domingo, 2 de novembro de 2008

SEM ALARMISMO

2 DE NOVEMBRO DE 2008

Guido Mantega: 'Recessão ou depressão, eis a questão'

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, passou a tarde da terça-feira (28) no Congresso, negociando a aprovação das medidas de combate à crise econômica. Depois de ouvir os líderes da base governista, voltou ao seu gabinete para falar com exclusividade aos jornalistas Octávio Costa e Adriana Nicacio, da IstoÉ.

Para ministro, pior da crise é agora Mantega detalhou o impacto da tempestade financeira no Brasil e nem tocou no copo d’água sobre sua mesa, no dia mais quente da história de Brasília. Só interrompeu para atender o presidente Lula, que ligava pela segunda vez em menos de duas horas para se informar sobre o desempenho das bolsas e do câmbio.

Após a liga ligação de cinco minutos, às 18h40, o presidente ficou sabendo que, naquele dia, a Bovespa fechou em alta de 13,42% e o dólar em queda de 6,23%, cotado a R$ 2,183. Mas soube também que é cedo para qualquer comemoração.

O ministro acredita que a economia mundial vive o seu pior momento. Segundo ele, a crise possivelmente bateu no chão, mas a recuperação será lenta, sem horizonte visível. Para Mantega, o Brasil está resistindo bem. Mas o futuro vai depender do tamanho da encrenca mundial. “Recessão ou depressão, eis a questão”, parodia o ministro, se referindo ao futuro da economia americana.

A crise econômica mundial já está repercutindo no Brasil?

É uma crise mundial que atinge todos os países, porém de forma distinta. Ela tem seu epicentro nos países avançados: Estados Unidos, União Européia e Japão. Mas atinge também os países emergentes.

Nesses países, vai provocar estragos menores, porque eles têm condições mais sólidas. A equação se inverteu ao longo dos últimos anos. No passado, havia os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Hoje, os países emergentes, principalmente os dinâmicos, possuem características que lhes dão condições de resistir melhor às crises.

Quais são essas características?

A economia desses países é dinâmica, costuma crescer 4%, 5%, 8% e até 10%. A geração de riqueza é maior do que no Japão, na União Européia e nos Estados Unidos, hoje países envelhecidos. Em segundo lugar, os países emergentes têm um grande potencial de mercado interno.

China, Índia, Rússia e Brasil têm no seu mercado interno uma reserva de valor que pode se expandir e substituir o mercado externo. Mesmo que haja uma desaceleração da economia mundial, esses países poderão aumentar o intercâmbio entre si.

Então, onde os países emergentes podem sofrer o impacto?

Estão sofrendo, agora, o que todos estão sofrendo: problemas de liquidez e de crédito. O sistema financeiro globalizado tem vasos comunicantes para todo lado. No momento em que há uma crise como essa, há reflexo nos países emergentes.

O crédito em dólar seca. E uma parte dos empresários brasileiros se financia lá fora. Também afeta o comércio exterior, pois há problemas com os adiantamentos de contratos de câmbio, o ACC. E há ainda uma evasão de recursos para os países avançados. Sai dinheiro da bolsa e dos fundos.

Além disso, há reflexo no comércio exterior.

Por enquanto, no caso do Brasil, ainda não houve reflexo comercial. Mas poderá haver quando a queda da demanda internacional resultar numa queda da demanda por commodities. O Brasil tem uma vantagem em relação à China. Nossa abertura externa é pequena. Nossas exportações representam apenas 13% do PIB. A abertura chinesa é de 37% do PIB.



Se o comércio internacional cair 10%, para nós significará uma queda de 1,3%. Haverá também certa substituição pelo mercado interno, que está sobrando. A demanda doméstica cresceu 8,7% no último trimestre de 2007. Era exagerado, tanto que tomamos medidas para reduzir a demanda.



O problema imediato do Brasil é a escassez de crédito?
É crédito em dólares e crédito em reais. Quanto aos dólares, houve fechamento das linhas. E, no caso dos reais, alguns investidores tiraram dinheiro de bancos e da bolsa, o que baixou o valor dos ativos. O terceiro problema é o dos derivativos.



Quando há saída de capitais do País, com o desmonte das aplicações estrangeiras, estimula-se a valorização do dólar. E quando o dólar dá um salto, como ocorreu, ele dá prejuízo para os empresários que tinham feito apostas cambiais do lado errado.

O sr. ficou surpreso com essas operações das empresas?

Fiquei. O mercado derivativo de mercadorias é normal, tem mais de cem anos e existe no mundo todo. Foi feito para viabilizar o hedge, a proteção de determinados valores.

