segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A verdade factual deve prevalecer

Jornal que confundiu transação penal e condenação deve pagar indenização



Por Marina Ito



Transação penal não é condenação. A explicação serviu para a 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manter a indenização a ser paga a um ex-vereador de Armação de Búzios, na Região dos Lagos fluminense, alvo de notícia do jornal Primeira Hora. O ex-vereador reclamou que o jornal publicou notícias de que ele havia sido condenado e respondia a dois outros processos criminais. Agora, tanto o jornal quanto a jornalista que escreveu o texto estão obrigados a pagar R$ 10 mil por dano moral para ele. Cabe recurso.

“Não existiu realmente a condenação criminal do autor [ex-vereador] noticiada pelo primeiro réu [jornal], pois resta claro que foi realizada uma transação penal, o que em nada se confunde com sentença condenatória, como foi veiculado”, escreveu a relatora do caso, desembargadora Jacqueline Montenegro, na decisão.

De acordo com os autos, o jornal afirmou que o ex-vereador foi condenado pela Justiça devido à agressão a um agricultor. Mas o que aconteceu foi que o ex-vereador aceitou a transação penal oferecida pelo Ministério Público. A transação penal é uma espécie de acordo e usada em casos de infrações com menor potencial ofensivo.

Já em relação às duas ações criminais mencionadas na notícia do jornal, o tribunal constatou que quem responde a esses processos é um homônimo. “O primeiro elemento que não pode ser descartado pela imprensa é a responsabilidade de apurar acerca da veracidade das informações antes de lançá-las em suas páginas”, observou a desembargadora.

Segundo ela, o jornal e a jornalista não se preocuparam em conferir a veracidade das informações sobre o político, o que causou dano à honra dele. “É verdade que vivemos em uma democracia que prestigia a liberdade de imprensa, de informação e de opinião, o que não significa dizer que não exista limite para elas”, constatou.

O caso


Valmir Conceição Oliveira entrou com ação contra o jornal Primeira Hora, a jornalista que escreveu os textos e vários diretores da publicação. Em primeira instância, o juiz Rafael Rezende, da 1ª Vara de Búzios (RJ), condenou o jornal e o jornalista a pagar, solidariamente, R$ 10 mil ao ex-vereador. Já em relação aos diretores do jornal, o juiz julgou improcedente o pedido para que eles também fossem responsabilizados pelas notícias.

“O pedido é manifestamente improcedente em relação aos demais réus, sendo que o fato de exercerem cargos de direção no veículo de comunicação, mesmo o de membros do seu conselho editorial, não é capaz de torná-los responsáveis pelos danos”, afirmou o juiz, na sentença.

Ele disse, ainda, que “a análise sobre se a publicação da matéria, com tais informações inverídicas, decorreu de dolo ou culpa das rés é irrelevante para fins de responsabilidade civil, da mesma forma que é irrelevante para os mesmos fins saber se havia algum objetivo político-eleitoral na publicação”. Para o juiz, o importante era saber se a notícia causou dano ao ex-vereador. “A esse respeito, considero inegável a causação deste dano”, entendeu o juiz.

Leia a decisão

DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
(Vara Única de Armação dos Búzios)
APELAÇÃO Nº 0002015-58.2004.19.0078
APELANTE 1: VALMIR CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA
APELANTE 2: RBF EMPRESA JORNALÍSTICA LTDA ME.
APELANTE 3: ANA ELIZABETH PEREZ BAPTISTA PRATA
APELADO 1: OS MESMOS
APELADO 2: RUY FERREIRA BORBA FILHO
APELADO 3: JOAÕ VICTORINO
APELADO 4: MARCELO OLIVEIRA
RELATORA: Des. JACQUELINE LIMA MONTENEGRO

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL – ILÍCITO COMETIDO ATRAVÉS DA IMPRENSA.
1 – Matéria jornalística que veicula informações inverídicas acerca da existência de condenação criminal e de outras ações penais contra o autor.
2 – Afirmações que não se mostraram verdadeiras e que causaram danos à honra do Autor, vereador do município de Armação dos Búzios, candidato a reeleição no pleito a se realizar poucos meses após a publicação.
3 – Liberdade de imprensa que deve ser exercida com responsabilidade e limitada pelos princípios, também com matiz constitucional, da inviolabilidade da honra e da imagem.
4 – Indenização fixada em patamar razoável, porque considerou, além da gravidade do dano, a capacidade econômica do ofensor.
5 – Descabimento da condenação ao pagamento de honorários a Réus que não se fizeram representar nos autos.
6 – Honorários do advogado do Réu Ruy Borba fixados em harmonia com o texto legal que não está a merecer qualquer redução.
7 – Honorários do patrono do Autor fixados em 20% do valor da condenação, o qual também não está a merecer qualquer retoque.
8 – Provimento parcial do primeiro recurso apenas para afastar a condenação ao pagamento de honorários relativamente aos réus que não foram representados nestes autos, considerando prejudicados os demais.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do processo de Apelação Cível n° 0002015-58.2004.8.19.0078, em que são Apelantes VALMIR CONCEIÇÃO OLIVEIRA, RBF EMPRESA JORNALÍSTICA LTDA. ME e ANA ELIZABETH PEREZ BAPTISTA PRATA e Apelados OS MESMOS, RUY FERREIRA BORBA FILHO, JOÃO VICTORINO e MARCELO OLIVEIRA.

