não morrem, precisamente, de medo ou preguiça. É algo como a Aids. Ninguém morre de Aids, mas de complicações decorrentes. A Aids detona o sistema imunológico, assim como o medo e a preguiça destroem nossas defesas ideológicas, tornando-nos presa fácil para as teorias mais estapafúrdias propagadas pela mídia. Vide o caso dos americanos, chanteados por mentiras, ilações falsas e argumentos pérfidos. Após alguns editoriais bem escritos, e apavorantes, a indústria bélica tungou alguns trilhões de dólares do contribuinte americano. Para quê? Para lançar mísseis de 3 milhões de dólares sobre choupanas, no Afeganistão, avaliadas cada uma, aproximadamente, em cinquenta cents.
Outro dia, conversando com uma garota, eu afirmei que odiava intelectuais. Está certo que era papo de bêbado, mas não posso agora negar o que disse. Resta-me explicar. Eu sou um intelectual. O que eu odeio, na verdade, é quem usa a cultura como vaidade, e fala ou escreve difícil desnecessariamente. O Eclesiastes já advertia que os (pretensos ou não) sábios também são feitos de pura vaidade. É certo, somos todos grandes vaidosos. O que me irrita, no entanto, é perceber o vazio por trás das palavras empoladas.
E há que ser duro também, pois muita gente confunde melancolia com poesia e tristeza com inteligência. A melancolia só gera poemas piegas e argumentações filosóficas capengas. A tristeza, isso eu aprendi muito dolorosamente, deve ser coada no filtro do que restou de vigor, coragem e lucidez no espírito. O resto é lixo.
Não existe sabedoria. Há consequências e força. Não existe ética, e sim justiça. Não existe moral, e sim alegria. Podemos lançar esse tipo de frases à vontade, e elas terão sempre uma força poética e um vigor político, derivados não delas próprias, mas da enorme liberdade do espírito humano, que é governado exclusivamente por seu juizo e seu conceito íntimo e intuitivo de justiça. Lembram do filme Os Fuzis, do Ruy Guerra? O ápice da história ocorre quando o caminhoneiro, que ficou largado num lugarejo miserável do nordeste (por falta de gasolina e mercadorias para levar de volta), assiste, estarrecido, um sertanejo adentrar o bar segurando o filho morto, de fome, pedindo uma caixa para usar de caixão. Lá fora, uma frota de caminhonetes começa a levar embora da cidade os alimentos de um armazém abarrotado, cujo proprietário havia se recusado a vender os artigos, de olho na alta especulativa que a seca trazia. O caminhoneiro, representante de uma cidadania orgulhosa, não suporta ver uma injustiça tão gritante e sacode o sertanejo, pede que ele se revolte, aponta os caminhões levando os alimentos para fora da cidade, enquanto a população agonizava de fome. Enfim ele surta e parte para cima dos funcionários do armazém e seguranças que o defendiam, armado de um fuzil que rouba de um soldado.
Tem aquela frase, "os fins justificam os meios", atribuída a Maquiavel (que não é dele, todavia), mas o buraco é muito mais embaixo, porque, geralmente, os inquisidores e moralistas que apontam o dedo sãos os primeiros a rezar por essa cartilha. O pior crime numa democracia é a falsa acusação, pois é o ponto fraco de um regime aberto onde todos tem direito à palavra. A partir do momento em que se pode ir ao centro da ágora e acusar um vizinho de roubar-lhe as ovelhas e as terras, e que a sociedade, baseada apenas na palavra do cidadão, pode mandar prender e mesmo executar este vizinho; ou pior, no momento em que uma falsa acusação podia levar a comunidade a declarar uma guerra, gerando prejuízos humanos incalculáveis, esse se tornou o crime capital em diversos momentos do Mundo Antigo. Montesquieu, no Espírito das Leis, conta que, no consulado de Acilius Glabrio e Pisão, na Roma Antiga, foi decretada a lei Acilia, para acabar com as intrigas; a lei era uma versão mais branda de uma outra, que impunha penas terríveis contra esse tipo de crime. Montesquieu era um campeão das causas da liberdade, e por isso mesmo estudou a fundo a história das lutas sociais em prol dessa deusa de asas longas. Ele escreve: "Acontece muitas vezes nos Estados populares que as acusações sejam públicas e seja permitido a todo homem acusar a quem quiser. Tal coisa fez com que se estabelecessem leis próprias para proteger a inocência dos cidadãos." Em Atenas, o acusador que não apresentasse provas suficientes, tinha que pagar uma considerável multa. "Em Roma, o acusador injusto era considerado infame, e se imprimia a letra K na sua testa. Punham-se guardas junto ao acusador para que não pudesse corromper os juízes ou as testemunhas."
