segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A imprensa, o bem e o mal


Em um recente editorial, no qual, pretensamente, alega a defesa do papel da imprensa, o “Globo”, referindo-se ao deputado Marcelo Freixo, afirma que nem ele nem ninguém está “acima do bem e do mal”.
Não conheço o Freixo, não sou adepto do PSOL – ou de qualquer agremiação política – e não sei se ele está ou não envolvido na questão da morte do cinegrafista da Band. Seguramente teremos esses fatos apurados e a verdade virá à tona.
Contudo, vi e vejo com apreensão o posicionamento que, previamente, pretendeu atribuir ao deputado ou ao seu grupo o “financiamento” dos manifestantes.
Vou mais longe, sem medo de ir contra a maré: não concordo com a tese do assassinato doloso do jornalista e penso que está predominando, agora como sempre, o velho corporativismo que conhecemos em diversos segmentos da sociedade e, exponencialmente, no âmbito da imprensa.
Acho, sim, que ninguém se deve colocar acima do bem e do mal, a começar por alguns jornalistas que se julgam inatacáveis e, por isso, nos presenteiam – a nós, míseros mortais – com   visões nem sempre corretas, fruto de atitudes subservientes a quem lhes paga, com pautas manipuladas e direcionadas para interesses às vezes bem evidentes.
Lamento a morte de Santiago como lamentarei sempre muitas outras mortes absurdas como a dele. Lamento a morte dos operários na construção dos estádios da Copa da FIFA, a morte de policiais no cumprimento do dever, a morte de jovens aliciados pelo tráfico (e pela desigualdade perversa), a morte de mulheres e de gays vítimas da saga machista, a morte pela fome de muitos brasileiros espalhados Brasil afora.       
Não posso ver as coisas como elas não são. O jornalista não foi covardemente assassinado, não foi objeto de uma escalada contra a imprensa, mas foi, sim, vítima da irresponsabilidade ditada por atitudes impensadas de quem, talvez, tenha escolhido as armas erradas para protestar.
A imprensa no Brasil não é perseguida e, pelo contrário, persegue, quando vê seus interesses contrariados. Não é impedida de exercer suas funções e, pelo contrário, tem mais força do que o próprio poder governamental. Os segmentos da grande mídia tradicional falam sozinhos, fazem e desfazem corações e mentes, em um processo perverso que, infelizmente, conta com o auxílio de profissionais inebriados pelo prestígio que julgam ter e pelo status de celebridade de que se acham detentores.
O que acontece com essa imprensa é que, vez por outra, ela colhe os frutos do que semeia, Não foi, evidentemente, o caso do cinegrafista Santiago, um profissional que exercia suas funções com dignidade. Mas há  muitos jornalistas que, diariamente, instauram um caos fictício e a falsa ideia de instabilidade, em nome (o que é pior) dos projetos políticos dos seus patrões e dos grupos por eles apoiados.
A imprensa e seus profissionais não estão acima do bem e do mal. Às vezes, podem até estar bem abaixo do mal, quando distorcem, manipulam, mentem.
Um exemplo só, bem elucidativo: onde estão esses briosos jornalistas, que se autoproclamam “investigativos”, que vivem fazendo caras e bocas, sempre ávidos por mostrar a sua indignação contra a  corrupção,  diante das inúmeras acusações que frequentam a internet sobre um suposto caso de fraude fiscal e evasão de dinheiro para paraísos fiscais que tem como atores principais justamente os seu patrões? Se as acusações são falsas, se não é verdade que os cofres públicos foram lesados em um montante que, corrigido, hoje  chegaria  a um bilhão de reais, por que esses paladinos da moralidade não põem um ponto final no assunto, mostrando que se trata de uma calúnia? Se as acusações são verdadeiras, como ainda se atrevem a abrir a boca para falar no seu amor pela profissão?
Estamos vivendo um momento perigoso na história política do país e, a julgar pelo que se vê por aí, na história política da América Latina. Há uma nítida vontade golpista no ar e ela conta, acintosamente, com a desinformação promovida por essa imprensa que se diz “perseguida” , mas que não honra os mais elementares princípios do bom jornalismo.
Não sei se está acessível na internet, mas seria ótimo que os leitores tivessem acesso ao programa  “Entre Aspas”, da Globonew, que foi ao ar no último dia 18,  no qual o tema eram as atuais “manifestações” na Venezuela. Nele,  MônicaWaldvogel teve dificuldade em disfarçar o constrangimento quando um dos  debatedores, o também  jornalista Igor Fuser, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), depois de rebater, ponto por ponto, a  alegada ausência de liberdades democráticas naquele país,  lembrou que, nos 15 anos em que o povo venezuelano tem escolhido livremente seus governantes, nunca viu, na Globo ou nos jornais brasileiros,   uma única notícia positiva sobre as ações governamentais naquele país. Ele declarou: “Não é possível que só mostrem o que é supostamente ruim. Cadê o outro lado? Será que os venezuelanos que votaram no Chávez e no Maduro são tão burros, de votar em governo que só faz coisa errada?”
Esse texto e seus argumentos seriam desnecessários se tivéssemos em nosso país a grande imprensa efetivamente plural. Aí a Globo, o Estadão, a Veja  e a Folha nem precisariam disfarçar os seus desígnios e o povo brasileiro teria direito ao indispensável contraditório.
Um último convite à reflexão: Você já notou que não temos, nos mais de cem canais da TV paga, um único deles voltado para os países da América Latina?  Por que será?

Rodolpho Motta LimaAdvogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasi

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