sábado, 1 de junho de 2013

Gurgel mostra sua fé



Roberto Gurgel, o mais controvertido dos procuradores na história da República, tomou e toma decisões que marcaram e marcarão de forma melancólica o desfecho do mandato dele na Procuradoria-Geral em agosto.
Uma dessas decisões, a mais recente, é o fato de Gurgel ter mandado para as profundezas do arquivamento a ação que envolve os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL) e João Capiberibe (PSB).  Ambos, em tese, da base governista. Na prática, não.
Gurgel, ao contrário de Geraldo Brindeiro, que engavetava tudo que o governo FHC queria engavetado, tem ido muito além do engavetar ou desengavetar. Ele deu clara noção de sua orientação política.
Há outras diferenças. Fiquemos, por enquanto, no fato de que o procurador-geral ora desengaveta, ora engaveta. Engavetou, por exemplo, o caso citado acima.
O episódio ocorreu em 1999, quando Randolfe era deputado estadual e Capiberibe, governador do estado. Nesse período, conforme denúncia feita por Fran Soares Junior (PP), Randolfe teria recebido dinheiro além do salário regulamentar para votar projetos de interesse do governador. Há conversas gravadas, periciadas, entre Capiberibe e o deputado João Brandão, com menção clara sobre isso.
Randolfe, a única flor do PSOL no Jardim do Senado, nega tudo. E justifica alguns recibos que assinou. Não justifica todos ou tudo. Há recibos, assinados por Randolfe, reconhecidos como legais por análise feita pelo perito Ricardo Molina. Há também gravações em áudio, periciadas, que reforçam a denúncia.
Se fosse possível admitir dúvidas em favor de Randolfe, seria impossível engolir o arrazoado de Gurgel que conduziu a representação para o arquivo sob a alegação de que os fatos narrados na representação “são inverídicos”.
Eis algumas razões em contrário:
– Não houve montagem dos áudios.
– O procurador-geral faz “exercício argumentativo” para deduzir que “a representação noticiou fatos inverídicos”.  Também faz descaso das provas apresentadas, indiferente ao fato de que só a perícia pode averiguar a veracidade da prova técnica.
– Gurgel foi além de sua competência. O Ministério Público analisa as questões de direito. As de fato competem exclusivamente a peritos.
– A acusação diz que não apresentou todos os recibos assinados por Randolfe, porque teriam sido recolhidos pela Polícia Federal. Gurgel poderia averiguar. Oficiaria à PF sobre os recibos e, se existissem, os submeteria a exame pericial.
Gurgel navega orientado por bússola política e com a frieza de um frade de pedra. É possível perceber a linha que norteia as decisões que toma. Não é uma linha reta. Bem avaliada, nota-se, porém, como é definida. Por isso é possível supor que, só aparentemente, a decisão beneficia Randolfe e Capiberibe. O arquivamento, falho e apressado, mantém sobre os dois um incômodo ponto de interrogação.

Mauricio Dias-CartaCapital

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