segunda-feira, 17 de junho de 2013

Viva a primavera da juventude brasileira






Há tempos eu não encontrava um assunto tão desafiador como esses levantes da juventude. De início, fiquei chocado, negativamente, com algumas cenas: jovens queimando a bandeira do Brasil; um outro vestido com as cores dos EUA exibindo uma bandeira do Brasil pichada com a palavra Lixo; depredação da sede de um partido político; destruição de patrimônio público, ônibus, agências...

Depois a coisa se complicou na minha cabeça. Não era bem assim. Os vândalos eram uma minoria, infiltrados? Há relatos de policiais à paisana promovendo depredações, para desqualificar os protestos. Em seguida, a repressão brutal mudou completamente a balança. O vandalismo é lamentável, mas é uma coisa da qual a gente pode se defender com certa facilidade. Basta identificar e prender os responsáveis. O vandalismo ataca objetos inanimados. A brutalidade policial ataca seres humanos, e vem justamente daqueles que pagamos com nossos impostos para zelarem por nossa proteção.

Seria vulgar e óbvio criticar o governador Geraldo Alckmin. Sua irresponsabilidade é gritante. Sua truculência, um fato lamentável que, espero, o povo saiba castigar no seu devido momento, assim como fizeram com aquele prefeito de São José dos Campos, rechaçado pelas urnas por causa da brutalidade que patrocinou, juntamente com o governo do estado, contra os moradores de Pinheirinho.

Eu quero entender é o movimento em si. Estou lendo tudo há dias, freneticamente. O Nassif tornou-se um entusiasta dos levantes. A esquerda tradicional olha com desconfiança e mesmo com medo para um movimento ideologicamente obscuro. Os movimentos da direita virtual, que tentam há anos, em vão, fazer mobilizações similares, observam os acontecimentos com brilho maligno nos olhos, e tratam de se unir aos jovens e tentar influir em seu estado de espírito, envenenando-os com rancor antipolítica e falso moralismo.

A grande mídia, por sua vez, também parece perdida. Esses jovens não lêem jornais e a maioria alimenta ideologias francamente esquerdistas. Jabor, Villa, editoriais dos jornalões, reagiram com uma brutalidade verbal correspondente a da polícia. Aliás, a polícia provavelmente agiu com a truculência que se viu por causa justamente da pressão midiática.

Um amigo me ligou dizendo que as manifestações no Rio e Niterói estavam assumindo aquele lamentável viés antipolítica que procuramos combater. E se negaram a se encontrar com os prefeitos. No Correio Braziliense, há matérias falando num movimento orquestrado nos protestos de Brasília, esses mais voltados contra o governo federal. O serviço secreto da PM paulista acusa "militantes do PSOL" de contratarem punks para protagonizarem os atos mais violentos.

Mas eu não posso acreditar no Correio Braziliense nem na PM paulista.

Então prefiro acreditar que são levantes genuínos.

Mas protestos com depredação de patrimônio público, por sua vez, não são uma tradição brasileira, nem podemos permitir que se tornem. Seriam válidos se vivêssemos numa ditadura, o que não é o caso. Os políticos que nos governam podem ser um bando de sacripantas, mas foram devidamente eleitos por uma maioria. Devem ser respeitados não por si mesmos, mas porque representam a vontade soberana de milhões.

O patrimônio público nacional, por sua vez, que já é precário, tem de ser protegido, jamais destruído.

Lembrem da praça Tahir!

O levante da praça Tahir emocionou o mundo porque era radicalmente pacífico, voltado para a reconstrução da democracia e recuperação do patrimônio público. Os manifestantes varriam as ruas! Por algumas semanas, parte de uma cidade famosa pela sujeira, manteve-se impecavelmente limpa! O Museu Histórico do Cairo foi protegido por uma cerca humana contra os vândalos, num gesto que tocou profundamente arqueólogos e historiadores do mundo inteiro, pois seria uma tragédia indescritível para a humanidade se os tesouros do Egito Antigo fossem destruídos e roubados.

O que me preocupa mais, no entanto, é que o vazio e a confusão ideológica da maioria dos jovens, podem ser facilmente instrumentalizados por interesses políticos mal intencionados. Mesmo não lendo jornais, os jovens são influenciados por um ambiente político envenenado. E aí poderíamos testemunhar o que vimos na Líbia: um levante da juventude, calcado em demandas belas e justas, sequestrado pelo que há de mais sórdido: oportunistas, golpistas, cobiça imperialista.

Por outro lado, não há sentido em temer o esforço da juventude em romper o silêncio e ir às ruas protestar por melhoras sociais. É divertido, por isso mesmo, ver esquerda e direita observarem o movimento com um misto de fascínio e perplexidade. Para onde isso vai? Quem herdará os votos da juventude indignada?

Uma das maiores prejudicadas, a meu ver, é a presidente Dilma, que encerra a semana com uma pontuação péssima. Alckmin se queimou definitivamente com a juventude paulista, ou mesmo brasileira, mas provavelmente ganhou votos junto ao numeroso eleitorado conservador de seu estado. Dilma parece ter perdido apoio de ambos os lados.

E ainda levou uma sonora vaia no jogo do Brasil e Japão! Eu assisti à vaia e o que mais me impressionou não foi nem a vaia em si, mas a tromba da presidente. Ela tinha as sombrancelhas arqueadas, aparentando um desconforto terrível, e tive a impressão que as pessoas a vaiaram ainda mais ao se deparar com uma face tão severamente mau humorada num ambiente tão cheio de alegria. Parecia que Dilma iria anunciar que os EUA haviam declarado guerra ao Brasil e estávamos prestes a receber um ataque nuclear!