Os problemas com que lidamos hoje, portanto, vêm de longe. A história da humanidade é triste, mas também é repleta de belíssimos exemplos de luta. As rebeliões dos escravos em Roma, das quais a mais famosa foi a de Spartacus, foram todas reais e documentadas. O exército de escravos de Spartacus por pouco não destruiu o nascente Império Romano. São fatos realmente impressionantes, exemplos maravilhosos de coragem, disciplina e espírito de luta. Não faz sentido desistirmos agora, com um pessimismo de meio vintém, enquanto mandamos a empregada preparar a janta. E a luta se dá, numa democracia, no embate ideológico, que não pode ser nunca sectarizado, ou temido, ou evitado. O debate ideológico é um ato de cultura, artístico, de uma artisticidade da qual todos os cidadãos podem partilhar, ainda mais agora, que a internet produziu esse maravilhoso fenômeno, a intelectualização da massa.
Pois a internet tornou a universidade obsoleta. Os professores, por isso mesmo, depois de rirem da angústia dos jornalistas, que perderam tanto poder e prestígio nos últimos tempos, terão em breve o seu momento de caça, quando a propagação do conhecimento e a consolidação das novas tecnologias estreitarem cada vez mais as diferenças entre os que estudam em Harvard, Berlim ou na sua própria casa. Pela internet, tenho acesso aos textos greco-latinos, posso estudar alemão, e isso será cada vez mais importante. As universidades terão uma importância social, para conhecer garotas e fazer amigos, mas tornar-se-ão irrelevantes no quesito multiplicação de conhecimento. Terão importância na pesquisa, claro, mas também nesse ponto haverá uma enorme diluição de poder, com a disseminação de pequenos e anárquicos laboratórios independentes, conectados entre si pela rede mundial de computadores.
Então, eu acho que devemos partir pro debate político. Não é preciso esperar eleições para praticá-lo. As ideologias devem ser questionadas, para avançarem. Esse é o significado profundo do "materialismo dialético" dos marxistas... Bem, não se pode afirmar nunca com segurança o que os marxistas querem dizer, porque eles são legião e brigam entre si. Aquele reaça do Mario Vargas Llosa é um exímio escritor, apesar de tudo, e foi na jugular do trotskismo no romance Historia de Mayta, onde um minúsculo grupinho marxista se fragmenta até se converter num emaranhado de indivíduos isolados querendo se matar uns aos outros. Enfim, é fundamental praticarmos o debate ideológico, sem preguiça, não necessariamente antenados nas eleições, mas, por outro lado, conscientes de que a eleição, num regime democrático já em fase de amadurecimento, como o brasileiro, é a verdadeira práxis revolucionária.
Não concordo, em absoluto, com as teses de que o capitalismo engoliu a ação política e que, não importa quem seja eleito, tudo continua na mesma. Acho essa proposição anti-histórica e submissa. Ora, a realidade nega isso. Governantes eleitos podem promover mudanças profundas. Evo Morales nacionalizou toda a indústria de gás do país. Isso não é mudar? Chávez idem. Isso não é mudar? Vargas criou todas as grandes estatais do Brasil moderno (Petrobrás, Eletrobrás, CSN, entre outras).
