Currículo empobrecido
Escolas em tempo integral
paulistas eliminam História, Geografia e Ciências dos anos iniciais do
Fundamental, o que é visto com desconfiança por especialistas
por Tory Oliveira
Alunos das escolas de tempo
integral da rede estadual de São Paulo não terão mais disciplinas específicas
de História, Geografia e Ciências Físicas e Biológicas nos três primeiros anos
do Ensino Fundamental. A mudança, publicada no Diário Oficial em janeiro,
causou polêmica entre professores e profissionais ligados à educação. De acordo
com a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo, o objetivo das alterações é
fortalecer a alfabetização em Língua Portuguesa e Matemática, disciplinas cujo
desempenho dos alunos é alvo de avaliações externas como o Saresp e a Prova
Brasil, e tornar o ensino mais atraente. Há quem questione, porém, a eficácia
de focalizar os esforços e as aulas apenas em Português e Matemática, abordando
as demais apenas de forma transversal nos primeiros anos dessa etapa do ensino.
A desvalorização das disciplinas fora da grade, a concepção de alfabetização e
a influência excessiva das avaliações nas escolas também foram questionadas por
especialistas ouvidos pela reportagem.
Nas duas propostas
curriculares sugeridas pela Secretaria Estadual de Educação e publicadas no
Diário Oficial em 19 de janeiro, o espaço indicado na tabela para as
disciplinas História, Geografia e Ciências aparece ocupado com um traço. Já
Língua Portuguesa, Educação Física/Artes e Matemática aparecem formalmente na
grade, com a porcentagem da carga horária indicada. No 4º e 5º ano, as
disciplinas excluídas voltam a corresponder, cada uma, a 10% do total do tempo
em sala de aula. Nos anos finais, as disciplinas também aparecem.
A mudança causou
estranhamento entre os professores e profissionais das áreas de História,
Geografia e Ciências. Especialistas de disciplinas que ganharam mais espaço no
novo currículo, como Língua Portuguesa e Matemática, também se manifestaram de
maneira contrária à nova resolução. “Nós estranhamos muitíssimo. Até porque é
uma modificação que atinge exatamente as escolas de tempo integral, que teriam
tempo em dobro para trabalhar essas questões”, observa Lisete Arelaro, diretora
da Faculdade de Educação da USP.
A justificativa do projeto
de fortalecer o ensino de Língua Portuguesa e Matemática não convenceu a
professora da Faculdade de Educação da USP e especialista em alfabetização
Silvia Colello. “Eu sou contra, porque acho que não existe língua desvinculada
de um conteúdo”, afirma. Na avaliação da especialista, o ideal seria que as
disciplinas fossem trabalhadas de forma dialética: o aprendizado da Língua
Portuguesa favoreceria a aquisição de conhecimentos oriundos das demais
disciplinas e, por sua vez, o interesse pelos conteúdos motivaria a
alfabetização e a aquisição da linguagem. Para Lisete Arelaro, essa concepção
de alfabetização é considerada superada na educação desde os anos 1980. “Essa
discussão começou na década de 1960 e na de 1980 já era difícil encontrar
alguém da área de Educação que defendesse a posição de que só Português e
Matemática alfabetizam.”
Para o historiador Arnaldo
Pinto Júnior, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o movimento
explicita a ideia de que as disciplinas de História, Geografia e Ciências não
contribuem para o processo de alfabetização e letramento das crianças. “Essas
disciplinas são consideradas supérfluas. A ideia é que elas não qualificam a
formação dos alunos em geral, o que nós achamos inverídico”, afirma o
professor, que também é um dos coordenadores do GT de Ensino de História e
Educação da Associação Nacional de História.
A Secretaria de Educação,
porém, informou que não houve nenhuma mudança nas disciplinas da base comum. “O
que houve foi um aperfeiçoamento da parte diversificada, com a implementação de
atividades complementares e oficinas curriculares com novos temas nas quatro
áreas de conhecimento (Linguagem, Matemática, Ciências Humanas e Naturais)”,
informou a assessoria de imprensa. A Secretaria Estadual de Educação insistiu
que as disciplinas já não constavam formalmente na grade nos últimos anos, mas
não estão excluídas e são abordadas pelos professores nas demais aulas.
As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Fundamental consideram obrigatórios conteúdos de
Ciências da Natureza (Físicas e Biológicas) e Humanas (História e Geografia),
além de Português, Matemática, Arte e Educação Física. No entanto, o documento
admite a possibilidade de que esses componentes sejam oferecidos de modo
interdisciplinar.
Para Arnaldo Pinto, a noção
de que é possível trabalhar conhecimentos históricos, geográficos e científicos
em outras aulas desvaloriza essas disciplinas: “Se sou um professor que está sendo
cobrado para dar aulas sobre letramento, leitura e compreensão e sobre soma,
subtração e multiplicação, o que vou fazer? Não vou trabalhar com Geografia,
História e Ciências”.
