segunda-feira, 17 de novembro de 2008

COM O CYBER JUIZ, MORRE O JUIZ NATURAL

Com o cyber juiz, morre o juiz natural

Ricardo Giuliani Neto

O juiz está morrendo.

A jurisdição está movida por revelações estatísticas nas quais os números assumiram o lugar das pessoas; cavando a cova profunda dos magistrados, a cibernética vai entrando na vida dos jurisdicionados.

O juiz é quem vê o cidadão olhando-o no olho. Deveria sentir o gélido suor da mentira, deveria palmilhar a tessitura da prova e envergar a arma do crime para poder perceber a verdade da vítima ou a dor do injustiçado.

O juiz lá da biboca tem na derme as palpitações do povo e as pulsações capazes de equilibrar o peso da pena. A pena que condena é a mesma que escreve a absolvição.

Faz tempo, o juiz vem morrendo aos poucos. Morrendo de morte matada.

Foi-se o tempo em que o tantum devolutum quantum appellatum limitava a ação dos tribunais. Hoje, eles fazem tudo como desejam mesmo vencida e conformada a parte sucumbente. As questões postas em primeiro grau, em sede recursal, não limitam mais nada: a vida real só dialoga com a convicção pessoal do julgador de segundo grau, pouco importando a questão tratada nos autos ou os limites da lei. Pouco importa a decisão do juiz de primeiro grau ou os termos da eventual apelação: importa o que o tribunal “acha”.

Estão matando o juiz de primeiro grau. É mero ritual de passagem.

Os tribunais, hoje, podem tudo, ou melhor, acham que tudo podem. E são insaciáveis em estatísticas, estatísticas e mais estatísticas! Julgam pilhas e mais pilhas de processos... Os casos e as pessoas estão ficando em segundo plano, ou, quem sabe, por debaixo de pilhas melancólicas esvaídas em segundos nos julgamentos a rodo e a punhado!

Saudades dos votos individuados e dos indivíduos que se satisfaziam com um bom julgamento!

Uma das grandes conquistas da modernidade, sem dúvidas, foi o direito do cidadão em ter um juiz diante de si. Um juiz de carne e osso. Um homem que erra, um homem que acerta. Um igual que em nome do Estado assegura o direito de pedir o direito. Isso requer presença do cidadão investido de poderes de Estado ombreado com o homem do povo.

O mundo das planilhas e da funcionarização dos juízes (no sentido de que se transmudaram de membros de poder em servidores públicos) já vinha retirando do cidadão a pessoalidade do juiz, imprescindível ao bem julgar.

Logo logo os computadores estarão nos julgando! Já não temos direito à caneta do juiz: há uma chancela eletrônica que a substituiu. Quem nos garante que as senhas estejam na posse somente dos magistrados? Se entregamos senhas bancárias para quem confiamos, por que não poderá o juiz, humano que é, entregar sua senha para alguém de confiança-não-investida? Tanto a conta bancária é minha como também o é a sentença do juiz!

Velha caneta... velha pena... que tranqüilidade me davas! Quem diz que julga 10 mil processos por ano está mentindo! E se dizem que julgam 365, um por dia, é certo que também não julgam! O que fazer?

Agora, estamos no caminho das videoaudiências, das videoconferências, do cyber juiz. O Senado da República acaba de aprovar projeto de lei neste sentido.

Ora, juízes no ar condicionado e presos, com seu carcereiro, diante das câmeras nos calabouços das penitenciárias. Argumentos: custos e segurança (do juiz, é claro). E o cidadão? “Detalhes tão pequenos de nós dois...”

Agem como se todos que estão na penitenciária fossem culpados. A questão é que o juiz deve zelar pelos culpados e pelos inocentes.

Estão matando o juiz.

Matam-no quando o processo se transforma em razão ensimesmada ou quando lhe permitem agir como se computador fosse. Onde se viu o juiz misturar-se com a escumalha cidadã? Promovem-no pelo número de processos que julga e não pela qualidade dos julgados! O que devem pensar da vida os gênios de plantão afundados nas poltronas dos palácios de cristal?

Videoconferência não é modernidade, é retrocesso ao medievo. Planilhas e planilhas com estatísticas e estatísticas não absolvem o judiciário e muito menos nos faz acreditar que estejamos sendo julgados por juízes.

Condenados, vamos todos nós! Sucumbimos diante de um senso comum preocupado em legislar pras manchetes de jornal.

Mortos de morte matada.

Mortos, zanzamos nós, perdidos nos corredores dos foros e dos tribunais à procura de um novo software capaz de nos dar justiça.

Afinal de contas, na era da TV digital, o ambiente do cárcere deverá ser tão real quanto os olhos e as marcas daqueles que somente gostariam de dizer ao juiz: “Socorro”!

Sugestão de Leitura: Constituição Federal e a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Fonte:Última Instância.

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