O capitalismo é uma força avassaladora, mas também acho que é do interesse do capitalismo se superestimar, dar-se poderes que não tem. Existem, isso sim, forças econômicas poderosas, mas não devemos confundi-las com capitalismo. São forças da natureza, existentes em qualquer regime de governo, comunista, medieval ou capitalista. Existe oferta e demanda. Existe carência, excesso. Você pode derrubar o capitalismo, mas não vai mudar a natureza.
Por isso eu costumo falar, ironicamente, que sou capitalista. Porque não acredito no capitalismo. Creio que ele é um grande engodo que os capitalistas inventaram para ampliarem seu próprio poder. É uma ilusão ideológica. Afinal, qual é a concretude do capitalismo? É o dinheiro? Ora, o dinheiro existe, quiçá, desde os primórdios do homem. Ah, podemos concordar com Engels e enxergar o capitalismo na pré-história da humanidade, quando o homem aprendeu a domesticar animais e botou a filharada pra trabalhar. Tudo certo, mas a interpretação de Engels tem um subtexto insuportavelmente moralista, julgando-o como um avanço do capitalismo malvado sobre a sociedade humana, o que é ingênuo e equivocado, porque dá um prestígio ao capitalismo que ele, definitivamente, não merece.
Hoje escutei, na Voz do Brasil, um comentarista lembrar que governos de todo planeta colocaram mais de 10 trilhões de dólares nos mercados financeiros, principalmente nos bancos falidos, para salvar o mundo de uma grande catástrofe econômica. Ora, ora. Que beleza. Capitalismo de merda esse. Na hora do vamo-ver, vai todo mundo comer capim na mão do papai.
O grande Chomsky tinha razão. O capitalismo não existe. Os Estados Unidos é um regime econômico lastreado no poder do Estado. O Estado emite a moeda. O Estado patrocina o avanço tecnológico. Em tudo, está sempre a mãozinha do papai fazendo a América andar pra frente. E quando o Estado recua, como ocorreu nos tempos do neoliberalismo, é só para dar um grande salto mais tarde, como está acontecendo agora. Os EUA estatizaram os principais bancos, as maiores seguradoras, e a General Motors correu pro colo macio do titio que trabalha na repartição.
Quando eu digo, portanto, que sou capitalista, estou sendo irônico e citando o anarquista Chomsky. Afinal, estamos no Brasil, onde 90% da população estuda em escolas públicas, é atendida na rede pública de saúde, e recebe aposentadoria do sistema previdenciário público.
O mais importante é o seguinte. O país é governado por políticos eleitos através de um sufrágio público. E a economia é regida por um Banco Central público. As estradas são construídas pelo Estado - embora alguns as vendam depois para empresas privadas explorarem o pedágio... Portos, aeroportos, rede sanitária, hidrelétricas, usinas nucleares, tudo é construído pelo Estado, ou seja, pelo povo brasileiro. A segurança pública é controlada, principalmente, pelo Estado. O sistema judiciário também é estatal. E vocês vem me dizer que é o capitalismo que manda no país? Ora,o capitalismo manda, sim, mas é nas suas cabeças. O povo brasileiro tem liberdade para votar em candidatos do Executivo e do Legislativo, e uns podem realizar grandes investimentos em isso ou aquilo e os outros, simplesmente, poderem criar e mudar as leis! O poder, portanto, continua emanando do povo; se o povo é bobo, é outra história.
