Marco Damiani _247 – Não é novidade, para os brasileiros, o anúncio da morte de um grande líder político a conta-gotas. Foi assim, goste-se ou não, com o então presidente eleito Tancredo Neves, em 1985. Cercado por uma junta médica, com informações ao público filtradas pelo porta-voz ex-global Antônio Brito, que depois, na esteira da popularidade, tornou-se governador do Rio Grande do Sul, Tancredo foi morrendo aos olhos do público, boletim após boletim, ao longo do que a Rede Globo chamou de "calvário", por contados 39 dias, a partir de sua internação depois da vitória no Colégio Eleitoral.
Os tempos mudaram, mas com Hugo Chávez, na Venezuela, a situação tem seu paralelo atualizado. Desde eu viajou para Cuba, em dezembro, anunciando a retomada de um tratamento contra um câncer cujas informações nunca foram totalmente conhecidas, Chávez tem sua saúde administrada junto ao público por boletins médicos pouco claros e mensagens transmitidas de maneira enviesada por políticos, em especial o vice-presidente Nicolás Maduro. Agora, no entanto, parece que a verdade está próxima. Ao anunciar, na segunda-feira 4, que Chávez " apresenta uma nova e grave infeção", o ministro das Comunicações, Ernesto Villegas, sinalizou estar adiantando que a notícia da morte do presidente do país vizinho é questão de dias ou, mais propriamente, horas.
A saída de Chávez da cena política promete causar profundas alterações no chamado cenário geopolítico da América Latina. Na própria Venezuela, maior produtor de petróleo do continente e 11º do mundo, com 2,3 milhões de barris por dia, o quadro político pode entrar em convulsão. O vice Maduro deve tentar assumir o poder sem eleições, na continuidade do mandato iniciado por Chávez acamado, mas as primeiras leituras da constituição dão conta de que essa alternativa não será vista como legal.
Como irão reagir as radicalizadas forças pró e anti-chavistas à uma recusa à posse de Madero e à convocação de novas eleições? Após os funerais que, certamente, levarão milhões às ruas, o estado democrático bastante particular vigente na Venezuela continuará de pé ou tentações de quebra da ordem poderão aflorar? São interrogações que só serão respondidas durante a evolução da cena pós-Chávez.
Já é certo, porém, que sem o presidente de mão forte, Cuba, onde ele buscou a cura, será o primeiro país mais afetado. A preço camarada, Chávez garantia o envio à ilha socialista dos irmãos Castro de 150 mil barris/dia de petróleo. A lacuna aberta pelo já aguardado anuncio da morte de Chávez e a possível reviravolta política que a nova situação pode provocar na Venezuela apontam, de saída, para fortes sacolejadas nas amistosas relações com os dois país.
O enfraquecimento de Cuba, com a perda do grande amigo Chávez, certamente irá animar os dissidentes cubanos concentrados em Miami – e ninguém espera de Barack Obama qualquer mãozinha a favor do regime castrista. Ao contrário. Sempre duro no tratamento com a ilha, cujo boicote econômico é mantido e, em alguns aspectos, acentuado, o mais esperado é uma postura ainda mais crítica de Obama sobre a ilha. Ele poderá aproveitar o desaparecimento de um líder que sempre se colocou como à esquerda do establishment, e plenamente identificado com Cuba, para praticar, pelo discurso e outras ações, uma versão pelo avesso da teoria do dominó vigente nos anos 1960: acabando o regime chavista na Venezuela, seria hora de acabar também com o socialismo em Cuba.
Pelo mesmo raciocínio, a retirada de Chávez do tabuleiro latino-americano tende a retrair para a defensiva líderes com os quais ele dialogova frequentemente, ensaindo uma identificação ideológica, como Evo Morales, da Bolívia, e Rafael Corrêa, do Equador. Ambos ficarão sem o patrono rico pelo petrodólares. Na outra ponta da balança, centristas como o vizinho Manuel Santos, da Colômbia, e ..., do Chile, poderão ver no momento uma oportunidade para darem um passinho à frente no xadrez geopolítico local.
Cristina Kircher, na Argentina, deverá verter lágrimas verdadeiras, uma vez que igualmente como Morales e Corrêa tecia o mesmo tricot ideológico cujos pontos maiores eram dados por Chávez.
O Brasil, nesse quadro, deve ser o país com menos a ganhar e perder a partir da morte do presidente venezuelano. Apesar das estreitas relações entre a Petrobras e a PDVSA, uma série de grandes negócios, como a implantação de uma refinaria em regime de joint ventura no Nordeste brasileiro, ficaram apenas no papel.
Politicamente, o Itamaraty guiou a presidente Dilma Rousseff para uma posição de equidistância segura em relação ao regime chavista. Entre os assessores internacionais mais próximos à presidente, o mais chavista deles, Marco Aurélio Garcia, precisou ele próprio passar por um severo tratamento de saúde nos últimos tempos, deixando temporariamente vago o posto de maior amigo de Chávez dentro do Palácio do Planalto. Ainda que o Brasil não se ressinta da mais que provável falta de Chávez, a expectativa é a de que as mudanças políticas no primeiro grande vizinho ao norte do Brasil tenham reflexos, mais ou menos acentuados, em praticamente todos os países da região.
Num ponto, ao menos, já há consenso: a esquerda latino-americana terá perdido em Chávez seu mais poderoso e folclórico porta-voz dos últimos 50 anos.Brasil-247
3 comentários:
Honra e glória ao Comandante, sempre!
Honra e glória ao Comandante, sempre!
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