Depois surgiram derivativos de câmbio e de índice. Parte das operações não é realizada em bolsa, mas no mercado de balcão. Quando é feita por instituição financeira aqui no Brasil, é registrada na Cetip, órgão oficial. Mas quando é feita por uma subsidiária de uma empresa no Exterior, não há registro. A operação é fechada lá fora. O mercado é criativo.

O problema está aí.

Sim, mas a impressão que eu tenho, e quase certeza, é que as principais operações especulativas com derivativos envolveram as três empresas que já anunciaram as perdas: Sadia, Aracruz e Votorantim. A Sadia já cobriu as perdas na BM&F e a Votorantim também. A Aracruz está negociando com os bancos, em via de resolver o problema.

Mas o sr. já falou em mais empresas e prejuízos de até US$ 20 bilhões.

Apenas repeti uma entrevista do presidente da BM&F. Deixei isso bem claro. Não há um dado preciso. Ele estimou o volume de operações em US$ 20 bilhões. Esse é o tamanho da nossa encrenca.

O presidente Lula ficou espantado com esse número?

O presidente tem se informado com detalhes sobre tudo que está acontecendo na economia brasileira. Ele sempre me liga de onde estiver, até mesmo da África, para eu dar um quadro da situação para ele, pelo menos duas vezes ao dia. Ele acompanha o quadro econômico minuciosamente.

O sr. faz a leitura dos dados para o presidente e ele tem reagido como?

Eu faço a leitura. A questão dos derivativos não é um fato gravíssimo. Temos que dar a verdadeira dimensão. É um fato perturbador, que atrapalha um pouco, mas é um fato bastante limitado. Houve um pouco de exagero, de excesso de algumas empresas. A diferença é que essas empresas são sólidas.

Quando o presidente liga para saber da economia, ele pergunta sobre a bolsa e o câmbio?

O presidente tem uma visão geral da economia e um quadro muito preciso da economia lá fora e aqui. Se surgir um problema em tal lugar, a gente analisa e ele acompanha. Ele não toma nenhum susto, ele sabe muito bem onde essa crise é gerada, qual a responsabilidade dos Estados Unidos e dos agentes financeiros, que erraram na dose.

Como foi seu encontro com o presidente Bush na reunião do FMI?

Não tive uma longa conversa com o Bush, porque ele chegou no meio de uma reunião do G20, que eu presidia. Enquanto outros oradores falavam, nós fizemos alguns comentários. Bush falou que gostava muito do presidente Lula, que queria mandar um abraço para ele. Depois eu fiz uma exposição, com o presidente Bush do lado, e ele balançava a cabeça concordando.

Até mesmo com seus comentários sobre os fundamentos sólidos da economia brasileira?

Eu disse que não só haverá um impacto menor nos países emergentes como eles terão a responsabilidade de reequilibrar a economia mundial, dando um dinamismo que os países avançados não têm condições de dar. Nós, os países emergentes dinâmicos, temos de fazer o papel anticíclico e contrabalançar a redução do crescimento dos países avançados. O Bush concordou.

Sente-se, no Brasil, impacto negativo no comércio e na indústria, apontando para redução na demanda. Quais são as conseqüências da crise na economia real?

Nós tivemos uma retração forte do crédito e o crédito é o que dá oxigênio à atividade econômica, então a máquina dá uma parada. O que aconteceu no mês de setembro nos Estados Unidos foi um travamento de crédito violento, o credit crunch, que realmente secou os mercados. Isso nos atingiu.

Temos que ter o tempo necessário para recolocar o oxigênio na economia. Acionamos um mecanismo poderoso, que foi a liberação dos depósitos compulsórios. Desde que o quadro piorou, nas últimas três semanas, estamos trabalhando intensamente e tomando medidas que começam a ter efeito agora.

O sr. poderia afirmar que o pior da crise já passou?

Me parece que o pior da crise é o momento que estamos vivendo hoje. Agora, pior do que isso? Acho que não. Não posso dizer que estamos no fundo do poço, porque essas coisas são inesperadas. O Brasil está reagindo bem. Nenhuma empresa, nenhum banco quebrou por causa da crise.

Há luz no fim do túnel?

Sem dúvida, mas a situação dos Estados Unidos ainda é um ponto vital. Eles vão enfrentar uma retração econômica forte. Recessão ou depressão, eis a questão para a economia mundial.

Existem divergências entre o senhor e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles?
De forma alguma. Quem diz que há divergência entre mim e Meirelles está dizendo uma rematada bobagem. Tudo é feito a quatro mãos. Os problemas foram surgindo e nós temos equacionado bem. Nossa sala de situação, com o Banco Central e o Ministério do Desenvolvimento, está funcionando.



Fonte: IstoÉ

Nenhum comentário: