Rudolfo Lago*
De tudo o que há no Congresso Nacional, muito provavelmente não há nada mais equivocado, distorcido e mesquinho que o processo que assegura aos deputados e senadores o direito de apresentar emendas individuais ao Orçamento. Este ano, cada parlamentar teve assegurada uma quota de R$ 13 milhões para emendas individuais, para destinar dinheiro público para o que bem entendesse. No total, a previsão para o orçamento de investimentos em 2011 é de R$ 46 bilhões. O total das emendas individuais somará R$ 7,7 bilhões. Ou seja: muito, muito mais de 10% do total de investimentos previstos no orçamento são essas emendas individuais.
O primeiro aspecto eticamente reprovável dessa história é a caridade com o chapéu alheio. É o político faturando nas cidades da sua base parlamentar o investimento de dinheiro público, que não é seu. O parlamentar pode alegar que assegurar esses recursos para a sua região faz parte do seu trabalho. E é verdade. O problema é que o Brasil ganharia muito mais se os deputados e senadores não insistissem em manter esse sistema, que pode ser bom para cada um demarcar bem o que fez com a verba pública, mas que é péssimo para o país. Num país ainda com muitas dificuldades, com muitas prioridades e pouca disponibilidade de recursos para investimentos, as emendas individuais dispersam recursos, pulverizam o que já é pouco em pequenas ações espalhadas.
E as prioridades são definidas pelos interesses dos parlamentares,pelo que pode trazer maior ganho eleitoral – na melhor das hipóteses. Porque na pior das hipóteses elas é que têm sido a ponta de lança de uma praga da qual o país não se livra: os esquemas de desvio de recursos orçamentários. Se não temos mais anões, se cresceu a estatura dos envolvidos, o noticiário dos últimos dias não deixa dúvidas: a máfia do orçamento está de volta. Ou melhor: a máfia do orçamento nunca deixou de atuar.
Mesmo antes da Constituição de 1988, parlamentares descobriram na elaboração orçamentária um filão de ouro. Quando o esquema foi descoberto, o termo “anões do orçamento” encaixou-se com precisão por dois motivos. Primeiro, a turma liderada na época pelo falecido deputado João Alves era mesmo baixinha. Segundo, eles, como os amiguinhos de Branca de Neve, saíam de suas casas todos os dias para explorar uma mina.
Há muita semelhança entre o que vem se descobrindo agora e o que foi a gênese da máfia do orçamento. Se as denúncias apontam para um esquema no qual o atual relator do Orçamento, Gim Argello (PTB-DF), destinava dinheiro para instituições que não existem, também foi assim lá no começo. Antes da Constituição de 1988, os parlamentares não tinham poderes para emendar o orçamento, eles podiam aprová-lo ou rejeitá-lo no todo, apenas. Havia, porém, uma quota que cada um podia destinar para ajudar instituições, o que era chamado de “subvenção social”. Começaram a surgir ali entidades fantasmas que os deputados e senadores criavam para receber dinheiro público. Foi o início do esquema.
Depois da Constituição, o esquema sofisticou-se com as emendas. Começaram os acertos para superfaturar obras e para escolher previamente empresas que, depois de aprovadas as emendas, seriam contratadas pelas prefeituras. Como a capacidade de os parlamentares individualmente emendarem o orçamento é limitada, o esquema foi caminhando para obras e iniciativas menores. A pulverização das emendas individuais dificultava a fiscalização e facilitava o esquema. Quanto mais difícil fosse contabilizar o custo de uma ação e quanto mais fácil fosse fazer uma emenda melhor para o esquema.
Quadras esportivas, tratores para agricultura (tecnicamente chamados de “patrulhas mecanizadas”), ambulâncias, foram no passado alvos dos deputados e senadores que desviavam recursos do orçamento. Agora, a coisa parece estar se concentrando em destinações ainda mais difusas e difíceis de acompanhar: festas e eventos financiados pelos ministérios do Turismo e da Cultura. Quanto custa a contratação de um artista? Quanto custa uma festa de réveillon? É bem mais difícil de se dizer do que quanto custa um quilômetro de estrada asfaltada ou uma parede de tijolos. Depende do artista, depende da festa. Mais fácil de superfatura, mais fácil de desviar.
E ainda que não haja mutreta, ainda que não haja desvio, será que essa deveria ser a prioridade da União, com tanta pobreza, com tanta coisa a se fazer no país, bancar festinhas para ajudar a eleger deputado e senador? Numa realidade marcada pela notícia feita pelo Ministério do Planejamento de que haverá cortes nas despesas de todos os ministérios no ano que vem? Na melhor das hipóteses, a discussão orçamentária no Congresso é irreal. Na pior, é desonesta.
