sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Pré-sal tem força para levar o País ao Primeiro Mundo


Chance de ouro


Por Octávio Costa e Adriana Nicacio, IstoÉ


Uma nova chance de o Brasil se converter em potência mundial foi oficializada na segunda-feira 31. Diante de uma plateia de três mil pessoas no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou o marco regulatório do pré-sal. Trata-se de um conjunto de leis que disciplinará como o País vai lidar com um tesouro negro de 14 bilhões de barris de petróleo descoberto a sete mil metros de profundidade. Essa riqueza é capaz de lançar a economia brasileira para um novo patamar, com a mul tiplicação de empregos, de investimentos e reflexos diretos no PIB.

O País tem a possibilidade de ganhar um status de Primeiro Mundo, sentando- se à mesa dos grandes produtores de petróleo. Depois de identificada toda a extensão do pré-sal, o Brasil acumulará reservas de petróleo superiores a 90 bilhões de barris. Vai se equiparar aos Emirados Árabes e ao Kuwait, deixando na poeira a Venezuela de Hugo Chávez. "O pré-sal é uma dádiva de Deus", comemorou o presidente.

Para transformar esse tesouro em riqueza para todos os brasileiros que necessitam de melhoria na educação, saúde, infraestrutura e distribuição de renda, o País precisa cruzar cinco fronteiras. A primeira é a geográfica, pois o pré-sal está nos limites da plataforma marítima, a cerca de 300 quilômetros da costa. A segunda, geológica, em razão da profundidade em que se encontra. Outra fronteira é tecnológica, devido aos complexos sistemas necessários para a extração. O País já deu passos significativos para ultrapassar esses três limites (leia quadro na pág. 40).

As outras duas fronteiras, a econômica e a política, o Brasil começa a cruzar a partir do marco regulatório. Nesse sentido, Lula não exagera ao afirmar que o dia 31 de agosto de 2009 entrará para a história como "um novo Dia da Independência para o Brasil". Mas isso só se tornará uma realidade se o País for capaz de não incorrer nos erros do passado. Ao longo dos séculos, o País viveu ciclos extrativistas de caráter predatório. Esvaíram- se fortunas incalculáveis em pau-brasil, ouro, pedras preciosas, cana-de-açúcar, café e borracha.

É por isso que o momento exige um nacionalismo diferenciado. As reservas do pré-sal devem ser mantidas nas mãos de brasileiros. "O Estado precisa ter o controle do petróleo para fazer políticas sociais. Se o governo não fizer, quem vai fazer? A Shell, a Texaco, a Chevron?", questiona o professor Luiz Pinguelli Rosa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). As oportunidades despertaram o interesse de todo o mundo. É evidente que o País precisa manter o relacionamento com o mercado internacional e fazer esforços para atrair o capital estrangeiro. Mas é importante também, neste caso, que o Estado brasileiro não abra mão de exercer o controle sobre suas riquezas. A exploração do pré-sal é tarefa de um país e não de um governo. "É como se houvesse uma mão invisível - não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo, tecendo nosso destino e construindo nosso futuro", disse Lula.

marco regulatório prevê a entrada de investimentos privados e estrangeiros, desde que em parceria com a Petrobras. "Vamos continuar no Brasil. Estou satisfeito com o marco regulatório", garante o presidente da petrolífera portuguesa Galp, Manuel Ferreira de Oliveira. "As regras devem estar associadas ao risco, que hoje caiu abruptamente", diz ele. A Galp é sócia da Petrobras em seis projetos do pré-sal. Caso os textos enviados ao Congresso Nacional sejam aprovados sem alterações, a Petrobras se tornará a operadora de todos os blocos de exploração do petróleo do pré-sal, com participação de no mínimo 30%. A participação privada será bem-vinda, mas os investidores terão de partilhar sua produção com a estatal brasileira. Por mais que haja críticas, dos 24 grandes países com grandes reservas, 16 adotam essa forma de partilha.

Do ponto de vista do investidor estrangeiro, há a certeza de que está nascendo um novo e poderoso player mundial. Nas estimativas do meio acadêmico, o País investirá cerca de US$ 600 bilhões nos próximos 30 anos. "Haverá um impacto enorme na economia brasileira", afirma o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli. Para explorar as reservas, será necessário acionar a plena carga a indústria naval, a indústria metalúrgica, a indústria petroquímica e a construção civil, além de toda a cadeia de fornecedores da própria indústria petrolífera, como a produção de sistemas de alta tecnologia. Serão gerados mais de 250 mil empregos diretos e mais de 500 mil empregos indiretos.

Faz parte do marco regulatório a criação de uma nova estatal, a Petro-Sal, e de um fundo social que funcionará como uma megapoupança, alimentada por um percentual da arrecadação do pré-sal, para investimentos em educação, cultura, meio ambiente, erradicação da pobreza, desenvolvimento e inovação tecnológica. Se o compromisso for cumprido, o Estado estará efetivamente assegurando que o tesouro do pré-sal seja compartilhado por todos os brasileiros e o Brasil se tornará a sonhada potência mundial. O problema é se os governantes caírem na tentação de desviar esses recursos para inchar a máquina pública e a mordomia. "Temos que administrar bem essa riqueza", pondera Alexandre Szklo, professor de planejamento energético da UFRJ. "Estou otimista, mas com um certo frio na espinha."