Não, não tenho nenhum otimismo ou esperança. Não trabalho com esses conceitos. Tenho fé na força e na violência, isso sim, na força da inteligência e na violência das paixões. É nisso em que eu acredito. Agora, de fato, temos um problema muito grave no Brasil. Provavelmente é um problema mundial. É o sistema de comunicação de massa, por toda a parte em mãos de corporações privadas. O capitalismo mais grosseiro e anti-democrático refugiu-se nas mídias corporativas, e não é por outra razão que elas investem sistematicamente contra as instituições públicas e democráticas. Às mídias não interessam um sistema de saúde público - querem planos de saúde privados que gastem milhões de publicidade em suas páginas e no intervalo da novela, e zero em pesquisa e pouco em atendimento, resultando em hospitais tão chiques como hotéis, mas com médicos incompetentes e serviços ineficazes.
Essa crise financeira trouxe-me, por exemplo, uma convicção quase obsessiva. É preciso acabar com os bancos privados. Qual a razão de deixarmos o destino de bilhões de seres humanos em instituições financeiras privadas dirigidas por playboys enlouquecidos? Com que finalidade, meu Deus? Para quebrarem e obrigarem os povos a arcar com a dívida? Sim, porque os bancos privados sempre quebram, uma hora ou outra. E não aceito que eu, ou meus filhos, tenham que pagar por isso. Eu e meu falecido pai éramos micro-empresários e estávamos a toda a hora quebrando. O Estado não nos ajudava. Nem queríamos ajuda. Quebrávamos com dignidade e dávamos sempre a volta por cima. Até que o doutor Fernando Henrique Cardoso colocou à frente do Banco Central um outro doutor chamado Armínio Fraga (cuja genialidade me lembra muito a de um terceiro doutor, o "brilhante" Daniel Dantas) que, no seu primeiro dia de gestão, elevou os juros básicos do país para 45% ao ano! Com isso, os juros reais dos bancos subiram outras dezenas de pontos percentuais, e nós, micro-empresários cheios de cheques especiais no Banco Itaú, de repente passamos a pagar alguns milhares de reais por ano, quiçá dezenas de milhares de reais, por causa desse capricho neoliberal. Outro capricho foi privatizar a telefonia sem realizar uma regulamentação que evitasse a explosão dos preços das ligações, de maneira que, após a mesma, os gastos da nossa micro-empresa com telefone decuplicaram. Por fim, privatizou o serviço de agência de correios igualmente sem regulamentar os preços finais ao consumidor, fazendo com que nossos custos de correio, que eram enormes, pois tínhamos mais de 600 assinantes em todo país, subissem 4.000% de um dia para outro.
É natural que quebrássemos. Não conheço, aliás, uma empresa do tempo do senhor Fernando Henrique Cardoso que não tenha quebrado ou chegado muito perto disso. Até os grandes, como O Globo, registraram um brutal aumento no endividamento. Os funcionários públicos ficaram sem reajuste por quase 8 anos. Conheci professores de Universidades Federais que ficaram sete meses sem receber. Mas era tão bom um presidente que falava francês fluentemente, né? Esses mesmos professores, esses mesmos empresários, dotados de uma impressionante memória de chimpanzé, agora criticam violentamente o governo Lula por ter rasgado a bandeira da ética... Na realidade, macaqueiam o que lêem nos jornais, já que pensar com a própria cabeça não é tarefa fácil.
Os escândalos e ideologias forjados nas redações de três empresas espraiam-se por toda nação a uma velocidade inacreditável, pautando a agenda política nacional, as conversas das famílias "bem informadas", o bafafá no cafezinho das empresas, o debate estético. Se isso não é uma interferência anti-democrática na vida política e cultural do país, então não sei o que é. Entretanto, a história ensina que o poder é sempre cruel, e que aqueles que o enfrentam quase sempre se dão mal, pois a vida é curta. A vida humana é muito mais curta que a vida de uma grande instituição.
Mas eis que surge uma idéia fantástica. Mais que isso, é A IDÉIA. A Organização das Nações Unidas (ONU) mandou circular, há pouco, uma proposta de criar uma moeda mundial única. É agora que os Olavinhos cortam os pulsos ou têm um enfarte. Há tempos que constatei que a neo-direita global repete, em tudo, os cacoetes medievais. Não é capitalista de verdade. Já estão defendendo as moedas locais, assim como os senhores feudais apegavam-se às suas moedas particulares. O capitalismo moderno nasce com a derrocada desses senhores e a implantação da unificação monetária no interior das nações.