* Jornalista, editor-executivo do Congresso em Foco, onde o artigo foi originalmente publicado
De tudo o que há no Congresso Nacional, muito provavelmente não há nada mais equivocado, distorcido e mesquinho que o processo que assegura aos deputados e senadores o direito de apresentar emendas individuais ao Orçamento. Este ano, cada parlamentar teve assegurada uma quota de R$ 13 milhões para emendas individuais, para destinar dinheiro público para o que bem entendesse. No total, a previsão para o orçamento de investimentos em 2011 é de R$ 46 bilhões. O total das emendas individuais somará R$ 7,7 bilhões. Ou seja: muito, muito mais de 10% do total de investimentos previstos no orçamento são essas emendas individuais.
O primeiro aspecto eticamente reprovável dessa história é a caridade com o chapéu alheio. É o político faturando nas cidades da sua base parlamentar o investimento de dinheiro público, que não é seu. O parlamentar pode alegar que assegurar esses recursos para a sua região faz parte do seu trabalho. E é verdade. O problema é que o Brasil ganharia muito mais se os deputados e senadores não insistissem em manter esse sistema, que pode ser bom para cada um demarcar bem o que fez com a verba pública, mas que é péssimo para o país. Num país ainda com muitas dificuldades, com muitas prioridades e pouca disponibilidade de recursos para investimentos, as emendas individuais dispersam recursos, pulverizam o que já é pouco em pequenas ações espalhadas.
E as prioridades são definidas pelos interesses dos parlamentares,pelo que pode trazer maior ganho eleitoral – na melhor das hipóteses. Porque na pior das hipóteses elas é que têm sido a ponta de lança de uma praga da qual o país não se livra: os esquemas de desvio de recursos orçamentários. Se não temos mais anões, se cresceu a estatura dos envolvidos, o noticiário dos últimos dias não deixa dúvidas: a máfia do orçamento está de volta. Ou melhor: a máfia do orçamento nunca deixou de atuar.
Mesmo antes da Constituição de 1988, parlamentares descobriram na elaboração orçamentária um filão de ouro. Quando o esquema foi descoberto, o termo “anões do orçamento” encaixou-se com precisão por dois motivos. Primeiro, a turma liderada na época pelo falecido deputado João Alves era mesmo baixinha. Segundo, eles, como os amiguinhos de Branca de Neve, saíam de suas casas todos os dias para explorar uma mina.
Há muita semelhança entre o que vem se descobrindo agora e o que foi a gênese da máfia do orçamento. Se as denúncias apontam para um esquema no qual o atual relator do Orçamento, Gim Argello (PTB-DF), destinava dinheiro para instituições que não existem, também foi assim lá no começo. Antes da Constituição de 1988, os parlamentares não tinham poderes para emendar o orçamento, eles podiam aprová-lo ou rejeitá-lo no todo, apenas. Havia, porém, uma quota que cada um podia destinar para ajudar instituições, o que era chamado de “subvenção social”. Começaram a surgir ali entidades fantasmas que os deputados e senadores criavam para receber dinheiro público. Foi o início do esquema.
Depois da Constituição, o esquema sofisticou-se com as emendas. Começaram os acertos para superfaturar obras e para escolher previamente empresas que, depois de aprovadas as emendas, seriam contratadas pelas prefeituras. Como a capacidade de os parlamentares individualmente emendarem o orçamento é limitada, o esquema foi caminhando para obras e iniciativas menores. A pulverização das emendas individuais dificultava a fiscalização e facilitava o esquema. Quanto mais difícil fosse contabilizar o custo de uma ação e quanto mais fácil fosse fazer uma emenda melhor para o esquema.
Quadras esportivas, tratores para agricultura (tecnicamente chamados de “patrulhas mecanizadas”), ambulâncias, foram no passado alvos dos deputados e senadores que desviavam recursos do orçamento. Agora, a coisa parece estar se concentrando em destinações ainda mais difusas e difíceis de acompanhar: festas e eventos financiados pelos ministérios do Turismo e da Cultura. Quanto custa a contratação de um artista? Quanto custa uma festa de réveillon? É bem mais difícil de se dizer do que quanto custa um quilômetro de estrada asfaltada ou uma parede de tijolos. Depende do artista, depende da festa. Mais fácil de superfatura, mais fácil de desviar.
E ainda que não haja mutreta, ainda que não haja desvio, será que essa deveria ser a prioridade da União, com tanta pobreza, com tanta coisa a se fazer no país, bancar festinhas para ajudar a eleger deputado e senador? Numa realidade marcada pela notícia feita pelo Ministério do Planejamento de que haverá cortes nas despesas de todos os ministérios no ano que vem? Na melhor das hipóteses, a discussão orçamentária no Congresso é irreal. Na pior, é desonesta.
* Jornalista, editor-executivo do Congresso em Foco, onde o artigo foi originalmente publicado
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