A Petro-Sal nascerá com 130 funcionários e exercerá em boa parte as funções da Agência Nacional do Petróleo. Um dos maiores especialistas brasileiros em energia, o economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), discorda da criação da estatal: "Não é necessária, vai acabar gerando mais custos do que benefícios." Mas a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, acredita que a Petro-Sal vai diminuir "a assimetria de informações entre o governo e as empresas". Em relação ao fundo social, não há polêmica. Sua aprovação no Congresso certamente será pacífica.

RISCOS E DESAFIOS

A exploração do pré-sal implica riscos e grandes desafios tecnológicos, ambientais e econômicos. Uma das principais preocupações do governo é evitar a chamada "doença holandesa": o risco de a entrada excessiva de dólares gerar sobrevalorização do real e desmantelar a indústria nacional. A "vacina" proposta pelo governo é a criação de um fundo social que poderá fazer investimentos no Brasil e no Exterior, modelo adotado na Noruega (leia reportagem na pág. 42).

Esse é apenas um dos riscos que levam especialistas em energia a recomendar cautela nas expectativas em relação ao futuro. "É possível que haja um grande desapontamento. Estão contando com os ovos antes de saírem da galinha", afirma José Goldemberg, professor da Universidade de São Paulo. Ele lembra que, embora o governo trabalhe com 100% de certeza de exploração de grande quantidade de petróleo, a hipótese de furar o solo e encontrar menos do que se espera não deve ser descartada.

Ao mesmo tempo que pode colocar o Brasil entre os maiores produtores de petróleo do planeta, o pré-sal também pode deixar o País na contramão da tendência mundial de substituição de combustíveis fósseis por fontes limpas e renováveis de energia (eólica, solar e os biocombustíveis). Para especialistas, há o risco de se concentrar apenas no petróleo. "Por um bom tempo o petróleo continuará valorizado, mas o Brasil terá de correr para explorar o pré-sal. Em paralelo, o uso de outras fontes começa a ganhar força. É uma questão de custo para que se tornem viáveis", diz Celso Morooka, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a exploração da camada pré-sal vai liberar três vezes mais gás carbônico que o pós-sal. Nesse sentido, é necessário intensificar o debate sobre os impactos ambientais. Os projetos de lei enviados pelo Executivo ao Congresso no início da semana não contemplam esforços adicionais para compensar esse aumento de emissões de CO2.


Uma das saídas em estudo é exigir no licenciamento das áreas do pré-sal o uso de uma tecnologia de captura e armazenamento do carbono, conhecida por CCS (sigla para Carbon Capture Stock) - ainda em fase de testes e de custo elevado. "Os problemas ambientais não foram equacionados. O custo de compensar a emissão de CO2 é elevado. Além disso, a questão do licenciamento ambiental pode trazer grandes discussões e atrasos", diz Goldemberg.

, finalmente, o projeto de lei que garante novos recursos à Petrobras. A União cederá à estatal, sem licitação, valor equivalente a cinco bilhões de barris de petróleo, em títulos da dívida pública. Em outro esforço de capitalização, a Petrobras fará uma emissão de ações e a União - que detém 32,21% do capital da estatal, com 55,71% das ações com direito a voto - subscreverá sua parte. Nas contas de Gabrielli, a Petrobras investirá US$ 28,6 bilhões no pré-sal nos próximos quatro anos. Esse valor deve quadruplicar até 2020, quando a estatal espera atingir a condição de maior companhia de petróleo do mundo.


Antes mesmo da aprovação do marco regulatório, já há impacto do pré-sal na economia. A Sampling Planejamento, que trabalha com consultoria e treinamento em segurança offshore, abriu mais dois escritórios, um em Duque de Caxias (RJ) e outro em Vitória (ES). A Jevin, especializada na venda de equipamentos para telecomunicações offshore, contratou funcionários para atender novos clientes. O mercado abre espaço para jovens talentos, como o estudante de engenharia mecânica, Gabriel Santoro, 23 anos. Quando viu no mural da faculdade um aviso de seleção de estágio para a FMC Technologies, parceira da Petrobras, não hesitou e mandou o currículo. "Hoje faço parte da equipe que desenvolve a fabricação do primeiro sistema de separação submarina água-óleo a ser usado em águas profundas no mundo", diz.

Às vésperas de uma eleição presidencial, a oposição criticou a forma como o presidente Lula tratou o anúncio do marco regulatório do pré-sal. Muitos trataram o evento como eleitoreiro. É difícil, porém, imaginar algum político que com este capital em mãos não faça uso político dele.


As críticas, no entanto, são mais explicadas pelo calendário eleitoral do que pela forma como o governo está conduzindo o présal. O governador paulista José Serra (PSDB), por exemplo, um dos principais adversários de Lula em 2010, concorda com o modelo de partilha adotado pelo governo. Nos bastidores tem agido para que a bancada paulista no Congresso vote a favor do marco regulatório.

Colaboraram: Maíra Magro e Wilson Aquino (RJ)


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