A direita contemporânea é simplesmente reacionária, no sentido mais odiosamente biológico. Representa as forças da imobilidade, essas mesmas que, pela própria dialética inerente ao espírito humano, estão sempre puxando o homem para trás. Essas forças retrógradas, no entanto, são necessárias à história, porque elas obrigam as forças progressistas a se tornarem mais vigorosas, mais dinâmicas, até o peso pender, definitivamente, para um novo Renascimento.
É preciso lutar, todavia, como disseram ao boxeador antes dele entrar no ringue do Tyson. Sem luta, não há justiça, não há avanço. As pessoas subestimam muito o poder destruidor do medo e da preguiça mental. Afinal, se um mísero vírus, um ser com limitações físicas e desprovido de inteligência, pode ameaçar a humanidade, imagine o potencial devastador de uma ideologia baseada nesses dois monstros da alma. Uma ideologia não tem as limitações do concreto. Pode ser transmitida digitalmente, via internet, a uma velocidade espantosa. E o problema é que as pessoas não morrem, precisamente, de medo ou preguiça. É algo como a Aids. Ninguém morre de Aids, mas de complicações decorrentes. A Aids detona o sistema imunológico, assim como o medo e a preguiça destroem nossas defesas ideológicas, tornando-nos presa fácil para as teorias mais estapafúrdias propagadas pela mídia. Vide o caso dos americanos, chanteados por mentiras, ilações falsas e argumentos pérfidos. Após alguns editoriais bem escritos, e apavorantes, a indústria bélica tungou alguns trilhões de dólares do contribuinte americano. Para quê? Para lançar mísseis de 3 milhões de dólares sobre choupanas, no Afeganistão, avaliadas cada uma, aproximadamente, em cinquenta cents.
Outro dia, conversando com uma garota, eu afirmei que odiava intelectuais. Está certo que era papo de bêbado, mas não posso agora negar o que disse. Resta-me explicar. Eu sou um intelectual. O que eu odeio, na verdade, é quem usa a cultura como vaidade, e fala ou escreve difícil desnecessariamente. O Eclesiastes já advertia que os (pretensos ou não) sábios também são feitos de pura vaidade. É certo, somos todos grandes vaidosos. O que me irrita, no entanto, é perceber o vazio por trás das palavras empoladas.
E há que ser duro também, pois muita gente confunde melancolia com poesia e tristeza com inteligência. A melancolia só gera poemas piegas e argumentações filosóficas capengas. A tristeza, isso eu aprendi muito dolorosamente, deve ser coada no filtro do que restou de vigor, coragem e lucidez no espírito. O resto é lixo.
Não existe sabedoria. Há consequências e força. Não existe ética, e sim justiça. Não existe moral, e sim alegria. Podemos lançar esse tipo de frases à vontade, e elas terão sempre uma força poética e um vigor político, derivados não delas próprias, mas da enorme liberdade do espírito humano, que é governado exclusivamente por seu juizo e seu conceito íntimo e intuitivo de justiça. Lembram do filme Os Fuzis, do Ruy Guerra? O ápice da história ocorre quando o caminhoneiro, que ficou largado num lugarejo miserável do nordeste (por falta de gasolina e mercadorias para levar de volta), assiste, estarrecido, um sertanejo adentrar o bar segurando o filho morto, de fome, pedindo uma caixa para usar de caixão. Lá fora, uma frota de caminhonetes começa a levar embora da cidade os alimentos de um armazém abarrotado, cujo proprietário havia se recusado a vender os artigos, de olho na alta especulativa que a seca trazia. O caminhoneiro, representante de uma cidadania orgulhosa, não suporta ver uma injustiça tão gritante e sacode o sertanejo, pede que ele se revolte, aponta os caminhões levando os alimentos para fora da cidade, enquanto a população agonizava de fome. Enfim ele surta e parte para cima dos funcionários do armazém e seguranças que o defendiam, armado de um fuzil que rouba de um soldado.
