O que a extinção de tucanos em trechos de Mata Atlântica têm a ver com a oferta de palmito nos supermercados? Absolutamente tudo, diz um grupo de pesquisadores de Brasil, México e Espanha.
Em artigo publicado na última edição da revista americana Science, cientistas observaram que nos remanescentes da floresta onde a ave desapareceu há mais de 50 anos por causa de caça ou desmatamento, as sementes do apreciado - e ameaçado - palmito juçara são menores do que nas matas que conservavam os tucanos.
A relação entre as duas espécies ocorre porque a palmeira dá frutos de variados tamanhos, mas os grandes são comidos, e dispersados, somente por aves de bico também grande, como tucanos. Nos locais onde o animal foi extinto, a palmeira acaba tendo de se contentar com as aves menores, como os sabiás, para ter suas sementes dispersadas.
Só que o pequeno bico do passarinho só consegue comer os frutinhos, de modo que apenas eles vão resultar em novas árvores - invariavelmente palmeiras que só darão sementes pequenas. A conclusão dos pesquisadores é que, com o passar dos anos (talvez um século - uma mixaria em termos evolutivos), a perda da fauna está funcionando como vetor de seleção natural da palmeira, eliminando as árvores de sementes grandes.
O problema, explica Mauro Galetti, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro e líder do estudo, é que os frutos pequenos são mais vulneráveis porque perdem água mais facilmente que os grandes. "Se a concentração cai a menos de 20% de água, não há germinação Um perigo diante de cenários futuros de aquecimento global e redução das precipitações. Uma população inteira que dê só sementes pequenas, se ocorrer uma seca, pode não gerar nenhuma nova árvore", afirma.
"No ano passado, teve uma seca forte. Só de olhar para a mata já vimos que não germinou nada. Se isso se repetir no longo prazo, não vai mais ter palmito." Ao longo de cinco anos, até o ano passado, pesquisadores coletaram mais de 9 mil sementes de 22 populações de palmeiras, espalhadas em pequenos fragmentos e em áreas de floresta contínua da Mata Atlântica entre o Paraná e o sul da Bahia. Em sete deles - seis em São Paulo e um no Rio de Janeiro -, não havia mais sementes grandes. São justamente as áreas que sofreram o impacto humano há mais tempo.
Olhando registros históricos, pesquisadores observaram que a partir do século 19 as florestas ali foram reduzidas para produção de café e depois cana-de-açúcar. Nos mesmos locais, tucanos e outras aves grandes, como as arapongas, eram raros ou estavam localmente extintos.
Antes de concluir que a existência apenas de sementes pequenas estava ligada à ausência dos tucanos, os pesquisadores investigaram uma série de variáveis ambientais, como clima, fertilidade do solo, cobertura florestal. "Só a falta dos bichos fazia diferença", diz Galetti.
Ele lembra que o palmito juçara já está fortemente ameaçado pela ação de palmiteiros ilegais nos fragmentos de mata que ainda existem. A palmeira, por lei, não pode ser cortada. Seu consumo só pode ocorrer em condições sustentáveis. "Mas o que vemos hoje é o oposto disso. Parques da Serra do Mar têm mais palmiteiros e caçadores que turistas, pesquisadores e moradores juntos."
Por Giovana Girardi (Agência Estado)
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