Acordam os Desembargadores que compõem a Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, dar provimento parcial ao primeiro recurso, considerando prejudicado os demais.

Cuida-se de recursos interpostos contra a sentença que julgou procedente em parte os pedidos formulados pelo Autor para condenar o primeiro e o segundo réus ao pagamento de indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de reparação moral ao autor, além do pagamento das custas processuais e honorários de advogado.

Rebela-se o autor contra aparte do julgado que lhe impôs o pagamento de honorários de advogado aos dois réus que ficaram revéis e contra o percentual arbitrado para os honorários do advogado do Réu Ruy Borba. Pretende, ainda, a majoração do valor da indenização e de seus honorários.

O primeiro Réu apela destacando que nada há de inverídico na matéria hostilizada e que se acha acobertada pelos princípios constitucionais de liberdade de expressão, opinião e de imprensa, reagindo, ainda, contra o valor da indenização arbitrada.

A segunda Ré apela repisando toda matéria apresentada pelo primeiro Réu também buscando a reforma da sentença.

Não há controvérsia acerca da existência da matéria jornalística impugnada e nem de sua autoria, como bem apontado na sentença.

No mais, é certo que a matéria jornalística contra qual se rebela o Autor de fato lança inverdades sobre o autor, porque alicerçada em fatos inverídicos.

Não existiu realmente a condenação criminal do Autor noticiada pelo primeiro Réu, pois resta claro que foi realizada uma transação penal, o que em nada se confunde com sentença condenatória, como foi veiculado.

Igualmente, as ações penais textualmente citadas pelo periódico na matéria de autoria da segunda Ré também não eram movidas em face do Autor, como ali indicado, mas sim em face de homônimo, como demonstrado nestes autos.

É verdade que vivemos em uma democracia que prestigia a liberdade de imprensa, de informação e de opinião, o que não significa dizer que não exista limite para elas.

Pois bem, o primeiro elemento que não pode ser descartado pela imprensa é a responsabilidade de apurar acerca da veracidade das informações antes de lançá-las em suas páginas.

Não se pode olvidar que ao lado do princípio da livre informação jornalística coexiste o princípio do direito à inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, ambos com matizes constitucionais.

Comentando a respeito do tema, enfatizando a necessidade de harmonização entre os citados princípios, leciona o jurista SERGIO CAVALIERI FILHO:

“À luz desses princípios, é forçoso concluir que, sempre que direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro, atuando como limites estabelecidos pela própria Lei Maior para impedir excessos e arbítrios.

Assim, se ao direito á livre expressão da atividade intelectual e de comunicação contrapõe-se o direito á inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem, segue-se como conseqüência lógica que este último condiciona o exercício do primeiro.” (In Programa de Responsabilidade Civil – 7ª edição – editora Atlas)

Destarte, a liberdade de imprensa não pode e nem deve servir de escudo para neutralizar afronta a honra, a imagem e ao direito à vida privada das pessoas.

No caso, os Réus não tiveram a preocupação de conferir a veracidade das informações desabonadora á imagem do Autor, homem público, causando-lhe, indubitavelmente, danos tanto a sua honra objetiva como subjetiva.

Nesta linha, nada há de errado na sentença que reconheceu os danos morais que a publicação causou ao Autor.

No tocante ao valor da indenização, não se pode perder de vista a capacidade econômica do causador do dano no momento da fixação da indenização, que deve ser ponderado junto com a gravidade da ofensa, sob pena de impor uma condenação que, para além de compensar o ofendido, redunda na ruína do ofensor.

Sobre os honorários sucumbenciais, verifico que não houve atuação de advogados na defesa dos interesses dos Réus João Victorino e Marcelo Oliveira a justificar a percepção da mencionada verba, razão pela qual afasto a condenação a este título.

Quanto aos honorários fixados ao advogado do Réu Ruy Borba, entendo que foram estabelecidos em patamar proporcional à tarefa desempenhada, porquanto tomou-se por base não o valor da condenação, mas o valor da causa, que é de R$ 1.800,00, o que significa honorários de R$ 360,00.

Acerca dos honorários fixados a favor do advogado do Apelante, ressalto que foram arbitrados em 20% sobre o total da condenação, não havendo, portanto, o que majorar.

Por derradeiro, tenho como prejudicado o exame dos recursos interpostos pelo primeiro e segundo réus diante do que restou decidido no recurso interposto pelo Autor.

Ante o exposto, VOTO no sentido de DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso do autor para afastar a condenação ao pagamento de honorários de advogado aos Réus JOÃO VICTORINO E MARCELO OLIVEIRA, considerando prejudicados os demais recursos.

Rio de Janeiro, 07 de dezembro de 2010.

JACQUELINE LIMA MONTENEGRO

Desembargadora Relatora

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