Mas o Brasil não é Líbia, e a nossa imaturidade democrática ainda se ressente com a falta de participação popular. O governo do PT terá de aprender a conviver com a rebeldia da juventude. Terá que responder a ela não apenas com "gabinetes de crise" mas disposto a ouvir suas demandas.

Por outro lado, não podemos nos deixar levar por um oba-oba leviano. Os jovens têm de ser respeitados, mas sem deslumbramentos. O jovem tem uma energia especial que deve ser estimulada. Ele é aberto ao novo e guarda ás vezes uma capacidade ilimitada para sonhos e ideais. A ideia do passe livre, por exemplo, é interessante, se for viável. Celso Furtado dizia que a liberdade do homem reside na possibilidade de agir conforme as circunstâncias do momento. Mas o jovem não deve ser mitificado ou endeusado. Vivemos uma era extraordinária em termos de acesso à informação e possibilidades de interação social, onde a maturidade e mesmo a velhice, em função disso, não podem mais ser discriminados.

Na vida real, o novo jamais se impõe através da negação total do velho, e sim mediante sua atualização dialética. O novo engole o velho e, por sua vez, também envelhece um pouco, tanto que será, mais na frente, incorporado por outro novo. Os jovens de hoje em breve serão velhos. Digo mais, os levantes da juventude, pela dialética inevitável do corpo social, serão sucedidos por uma reação conservadora. A sociedade brasileira tornou-se complexa, hierarquizada, dividida, como toda sociedade moderna e democrática. Quando um lado resolve puxar mais forte a corda, obriga o outro a reagir com a mesma força.

Por isso mesmo, qualquer movimento social deve estar, permanentemente, se preparando para o embate de ideias. Em algum momento, haverá pressão sobre a juventude que se rebela: e aí, o que vocês pensam, realmente? Quais são suas propostas? Quando chegar esse momento, quem defenderá os jovens e suas ideias? Quem terá o sangue frio e a experiência para enfrentar a reação do conservadorismo e defender mais ousadia governamental e políticas públicas mais progressistas? Nós, os adultos e velhos.

Haverá um momento em que esses jovens chegarão ao poder. Tornar-se-ão políticos, empresários, advogados, servidores públicos, professores universitários. Também eles enfrentarão os terríveis dilemas da vida e da política.

A independência maravilhosa da juventude nasce de sua pobreza, que às vezes beira a indigência. O jovem é a camada financeiramente mais frágil da sociedade, porque ainda não tem especialização, ainda não tem um emprego decente, ainda não tem patrimônio, e à parte isso guarda, como dizia Fernando Pessoa, todos os sonhos do mundo!

Ah, os sonhos da juventude! É o tempo em que acreditamos chegar ao topo do mundo. Ganharemos o prêmio Nobel, seremos felizes e realizados profissionalmente! Tempo de poesia, música, paixões fulminantes e sonhos de revolução!

Devemos incentivar os jovens a serem livres, a pensarem com sua própria cabeça, a sonharem, a irem às ruas protestar por um mundo melhor, mas também é dever dos mais velhos ensiná-los! Os mais velhos não podem fugir a essa responsabilidade, não podem se eximir da tarefa de transmitir aos jovens tudo que aprenderam. Os jovens têm o direito de errar, mas os adultos têm o dever de lhes contar sobre seus próprios erros. Só assim as gerações evoluem.

E o que devemos ensinar aos jovens? Que o mundo não pode mudar? Que revoluções não são mais possíveis? Claro que não! Até porque não é verdade. O mundo tem mudado, o nosso país tem passado por profundas transformações, muitas das quais os jovens não percebem porque não viveram o momento anterior. Mas talvez, de fato, estejamos nos acomodando. Talvez o país precise, de vez em quando, sofrer uma sacudidela, só para lembrar que o ritmo das mudanças tem se ser constantemente acelerado.

Quem pode julgar a paixão da juventude? Não é ela que move o mundo? E não é nosso objetivo maior, justamente, manter ao menos uma parte dessa paixão acesa em nossos espíritos? Que espécie de infeliz quer ser velho? Todos queremos ser jovens!

Que venham, portanto, os protestos! Que os jovens tomem as ruas e exijam mudanças! Que xinguem os governantes, mesmo aqueles que nós, os mais velhos, tanto lutamos para eleger, e pelas mesmas razões que os movem: vida melhor para todos!

Que façam loucuras! Que sonhem!

Só não se esqueçam que vocês não estão sozinhos. Nem ousem pensar isso. Nós, os adultos pacatos, os velhos esquerdistas ranzinzas, nunca deixamos de lutar! Combatemos, diariamente, a dura lida da sobrevivência! E travamos hora a hora a terrível luta da comunicação! À nosso modo também lutamos por um custo de vida menor para trabalhadores e estudantes. Afinal, o aumento dos salários não significa a redução do valor proporcional das passagens? O aumento do salário mínimo e a queda no desemprego não significam que a passagem de ônibus pesará menos no bolso do trabalhador? Uma luta complementa a outra e agradecemos que vocês nos ajudem com protestos de rua. Só que não concordaremos em tudo. Não concordaremos, por exemplo, se vocês abraçarem o discurso da antipolítica ou flertarem com a hipocrisia udenista. Não concordaremos se vocês aceitarem, em suas fileiras, a direita esquálida, decadente e antibrasileira.

Somos todos gladiadores na vida e na política, e continuamos lutando. E não vejo outra frase melhor, portanto, para encerrar o post, que a proferida por soldados de Roma antes de iniciarem um exercício de guerra: Morituri te salutant.  Saudações, combativos jovens, nós que vamos morrer vos desejamos sorte



Do blog O Cafezinho

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