Para Antonio Simplício de
Almeida Neto, professor do Departamento de História da Unifesp, a mudança
elimina a possibilidade de concretização de um movimento que vinha acontecendo
nos últimos anos nos cursos de Pedagogia, responsável por formar profissionais
para Educação Infantil e Fundamental. A maioria das faculdades de Pedagogia
reserva poucos semestres para o ensino de História, geralmente dividido com
Geografia. No entanto, nos últimos anos, os cursos estavam ampliando o número
de aulas específicas de formação de professores para o assunto. “Os cursos de
Pedagogia estavam acordando para a importância de ampliar o número de aulas de
formação de professores com maior especificidade no ensino de História”, conta.
Apesar da celeuma causada
pela oficialização da nova matriz curricular, Helenice Ciampi lembra que o
ajuste faz parte de um processo em curso pelo menos desde 2008, quando outra
resolução estabeleceu diretrizes para o currículo do Ensino Fundamental nas
Escolas Estaduais de Tempo Integral. Segundo Helenice, as escolas só receberam
orientações para o segundo ciclo do Fundamental e para o Ensino Médio na área
de História. Quanto à informação de que os conhecimentos seriam trabalhados
durante as outras aulas, Helenice é cética: “Esses conhecimentos podem ser
abordados em outras disciplinas, mas o professor não se sente obrigado nem é
preparado para isso, pois não há orientação”.
Realizado em março, o Fórum
São Paulo sem Passado reuniu professores ligados à área na capital paulista
para discutir a reforma curricular. Uma das questões levantadas pelos
educadores foi a possibilidade de que a mudança no currículo em São Paulo
influencie os demais estados. “O que é feito em São Paulo ainda exerce
influência em outros estados”, afirma Helenice Ciampi. “São Paulo trouxe a
questão do ensino apostilado, por exemplo, que se espalhou depois pelo Brasil.”
Ligado à área da Matemática,
Nilson Machado classifica a nova orientação como equivocada. Na opinião do
professor da Faculdade de Educação da USP, é preciso uma formação básica
inicial, em todas as séries, em História, Geografia e Ciências. “O que me parece
é que uma medida como essa tem como objetivo pragmático melhorar os resultados
em avaliações que cobram Português e Matemática, como o Saresp, no caso de São
Paulo.”
Para Machado, as avaliações
não deveriam ser tratadas como um fim, mas sim como um meio. “Hoje, não só ela
é considerada um fim como passa a pautar os conteúdos que serão abordados nas
escolas. Está tudo invertido.”
Para a diretora da Faculdade
de Educação da USP, Lisete Arelaro, a corrida pela alfabetização na idade certa
e por melhores resultados em avaliações externas tem pressionado as escolas a
só ensinar a ler, escrever e contar “como era antigamente”. “É uma visão
saudosista do que significa os anos iniciais”, pondera.
Silvia Colello afirma que a
medida é uma tentativa desesperada para resolver o grande desafio da
alfabetização. O tiro, porém, pode sair pela culatra. Segundo a especialista,
estudar assuntos oriundos das demais disciplinas abre um leque de conhecimento
de mundo para as crianças e dá sentido ao processo de alfabetização. “Acho que
não se pode alfabetizar sem dar para o aluno uma razão para ele aprender a ler
e a escrever, e a razão é justamente contar histórias, descobrir o mundo”,
pondera.
A nova resolução, na opinião
de Lisete, demonstra um retrocesso e um desconhecimento a respeito do processo
de alfabetização e da concepção dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
“Voltamos à ideia de que as séries iniciais existem apenas para alfabetizar e o
que alfabetiza é Português e Matemática, o resto é estória, com ‘e’ e não com
“h” maiúsculo.”
Outras mudanças
Os alunos do Ensino
Fundamental das escolas de tempo integral da rede estadual de São Paulo também
serão afetados por outras mudanças. No modelo anterior, havia maior separação
entre as disciplinas básicas e as oficinas temáticas, oferecidas sempre no
contraturno. A nova diretriz prevê que as disciplinas regulares e as atividades
complementares sejam distribuídas de modo alternado ao longo dos dois turnos de
funcionamento das unidades, aumentando sua integração. O novo currículo define
outros dez temas para as oficinas curriculares, que podem ser obrigatórias ou
eletivas, a critério da escola. Nos anos iniciais, as escolas deverão ter pelo
menos oito das dez oficinas e nos finais, pelo menos seis. Além disso,
atividades complementares como hora da leitura, produção de texto e
experiências matemáticas passam a ser obrigatórias para o primeiro ciclo (1º ao
5º ano), assim como o ensino de língua estrangeira. CartaCapital
2 comentários:
O PSDB quer criar gerações de analfabetos políticos, indivíduos sem memória sem história.
O PSDB quer criar gerações de analfabetos políticos, indivíduos sem memória sem história.
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