terça-feira, 4 de agosto de 2009

Por uma nova ordem mundial


04/08/2009 1

Luana Lila, CartaCapital


“Agora sim parece microfone da CUT”. Foi com essa frase que Artur Henrique, presidente da Central Única dos Trabalhadores, abriu o primeiro dia do 10° Congresso da entidade, que ocorre durante toda a semana no Pavilhão Branco do Expo Center Norte, na cidade de São Paulo. Marcado para começar às 14h, alguns contratempos, como o microfone que não funcionava, atrasaram a abertura.

Foi às 14h45 que teve início a mesa O Desenvolvimento Necessário Pós-Crise, que contou com a participação de Ladislau Dowbor, economista e professor da PUC-SP, Lais Abramo, diretora da Organização Internacional do Trabalho do Brasil (OIT) e o ministro Luiz Soares Dulci, chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.

As atividades dos dois primeiros dias fazem parte de uma Conferência Internacional e na plateia estavam delegados de diversos países, Honduras, Nigéria, Bolívia e Venezuela, entre outros. O objetivo da primeira mesa foi discutir alternativas de desenvolvimento a partir da crise global visando traçar estratégias para um novo modelo de produção e consumo. “O FMI sugere as mesmas medidas para o fim da crise: reduzir gastos públicos. Apesar de terem sido eles um dos responsáveis, estão dando receitas para acabar com ela”, declarou o presidente da CUT.

Quem deu início à discussão foi o economista Ladislau Dowbor, que trouxe uma nova forma de pensar a riqueza dos países. De acordo com ele, a medida do Produto Interno Bruto de cada país, o PIB, responde a um modelo de desenvolvimento que não é mais aceitável. “O cálculo que fazemos é simplesmente errado por não contabilizar florestas, reservas de água doce. Todos nós buscamos o aumento do PIB como se fosse o objetivo. Mas há um movimento planetário de redefinir como a gente calcula o progresso humano.”.

O professor afirma que todo o sistema de evolução do consumo só funciona para um terço da população. Segundo ele, ocorre uma articulação entre a concentração de renda e a destruição ambiental. “São visões estruturais que nos ligam à crise. São Paulo anda a 14 km por hora, a velocidade das carroças no início do século passado, e achamos que isso é progresso. Enquanto isso, dois terços do planeta tem acesso a apenas 6% do produto mundial”, dados alarmantes sobre a realidade global.

Para ele, “são os homens do dinheiro que estão em crise”, já que as estatísticas mostram uma situação insustentável do modelo econômico vigente: “atualmente morrem 10 milhões de crianças por motivos ridículos, como a falta de saneamento básico. Isso não é crise? A soja rende muito dólares, mas 200 hectares criam um emprego. Precisamos repensar os processos econômicos.”

Sobre o tema do desemprego, Lais Abramo, diretora da Organização Internacional do Trabalho no Brasil (OIT), afirma que a crise do trabalho já existia antes da crise financeira internacional. Segundo ela, no final de 2007 eram 195 milhões de pessoas desempregadas no mundo e, segundo as Nações Unidas, metade dos que trabalhavam eram pobres, ganhando menos de 2 dólares ao dia, e quase 20% ganhava menos de 1 dólar ao dia. Esses dados apontam a precariedade do mundo do trabalho e algo mais grave ainda: o fato de trabalhar não ser suficiente para ter acesso à cidadania. É por isso que Lais afirma que a resposta à crise não deve ser uma volta ao status quo anterior.

Ela também falou sobre o Pacto Mundial pelo Emprego, uma iniciativa da OIT para enfrentar os efeitos da crise. “Trata-se de uma resposta da perspectiva do trabalho decente, um modelo mais eqüitativo e com mais justiça social”. Lais mencionou análises sobre os pacotes de estímulo fiscal feitos desde que a crise financeira teve início: do valor total de dólares que foram utilizados desde setembro de 2008, apenas 9,2% foi destinado à assistência social de famílias pobres e apenas 1,8% a programas de criação de emprego. “Quando há uma crise, a recuperação do emprego é muito mais demorada do que a da bolsa de valores e muitas vezes nesses momentos em que são feitos reajustes da produção e o nível do emprego nunca volta a ser o mesmo nível pré-crise”.

O Pacto da OIT trata-se de um conjunto de alternativas que devem ser analisadas de acordo com a realidade de cada país, mas define alternativas como o aumento do investimento de infra-estrutura e dos bens públicos, a valorização do mercado interno, a garantia do fluxo de crédito para pequenas e médias empresas, e a extensão do seguro desemprego e do salário mínimo, recursos que vão direto para as mãos do trabalhador.

Para o ministro Luiz Dulci, os programas sociais, além de serem justos, têm também um papel macro-econômico porque contribuem para dinamizar o mercado interno. “As pessoas que recebem a transferência de renda não compram títulos da bolsa de Nova York, elas compram alimentos, vestuários. As pequenas e médias empresas contrataram, durante a crise, 700 mil novos trabalhadores, as mesmas que são beneficiadas pelo dinheiro que circula graças aos programas sociais.”. É por isso que, como afirmou o ministro, Lula proibiu sua equipe de utilizar a expressão “gasto social”, passando a utilizar a palavra investimento.

Dulci encerrou a mesa de debates lembrando a nova ordem mundial. Para ele, a crise é uma oportunidade para resgatar o papel da esquerda. “As condições estão dadas para uma ofensiva ideológica. A gente teria que voltar a ter orgulho de ser esquerda. O mundo que criou as Nações Unidas não existe mais, o G8 acabou. O movimento sindical internacional deveria ser mais ousado, mais juvenil, para exigir o seu lugar nas discussões econômicas mundiais. Deveria reivindicar um assento no G20. Precisamos recuperar uma certa ousadia, tem algumas boas e velhas táticas de greve que talvez sejam úteis no momento atual. Como pode ser reestruturada a nova ordem do mundo sem o movimento sindical?”, finalizou o ministro, com veia de sindicalista.

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