02/04/2009
Há crises e ... crises !
Jorge Mattoso
Toda crise internacional traz em seu bojo o receio e o medo. Muitas vezes o pânico. Sobretudo em países como o Brasil, pois não foram poucos e pequenos os reflexos de outras crises mundiais sobre a economia e a sociedade brasileiras.
Assim foi com as crises do México, (1995), da Ásia (1997) e da Rússia (1998). Embora bem menores do que a atual crise, em todas aquelas o Brasil caía de joelhos, a confiança dos investidores despencava, o crédito desaparecia, o endividamento aumentava e nós corríamos para o FMI, quando além do socorro financeiro recebíamos as “orientações” de seus brilhantes e desinteressados economistas: “privatizem tudo, reduzam o Estado ao seu mínimo, cortem os gastos e eliminem as políticas públicas”.
Com a aceitação dessas políticas por nossos governos da época (leia-se governo FHC), o crescimento econômico brasileiro que havia estancado nos anos 1980 com a crise da dívida, era relegado às calendas gregas. Ficamos os anos 1980 e 1990 com um crescimento pífio, e quando crescíamos era sem expansão do investimento, acontecendo sempre uma expansão tipo “stop and go” ou, como vulgarizou-se chamar, tipo “vôo de galinha”.
A atual crise é comparada com a crise de 1929, por sua amplitude e gravidade. É reconhecido seu risco sistêmico, com eventual quebradeira de bancos e colapso do crédito. Mesmo mantida nos atuais níveis, ela é muito mais grave do que aquelas crises ocorridas na década de 1990, dados seus desdobramento financeiros, sua intensidade no arrocho do crédito, seu epicentro nas economias centrais e na sua amplitude geográfica.
Ela é resultado da expansão das finanças – em mercados altamente desregulados – e do abandono da população de mais baixa renda à sua própria sorte, quando esta foi atendida apenas pelo sistema financeiro, porém com taxas de juros mais elevadas, dado o risco embutido na operação. E dada à ausência de transparência e de controles do mercado financeiro, suas hipotecas foram “empacotadas” e transferidas para bancos de investimentos e fundos que as passavam adiante sem nenhum constrangimento. Quando dos primeiros solavancos, deu-se a crise do subprime e das finanças desreguladas...
No entanto, mesmo que os efeitos desta crise internacional da desregulação bancária e financeira sejam intensos sobre a economia brasileira, sabe-se que seus efeitos serão menores que nas outras crises e do que nos países avançados, pois nosso País mostrou uma nova capacidade de resistir a choques externos.
Para isso, foi importante um conjunto de fatores, de responsabilidade do governo do presidente Lula. O primeiro refere-se ao rompimento com a tendência ao “vôo de galinha”, com uma maior expansão do crescimento econômico, baseado agora na ampliação dos investimentos e da capacidade instalada e alcançando em 2008 mais de 5% (apesar do impacto da crise sobre o último trimestre).
O segundo fator foi a valorização do mercado interno, com a incorporação de significativos contingentes de brasileiros ao consumo e à cidadania, através das políticas sociais, da elevação do salário mínimo e da ampliação da geração de empregos.
O terceiro fator foi a adaptação da política comercial à nova realidade do mercado externo, com a ampliação do comércio com a América Latina e Ásia e a geração de superávits comerciais, favorecendo-se a ampliação das reservas internacionais e o “adeus” ao FMI.
O quarto fator que favoreceu uma maior resistência a essa crise foram as condições do sistema bancário, menos alavancado e com forte direcionamento do crédito, sobretudo para a agricultura e a habitação. Depois de anos onde a palavra de ordem havia sido a privatização, consolidou-se um competitivo setor bancário público, que detêm cerca de 1/3 dos ativos totais, sendo que a Caixa é responsável por mais de 57% dos financiamentos habitacionais e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social concentra a quase totalidade dos financiamentos de longo prazo, permitindo, assim, uma intervenção positiva na atual crise.
O quinto fator - deste conjunto de responsabilidade do governo federal – foram as políticas adotadas para a habitação, cujo corolário é o recém lançado programa Minha Casa, Minha Vida, que mostra que outra política é possível, sem sub-primes. O objetivo de construção de um milhão de novos imóveis, os subsídios para os mutuários que ganham até três salários mínimos, o barateamento dos seguros no financiamento à população de menor renda e a constituição de um Fundo Garantidor, indicam a consolidação de uma política habitacional que incorpora as camadas de menor renda, mas também de mecanismos de segurança e prevenção contra riscos exacerbados de inadimplência.
O sexto e último, mas não menos importante fator de ampliação da resistência nacional à grave crise internacional que vivenciamos, foi a forma tempestiva adotada no uso de instrumentos anticíclicos por parte do governo federal no enfrentamento da escassez do crédito e da redução da capacidade produtiva. O uso das reservas internacionais e dos bancos públicos, a redução (algo tardia) dos juros, a isenção do IPI para os veículos e insumos da construção civil foram algumas das muitas políticas adotadas e que vêm permitindo que, mesmo que lentamente, a recuperação se dê em quase todas as esferas da atividade econômica vinculadas ao mercado interno.
Os primeiros meses do ano mostram que iniciamos a saída do fundo do poço. A produção de veículos, a produção industrial, a balança comercial, o fluxo de entrada de divisas, os níveis de emprego e dos juros iniciam uma trajetória de recuperação e, desde que do exterior não venham novas ondas de agravamento da crise, caminhamos para um segundo trimestre mais promissor.
Se as crises são diferenciadas, não menos diferenciadas têm sido as políticas adotadas pelo governo federal. Felizmente...
*Jorge Mattoso, professor doutor na Unicamp (1985-2008), secretário de Relações Internacionais da Prefeitura de São Paulo (2001-2003), presidente da Caixa Econômica Federal (2003-2006), é secretário de Finanças em São Bernardo.
Fonte:ABCD Maior.
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