Tem aquela frase, "os fins justificam os meios", atribuída a Maquiavel (que não é dele, todavia), mas o buraco é muito mais embaixo, porque, geralmente, os inquisidores e moralistas que apontam o dedo sãos os primeiros a rezar por essa cartilha. O pior crime numa democracia é a falsa acusação, pois é o ponto fraco de um regime aberto onde todos tem direito à palavra. A partir do momento em que se pode ir ao centro da ágora e acusar um vizinho de roubar-lhe as ovelhas e as terras, e que a sociedade, baseada apenas na palavra do cidadão, pode mandar prender e mesmo executar este vizinho; ou pior, no momento em que uma falsa acusação podia levar a comunidade a declarar uma guerra, gerando prejuízos humanos incalculáveis, esse se tornou o crime capital em diversos momentos do Mundo Antigo. Montesquieu, no Espírito das Leis, conta que, no consulado de Acilius Glabrio e Pisão, na Roma Antiga, foi decretada a lei Acilia, para acabar com as intrigas; a lei era uma versão mais branda de uma outra, que impunha penas terríveis contra esse tipo de crime. Montesquieu era um campeão das causas da liberdade, e por isso mesmo estudou a fundo a história das lutas sociais em prol dessa deusa de asas longas. Ele escreve: "Acontece muitas vezes nos Estados populares que as acusações sejam públicas e seja permitido a todo homem acusar a quem quiser. Tal coisa fez com que se estabelecessem leis próprias para proteger a inocência dos cidadãos." Em Atenas, o acusador que não apresentasse provas suficientes, tinha que pagar uma considerável multa. "Em Roma, o acusador injusto era considerado infame, e se imprimia a letra K na sua testa. Punham-se guardas junto ao acusador para que não pudesse corromper os juízes ou as testemunhas."
Os problemas com que lidamos hoje, portanto, vêm de longe. A história da humanidade é triste, mas também é repleta de belíssimos exemplos de luta. As rebeliões dos escravos em Roma, das quais a mais famosa foi a de Spartacus, foram todas reais e documentadas. O exército de escravos de Spartacus por pouco não destruiu o nascente Império Romano. São fatos realmente impressionantes, exemplos maravilhosos de coragem, disciplina e espírito de luta. Não faz sentido desistirmos agora, com um pessimismo de meio vintém, enquanto mandamos a empregada preparar a janta. E a luta se dá, numa democracia, no embate ideológico, que não pode ser nunca sectarizado, ou temido, ou evitado. O debate ideológico é um ato de cultura, artístico, de uma artisticidade da qual todos os cidadãos podem partilhar, ainda mais agora, que a internet produziu esse maravilhoso fenômeno, a intelectualização da massa.
Pois a internet tornou a universidade obsoleta. Os professores, por isso mesmo, depois de rirem da angústia dos jornalistas, que perderam tanto poder e prestígio nos últimos tempos, terão em breve o seu momento de caça, quando a propagação do conhecimento e a consolidação das novas tecnologias estreitarem cada vez mais as diferenças entre os que estudam em Harvard, Berlim ou na sua própria casa. Pela internet, tenho acesso aos textos greco-latinos, posso estudar alemão, e isso será cada vez mais importante. As universidades terão uma importância social, para conhecer garotas e fazer amigos, mas tornar-se-ão irrelevantes no quesito multiplicação de conhecimento. Terão importância na pesquisa, claro, mas também nesse ponto haverá uma enorme diluição de poder, com a disseminação de pequenos e anárquicos laboratórios independentes, conectados entre si pela rede mundial de computadores.
Fonte:Óleo do Diabo
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