terça-feira, 11 de novembro de 2008

O GRANDE VENCEDOR

O Troféu Frango vai para o Passarinho

Por Leonardo Sakamoto


Enquanto o Brasil não quitar uma dívida com o seu passado, trazendo à tona os nomes e punindo os torturadores que agiram em nome do Estado durante a ditadura militar, não conseguiremos dar um passo em direção a um futuro de respeito aos direitos políticos, civis e sociais. Já abordei o assunto aqui várias vezes, apoiando a sociedade civil e os setores do governo federal que encampam a luta pela memória e a verdade. Tortura não é crime político, é crime contra a humanidade, e como tal não prescreve jamais e nem poder ser contemplado pela Lei da Anistia.
Nossa política para tratar dos abusos durante a ditadura prevê compensações financeiras para quem sofreu nas mãos do Estado. A Anistia tem servido como justificativa para encobrir crimes que, em outros países vizinhos, como a Argentina, têm sido trazidos a público e julgados. Se perguntarem para as vítimas da Gloriosa se elas preferem dinheiro ou cadeia aos culpados, tenham certeza que a imensa maioria irá optar pela segunda opção. Não por revanchismo, mas por Justiça. Mas essa opção infelizmente não existe.


Fizeram bem os ministros Tarso Genro, Dilma Roussef e Paulo Vannuchi ao condenarem o comportamento da Advocacia Geral da União, que considerou que a Lei da Anistia perdoou a tortura cometida durante a ditadura. Ato que está sendo usado na defesa de militares reformados como Brilhante Ustra e Audir Maciel, que chefiaram o DOI-Codi, o açougue da ditadura. José Antonio Toffoli, que está à frente da AGU, bate o pé sobre o caso e não muda posição. Sabe-se, em Brasília, que ele tem interesses maiores na sua meteórica carreira jurídica – como um assento no STF. Então, para que comprar uma briga como essa, considerando a quantidade de interesses envolvidos?


Nossa transição para a democracia foi lenta, gradual e pacífica – do comando indo dos militares à burguesia, que já participara ativamente da ditadura. Infelizmente, não houve uma necessária clivagem como em outras transições no Cone Sul. Não trabalhamos o nosso passado e, por isso, não nos desvencilhamos dele – da forma como estruturamos nosso desenvolvimento à maneira como tratamos aqueles que discordam do sistema.


Dedico o Troféu Frango, criado por este blog para premiar bizarrices em geral, a quem defende o silêncio diante da tortura. Passo na figura do coronel Jarbas Passarinho, que nos premiou hoje com uma pérola de artigo na página A3 do jornal Folha de S. Paulo sob o título “Julgadores facciosos dos direitos humanos”. Nele, desanca os que estão lutando para ver a justiça ser feita no caso da tortura. Não vou colocar o texto, que é grande, mas dou o link para quem quiser ver - para assinantes. Passarinho reclama sobre a ideologização dos direitos humanos, que estaria sendo feita por quem é a favor da condenação de torturadores e não de “terroristas” que teriam agido durante a ditadura. Esquecendo, é claro, que no primeiro caso estamos falando de crimes cometidos pelo Estado – que têm a função de proteger o cidadão, não de botá-lo no pau-de-arara, dar choques em suas genitálias, violentar seu corpo e sua alma, sumir com cadáveres.


No século 21, vivemos um momento em que a reafirmação dos direitos humanos é uma tarefa difícil e necessária. Parte daqueles que deveriam servir ao cidadão jogam os preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que completa seis décadas neste ano, no lixo, dizendo que isso emperra o progresso ou atrapalha uma “convivência pacífica” entre ricos e pobres, torturadores e torturados.


Pensávamos há 20 ou 30 anos que a defesa dos direitos humanos já estaria superada. Neste momento, trabalharíamos para obter avanços para além desses patamares liberais mínimos, no sentido de garantir mudanças estruturais na sociedade. O que vemos, porém, é um refluxo. A vida é desrespeitada em todas as suas facetas e a defesa desses direitos não perpassa governos e sociedade. É bandeira de poucos.


No mês passado, fui “acusado” de agir com e por ideologia no combate ao trabalho escravo. O que era elogio há algumas décadas, passa a ser xingamento nos primeiros anos do novo século. Agir por dinheiro ou pelo poder também é uma ideologia, apesar de ser considerada uma “emanação da racionalidade humana no seu estado mais grandioso”.


Apenas um aviso ao coronel Passarinho: talvez a geração que está hoje no poder e que, de uma forma ou outra lutou contra a ditadura que o coronel representou, não consiga fazer Justiça às atrocidades cometidas pelos lacaios do regime apesar de seus esforços. Os governos estão por demais inseridos em um tempo que ainda os amarra à Gloriosa.


Mas garanto que a minha geração tratará de manter essa luta e colocar o nome desses torturadores na latrina da História. Pena que vocês não estarão vivos para ver esse dia chegar.

Fonte: Blog do Sakamoto

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