Pedro Estevam Serrano
A semana foi quente no ambiente jurídico do país. Prisões dos acionistas da Daslu e de diretores da poderosa empreiteira Camargo Corrêa causaram reverberações intensas na mídia.
Registre-se, contudo, que a loja de alimentos congelados de uma amiga minha foi roubada nesta mesma semana nos Jardins. Nada foi noticiado a respeito, trata-se esta minha amiga de uma cidadã comum, não frequenta colunas sociais, nem é conhecida do público. As imagens do meliante que cometeu o ilícito foram nitidamente gravadas nas câmaras de segurança do estabelecimento. Por telefone, a polícia lhe informou que não iria ao local. Levando as provas até a delegacia, ela pegou uma fila, preencheu papéis que certamente dormitarão em alguma gaveta da repartição policial.
As operações da Policia Federal já se tornaram rotina, o que se verificou foi nítida melhora no que diz respeito à observação das garantias constitucionais dos investigados na execução das aludidas ordens de prisão. Não ocorreram uso indevido de algemas e exposição indevida dos mesmos à mídia em nenhuma das referidas ações.
Posteriormente, todos foram soltos em ambos os procedimentos, obviamente. Não há sentido algum no plano constitucional a prisão de pessoas investigadas sem estrita e inafastável necessidade de preservação da higidez da investigação e antes do trânsito em julgado da decisão de condenação.
Inegavelmente, o país como um todo, e em especial o Judiciário, carecem refletir sobre esta banalização de prisões em qualquer investigação rumorosa. O aprisionamento do investigado deve ser conduta excepcionalíssima e não a regra comum.
De qualquer modo, é também inegável o avanço registrado nas ações da Polícia Federal e do Ministério Público, com colaboração de decisões judiciais corretas e corajosas, no que tange à implementação do Estado de Direito como valor e princípio normativo. A supremacia da lei, aplicando-se com seu rigor inclusive às esferas mais privilegiadas da sociedade, pela ação das referidas autoridades, se faz realizar como nunca dantes em nossa história. Mais do que encômios, tais autoridades carecem do apoio firme da sociedade civil para terem condições de prosseguir no avanço.
Costumeiramente, fala-se do Estado Democrático de Direito quando se aborda sua correta dimensão de proteção aos direitos e garantias individuais, mas é importante também lembrar que esta forma de exercício do poder político também se caracteriza por submeter todos igualmente à força da lei, independentemente da classe social de cada qual.
Mas, exatamente para fazer este caminho avançar, devemos aprofundar o debate e ousar tocar em pontos delicados, mas que precisam ser abordados.
Já tivemos oportunidade nesta coluna de abordar que não haverá Estado de Direito sem inclusão social e consequente universalização das garantias de nossa Carta aos setores menos favorecidos da população. Pobre ou excluído em nosso país conhecem a Justiça como réus ou vítimas da violência policial, jamais como titular de garantias constitucionais. Mas também necessitamos postular que o Estado de Direito só se realizará plenamente no dia em que as investigações estatais de ilícitos ocorrerem igualitariamente em todos os casos, independentemente da atenção que atraiam da mídia.
O direito das pessoas e os rigores da lei é que devem pautar a ação de nossas Polícias e Ministérios Públicos, e não o interesse da mídia em vender jornais e conquistar anunciantes à custa do rumor advindo das referidas ações estatais.
O privilégio oferecido a casos rumorosos, em detrimento dos demais, tanto na área criminal quanto no âmbito dos direitos e interesses metaindividuais, é evidenciado por quem trabalha no meio forense e também por estudos acadêmicos de verificação rigorosa de estatísticas de casos.
O abalizado e minucioso trabalho “Ministério Público e Política no Brasil”, de Rogério Bastos Arantes, evidencia em sua fundamentação que as prioridades institucionais são lançadas em favor de áreas de atuação e casos mais requisitados pela mídia ou mais próximos da atividade política em detrimento dos casos que envolvam cidadãos comuns em suas demandas de justiça.
Casos como o da Daslu, da Camargo Corrêa, do casal Nardoni etc, por suas repercussões midiáticas, acabam por receber das instituições públicas atenção e concentração que não se verificam nos demais casos.
Os casos pautados pela mídia transformam-se na aristocracia das investigações, enquanto que os casos dos cidadãos comuns que não são descolados nem frequentam o noticiário, como o roubo à loja de congelados de minha amiga a que me referi no início do texto, ficam a dormitar nos escaninhos burocráticos.
A ação eficaz de nossas instituições nos casos de potencial midiático não pode servir como o tapete que encobre a realidade ineficaz e ineficiente da ação estatal no que tange à investigação e processamento dos casos comuns no âmbito criminal e de cidadania. O valor da aplicação universal e igualitária de nossa ordem jurídica, sentido maior do Estado de Direito, só se efetivará quando a eficiência policial e jurisdicional beneficiar a todos os casos, independentemente da notoriedade que eventualmente tragam às autoridades responsáveis.
Nosso presidente da República, no correr desta mesma semana, discursou publicamente em favor de uma maior discrição de agentes policiais e do Ministério Publico em suas ações. A necessidade e o dever de informar a sociedade de suas ações não podem justificar a adoção de um caráter personalista nestas informações. Mas também é necessário que o interesse das corporações em se legitimar face à opinião pública não venha a empecer a priorização igualitária e técnica dos casos, bem como o empenho social e político em dotar nossas instituições dos devidos recursos para efetiva implantação do Estado de Direito no país.
Quando roubam o estabelecimento de um comerciante comum nossa ordem jurídica é vulnerada e a ação estatal deve ocorrer. É para atender ao cidadão comum em suas demandas de segurança e Justiça que nossas instituições são mantidas e nossas autoridades são remuneradas. A meta deve ser atender a cidadania de forma republicana, universalizando não apenas as garantias constitucionais, mas fazendo o também agir o “jus puniendi” estatal em todas as apurações indistintamente.
Última Instância.
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