sábado, 4 de abril de 2009

A insolvência nua



Nouriel Roubini

Depois de um ano de atraso, finalmente o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, e o presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, concordaram sobre a necessidade da criação de um novo regime de insolvência, destinado a importantes instituições financeiras, que potencialmente são a origem de riscos sistêmicos. A nova legislação, quando e se aprovada pelo Congresso, permitirá o salvamento de bancos encrencados de forma ordenada, ao contrário do que ocorreu com o Lehman Brothers.

O novo regime poderia ser similar ao usado para gerir, ordenadamente, o resgate das empresas hipotecárias Fannie Mae e Freddie Mac, que estavam recheadas de inadimplentes. Holdings financeiras e empresas não financeiras não têm hoje uma legislação adequada que permita a sua recuperação e a sustentabilidade da sua sobrevivência. Ficam entregues ao próprio destino, com evidente impacto devastador sobre a economia global.

Por este motivo, o governo foi forçado a salvar os credores do banco de investimentos Bear Stearns e da seguradora AIG. Também por isso o colapso do Lehman foi tão confuso e traumático. Precisamos de um novo sistema. O atual é incompleto, porque muitos ativos e títulos emitidos por bancos estão no nível da holding e não da instituição financeira. Melhor colocar o cadeado na porta agora, antes que novas crises peguem todos de surpresa.

Os artigos 11 e 7 do Código de Falências americano são uma total bagunça. Estão de certa forma obsoletos. O mundo mudou e tornou-se mais complexo. Muitos dos ativos e dos passivos de um banco, como débitos não garantidos, podem estar no nível da holding ou no nível da corretora. O FDIC (instituição garantidora de aplicações financeiras) funciona somente para o braço bancário. É inadequado para a holding ou as subsidárias não financeiras.

Suponha que o governo esteja planejando estatizar um grande banco, como o Citibank, porque foi provado por meio de testes de estresse que estaria insolvente. O FDIC pode assumir o seu controle, mas a holding ficará de fora, por não estar em sua jurisdição. Será enquadrada nos falhos e incompletos capítulos 11 e 7 do Código de Falências.

Os demais braços financeiros, como corretoras e empresas de seguros, também terão o mesmo destino. A cobertura do FDIC não se aplica ainda a operadores independentes, tão presentes nos pregões e nos mercados de balcão, e outras instituições financeiras não classificadas como bancos. Por isso, a falência desordenada é a única opção. Ocorre por total falta de alternativa. Uma solução bem organizada para o Bear Stearns, o Lehman ou a AIG só seria possível com a mudança dos capítulos 11 e 7.

Por isso, para evitar falências decretadas pela Justiça, o governo americano decidiu salvar, a um custo monstruoso para o contribuinte, o Bear Stearns e a AIG. Quando decidiu ir ao socorro dos credores do Lehman, quebrado na sequência, eclodiu a maior crise financeira mundial desde a Grande Depressão, iniciada em 1929. Esta também é a razão pela qual o governo está tão preocupado em apressar a seminacionalização de vários bancos de renome, pelo nefasto efeito dominó que teriam, se quebrassem. As atividades bancárias diretas seriam salvas pelo FDIC, mas não o restante da estrutura da empresa.

Um regime especial de insolvência propiciará tempo para estruturar uma forma de obrigações não garantidas não ficarem tão desprotegidas. Ajudará, ainda, a solucionar questões relativas aos derivativos de crédito emitidos pelas instituições financeiras. Hoje sabemos que essas operações não diluem totalmente o risco, como propalavam os livre-mercadistas. Ao contrário. São potencialmente desestabilizadoras, por ser superalavancadas. Não têm contrapartida alguma com ativo de origem, a partir do qual foram feitas tantas estripulias, principalmente os recebíveis imobiliários.

O sinal dado por Bernanke e Geithner é muito importante, pois propiciará um processo organizado de aquisição e/ou nacionalização de grandes bancos, assim como de instituições financeiras não bancos. Está mais do que na hora de o Congresso aprovar uma legislação especial de insolvência para permitir a nacionalização segura de grandes instituições insolventes.

Se um novo regime tivesse sido apresentado há um ano, o caro processo de salvamento de credores e contrapartes do Bear Stearn e da AIG teria sido evitado, assim como o colapso ruidoso do Lehman. Assim que os testes de estresse estiverem prontos, as holdings, os seus braços financeiros e não financeiros poderão ser adquiridos de maneira serena. Para isso, precisamos de uma nova legislação. Agora é o momento de o Congresso dos EUA agir.

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