domingo, 12 de abril de 2009

Ombudsman cobra Folha sobre reportagem contra Dilma

12 DE ABRIL DE 2009


O ombudsman da Folha de S.Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, criou coragem. Ele cobra em sua coluna deste domingo (12) que o jornal divulgue, pelo menos em sua edição eletrônica, Folha Online, a gravação da entrevista com Antonio Roberto Espinosa que serviu de pretexto para a manchete de uma semana atrás, Grupo de Dilma planejou sequestro de Delfim Netto. Espinosa, em carta ao ombudsman, acusa os editores da Folha de transformarem ''um não-fato de 40 anos atrás num factóide do presente'' contra a ministra Dilma Rousseff.

Por Bernardo Joffily


A coragem de Lins da Silva foi estimulada pelas 58 mensagens que ele recebeu – foi a matéria mais comentada pelos leitores – sobre a reportagem que Espinosa chama de ''forma sórdida de anticampanha'' contra Dilma. Das 58, cinco consideram o texto ''propaganda descarada que os senhores proporcionaram a Dilma'', enquanto ''as outras 53 acharam que ela tentava prejudicar as aspirações presidenciais da ministra''.

Coragem, pelo no mucho

O Ombudsman recomendou ao jornal durante a semana ''que publicasse a transcrição da gravação para dirimir dúvidas''. Responderam-lhe que ''não faz sentido''. A coluna mantém a recomendação, alegando que Espinosa faz duas alegações ''sérias'': ''ele nega ter dito que a ministra tinha conhecimento do plano de sequestrar Delfim e que a operação estava com data e local definidos''.

A coragem do ombudsman não é tamanha que o leve a encarar de frente o xis da questão. Ele, que tem acesso à gravação da entrevista, bem poderia dizer quem afinal de contas tem razão: o jornal que lhe paga o salário? ou Espinosa, ex-dirigente do grupo VAR-Palmares, que acusa a reportagem de ''mais peremptória que a própria polícia da ditadura''?

O que escreveu o ombudsman

No entanto, a leitura da coluna dá a entender nas entrelinhas que Lins da Silva ficou constrangido e um pouco enojado com a atitude da Folha. Veja a íntegra do texto, sob o título Para ficar ao abrigo de desmentidos:


''No domingo passado, escrevi na avaliação diária das edições deste jornal sobre a reprodução na Primeira Página da ficha policial da ministra Dilma Rousseff na ditadura: ''Colocar como ilustração da entrevista de um colega seu [de Dilma] de luta armada a ficha policial dela com foto me parece uma forçada de barra. O certo, a meu ver, seria colocar ali a foto de Antonio Espinosa.''

Essa ''forçada de barra'' (similar à de quarta, quando o diretor da ANP [Agência Nacional do Petróleo] Victor Martins, acusado de irregularidades, foi identificado em título de chamada e reportagem como ''irmão de Franklin'' [Martins, ministro da Comunicação]) certamente contribuiu para leitores acharem que o jornal havia dito que Dilma planejara o sequestro do então ministro Delfim Netto em 1969.

A reportagem receberia críticas mais graves no decorrer da semana. Antonio Roberto Espinosa, ex-dirigente do grupo VAR-Palmares, no qual a ministra militava, e principal fonte para o texto publicado, contestou parte de seu conteúdo.

A meu juízo, suas alegações mais sérias são: ele nega ter dito que a ministra tinha conhecimento do plano de sequestrar Delfim (faz uma distinção entre ''informação política'', que ela pode ter tido, e ''informação factual'', que ela não tinha) e que a operação estava com data e local definidos.

Com atraso de dois dias, que eu julguei evitável com alguma dose de flexibilidade, a Folha publicou a contestação de Espinosa e a rebateu. A Redação diz que todas as declarações que comprovam o que havia saído no domingo estão gravadas.

Recomendei ao jornal que publicasse a transcrição da gravação para dirimir dúvidas. Ela me respondeu o seguinte: ''Não faz sentido reproduzir novamente as declarações de Espinosa. Elas já estavam na reportagem de domingo. (...) Consideramos suficiente a publicação da carta do entrevistado e a nota da Redação.''

Eu mantenho a recomendação. A edição eletrônica do jornal (Folha Online) não tem limite de espaço como a edição impressa. Pode tanto publicar a transcrição da entrevista na íntegra quanto reproduzi-la em áudio.

Afinal, um dos motivos por que entrevistas (e esta, pela sua importância, deveria ter sido feita pessoalmente, não por telefone) são gravadas é para comprovar o que o jornal publica. Como diz o Manual da Redação: ''O jornalista que usa gravador fica ao abrigo de desmentidos''.

Que cada leitor a leia ou escute e chegue às suas conclusões. E essas conclusões certamente serão díspares entre si porque cada pessoa sempre entende o que quer de qualquer discurso.

Recebi 58 mensagens de leitores sobre esta reportagem. Cinco a consideraram, conforme uma delas, ''propaganda descarada que os senhores proporcionaram a Dilma''. As outras 53 acharam que ela tentava prejudicar as aspirações presidenciais da ministra.

De qualquer modo, o jornal fica devendo ao leitor reportagens similares sobre as atividades durante o regime militar dos outros principais pretendentes à Presidência da República em 2010.


A Folha da ''ditabranda'' reincide

A Folha de S.Paulo é reincidente no tratamento antijornalístico e anti-histórico de fatos da ditadura militar de 1964-1985. Um mês antes da ''pegadinha'' contra Dilma, ela foi acossada por protestos depois de dizer em editorial que a ditadura não foi tão ruim assim, chamando-a de ''ditabranda''. O neologismo filoditatorial provocou uma manifestação de rua diante da sede do jornal, que viu-se obrigado a recuar.

Um dia, quem sabe, algum ombudsman verdadeiramente ousado há de expor os esqueletos que a Folha oculta nos porões da Rua Barão de Limeira, exigindo uma mea culpa pelo fato do jornal dos Frias ter apoiado o golpe, a ditadura, a repressão, a tortura, assassinato e ''desaparecimento'' de presos políticos. Até lá, a Folha pelo menos deveria tomar consciência de que, quando incursiona pelo passado ditatorial, pisa em terreno minado.

Quanto a Dilma Rousseff, poderá ganhar ou perder as eleições presidenciais de 2010, mas a sua juventude de militante antiditatorial certamente não lhe tirará votos. Pelo contrário, a imagem de ''Joana Darc da esquerda'' (termo usado quando ela era presa política torturada, conforme um relatório sobre ela enviado pela Embaixada dos Estados Unidos em Brasília para o Departamento de Estado) só pode despertar simpatia e admiração em uma opinião pública que condena a ditadura e homenageia os que a combateram.

Isso já ficara claro em outro episódio, de maio do ano passado. Dilma depunha no Senado sobre o ''Caso do Dossiê'' (quem lembra do ''Caso do Dossiê''?); o senador José Agripino Maia (DEM-RN) sugeriu que, por ter mentido quando presa durante a ditadura, ela também poderia estar mentindo sobre o caso; a resposta da ministra arrancou aplausos e arrasou o demista:


''Eu fui barbaramente torturada, senador. Qualquer pessoa que ousar falar a verdade para os torturadores, entrega os seus iguais. Eu me orgulho muito de ter mentido na tortura, senador.''



Portal Vermelho.

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